O MAIOR
MANDAMENTO
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus, após vencer os saduceus
que haviam proposto uma questão sobre a ressurreição (Mt 22, 23-33), foi abordado pelos fariseus e um deles,
capciosamente, indagou: “Mestre, qual é o maior mensamente da lei” (Mt,22
34-40). Entre os judeus esse assunto era de suma relevância, dada a
multiplicidade dos preceitos da lei. Contavam-se no Torá ou Lei de Moisés
seiscentos e treze numa complexidade que levava a mesclar normas principais com
outras suplementares. Não havia desse modo no judaísmo uma visão objetiva sobre
o princípio fundamental de toda a Lei. Tratava-se de elucidar o cerne mesmo da
exigência moral e a razão última de sua motivação. No fundo era preciso estabelecer
qual era o essencial de tudo que Deus havia preceituado. Conforme a resposta de
Cristo, seus inimigos poderiam depois checar sua conduta, a veracidade de sua
doutrina. Para evitar debates inúteis Jesus foi direto à elucidação da
pergunta: “Ama o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e
com todo o teu entendimento”. Era o que constava no Deuteronômio, texto
recitado duas vezes por dia pelos bons israelitas (Deut 6,4-5). Cristo, porém,
sabiamente, une a este preceito o mandamento do amor ao próximo, inseparável do
amor de Deus e que estava proclamado no Livro do Levítico (Lev 19,18). Com sua
sabedoria de Mestre Ele ligava deste modo o amor ao semelhante e o amor de
Deus, estabelecendo uma lógica hierarquia, pois o amor de Deus estava em
primeiro lugar, estando o amor ao próximo em segundo lugar como norma
semelhante à primeira. Ficava evidente que o inverso não era verídico. Havia,
deste modo, uma relação profunda entre os dois mandamentos, certa equivalência,
porque o amor devido ao Ser Supremo, infinitamente bom e misericordioso, devia
ser estendido através da bondade e da clemência a todo o semelhante. São João
dirá na sua primeira carta: “Em verdade, quem não ama o seu irmão, que vê, não
pode amar a Deus que não vê e este mandamento recebemo-lo dele: quem ama a Deus
ame também o seu irmão” (1 Jo 4). Os dois mandamentos são semelhantes, a saber,
amar a Deus, o Criador e o Redentor, e amar o próximo, criado à imagem e
semelhança de Deus, remido pelo mesmo sangue divino. Não há oposição entre
estes dois preceitos que são integrantes. Acontece, porém, que na teoria logo
são admitidas estas verdades, mas na prática é necessário sempre um autoexame
para se verificar se não ocorre o desprezo de um deles. É que o verdadeiro
seguidor de Cristo se abre a uma prática que visa as duas realidades, ou seja,
um amor do próximo que seja prolongamento da intimidade pessoal com o Deus
Altíssimo. O amor a este Deus estendido no encontro fraternal com os outros.
Jesus condensou de uma maneira peremptória toda fé de Israel e de todos os seus
discípulos conjugando o amor de Deus com o amor do irmão. Enunciou um princípio
espiritual de ação, uma atitude que devia ajudar cada um a caminhar no sentido
da verdadeira vida humana em toda e qualquer situação. Jesus mostrou que um
amor a Deus que não se expande no amor sincero aos outros não atinge sua
verdadeira dimensão. Por entre as tarefas importantes da existência de cada um,
demandando atenção, tempo e energia, muitos ficam sem saber o que é realmente
prioritário. Jesus oferece um critério supremo: É preciso sempre realizar
aquilo que convém para provar amor a Deus e ao semelhante., não aquilo que a
pessoa julga boa para si mesma de uma maneira egoística. Jesus deixou uma
fórmula simples para discernir o que é verdadeiramente importante entre tantos
valores que se apresentam ao ser humano, isto é, o duplo amor que necessita
impregnar todas as obras. O ícone deste programa de vida é a cruz. Nela Ele deu
a prova suprema do amor de Deus para com a criatura humana que O deve amar na
mesma proporção. Ele foi também claro ao dizer: “Este é o meu mandamento que
vos ameis uns aos outros como eu vos amei. Ninguém tem maior amor do que o
daquele que dá a vida pelos amigos. Vós sois meus amigos se fizerdes o que eu
vos ordenei” (Jo 15,13-14). A Cruz indica tudo isto, a saber, a travessa
vertical apontando. para o Alto, para o amor a Deus e a travessa horizontal,
indicando o abraço fraternal envolvendo todos os irmãos num amor sem limites. * Professor no Seminário de Mariana durante
40 anos.
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