O SOFRIMENTO CRISTÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
Quando Jesus anunciou aos discípulos sua
paixão e morte, Pedro logo se insurgiu e, protestando, Lhe diz: “Deus te livre
de tal, Senhor! Isso não te acontecerá” (Mt 16, 21-27). As palavras de Cristo
estão entre as mais duras do Evangelho: “Retira-te da minha frente, satanás, tu
és para mim um
obstáculo perigoso, pois não tens o senso das coisas de Deus, mas das coisas
dos homens” (v.23). A primeira lição a ser tirada desta narrativa vem do
próprio Pedro. Com efeito, o cristão pode ter pensamentos, visando o serviço da
Igreja e do Reino dos céus. Isto pode ter forte repercussão. Entretanto, é
preciso examinar se todos os seus resultados são bons. Pedro era bem intencionado, mas não percebia
que estava indo contra os planos divinos ao querer demover Jesus de sua missão
redentora. Eis porque é necessário implorar sempre as luzes do Espírito Santo
para saber se o que nos vêm à mente é, de fato, aquilo que Deus quer. Além
disto, esta passagem do Evangelho nos coloca diante de uma situação comum na
vida de cada um. Nem sempre o cristão se posiciona corretamente em face ao sofrimento.
No entanto, Jesus ensinaria que quem quisesse ser seu discípulo, renunciasse a
si mesmo, tomasse a sua cruz e O seguisse. O caminho proposto pelo Mestre
divino supõe sacrifícios. Pedro aprenderia que Cristo não era um rei como os
soberanos da terra. O amor a Ele deveria se manifestar por atos que custam,
pela imolação de si mesmo. A vida com Deus não está isenta de amargura. Foi o
mau uso da liberdade que introduziu o mal no mundo e Deus não foi o culpado. O
ser humano cede muitas vezes às insinuações de satanás. Jesus foi claro,
mostrando que os pensamentos do diabo não são os pensamentos de Deus. O homem é
o responsável pelos atos maus também ao aderir às tentações malignas e deles se
originam inúmeras aflições, dores físicas e morais. A fronteira entre a obra de
satanás e os pensamentos dos homens que se deixam seduzir não é sempre muito
clara. Muitos, como Pedro, não têm sempre consciência deste fato. Como foi dito,
é preciso orar para ser esclarecido pelas luzes divinas sobre o que se deve
fazer, para não merecer a censura de Jesus. Muitos cristãos
gostariam de apagar de suas vidas a ascese e a vigilância, transformando Deus como
um seu satélite. Neste caso se dá o repúdio a qualquer contrariedade, a
qualquer dor física ou moral. Quantos prefeririam um Cristo sem mistério, sem
história, sem cruz, sem perseguição. Escolheriam sempre as Bem-aventuranças sem
as renúncias, a salvação sem os árduos esforços no caminho da perfeição. Para
se chegar ao céu é preciso o caminho estreito da mortificação, da cruz de cada
dia. Quem leva sua cruz com paciência perceberá sempre a mais suave das
sabedorias. Sofre, mas sabe por que sofre, transformando os espinhos da vida em
pérolas para a eternidade, tornando o mundo em derredor de si melhor, dado que
irradia o perfume das virtudes, dando um sentido profundo a sua existência. Em
tudo é preciso ter um verdadeiro discernimento cristão o que faltou a Pedro ao
querer demover Jesus de sua obra salvadora. Mais tarde Pedro
compreenderia que ser discípulo de Jesus não é somente querer só imitar seu
Mestre, mas também é ser alguém que pensa como seu Mestre, numa total adesão
interior a Ele. Procurar entrar sempre no pensamento de Deus como Jesus deixou
claro no evangelho de hoje. Não só proclamar Jesus como Filho de Deus, mas
também como redentor da humanidade através do sacrifício da Cruz. O Evangelho
de hoje deve assim nos levar a ter plena consciência de que não há nenhum
caminho de salvação, de santidade, de perfeição que não passe pelo mistério de
Cristo que sofreu, que morreu e que ressuscitou. Separar Jesus de seu mistério
pascal, como queria Pedro, seria viver na ilusão, forjando um Deus mera projeção
de sonhos humanos, de visões terrenas. * Professor no Seminário de
Mariana durante 40anos.
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