DAR A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR, A DEUS O
QUE É DE DEUS
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A
resposta que Jesus deu aos fariseus e herodianos é uma das sentenças mais
conhecidas dos cristãos: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é Deus” (Mt
22,15-21). Este ensinamento impregnou o pensamento dos cristãos, tornando-se
até popular. É preciso, contudo, penetrar fundo nesta lição do Mestre divino.
Seu objetivo não foi simplesmente colocar um divisor entre o temporal e o
espiritual. Não foi também seu objetivo justificar os que erroneamente querem
colocar as práticas religiosas apenas na esfera privada, pessoal. O que Jesus
disse deve ser interpretado num contexto bíblico mais amplo para se pinçar e
compreender o seu significado profundo. Levantaram uma questão para tentar
colocar Jesus numa situação embaraçosa, mas a eles não interessava a verdade e
foram, por isto mesmo, chamados por Cristo de hipócritas. Pagar o imposto
romano já era em si reconhecer, de certo modo, a legitimidade de uma ocupação invasora
e para a fé judaica a única aplicável em Israel devia ser a lei de Deus. Assim
sendo, se Jesus lhes respondesse que era preciso pagar o imposto a César Ele se
fazia colaborador dos romanos. Se Ele respondesse que não era preciso pagar o
importo, os fariseus poderiam denunciá-lo por rebelião contra as autoridades
que dominavam o país. Jesus estaria inclusive impulsionando os judeus à
revolta. Aliás, mais tarde diante de Pilatos para complicar Cristo no
julgamento haveriam de dizer que Jesus era inimigo do Imperador. Deste modo, ao
interrogar Jesus pensaram em colocá-lo numa cilada sem saída. Com sua sabedoria
Cristo lhes manda que mostrem uma peça do dinheiro romano, sinal por excelência
do poder político do dominador. Portanto, ao pagar o imposto os judeus
aceitavam o jogo econômico de Roma. Isto era uma visível incoerência, mas não
tinham como escapar do domínio ao qual estavam submetidos. Eis porque Jesus
lhes disse “Dai a César o que é de César”. Entretanto, o Mestre divino foi mais
longe ao acrescentar “Dai a Deus o que é de Deus”. Ele focalizava uma dimensão
espiritual e lançava uma lição. Ele
perguntou de quem era a imagem que estava na moeda. Era de César, assim dê a ele
o que lhe pertence. Ao se referir, porém, naquele momento também a Deus, Cristo
lembrava outra imagem. Esta se achava no
livro do Gênesis: “Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus, e
criou-os homem e mulher” (Gên 1,27). Jesus sabiamente levou seus interlocutores
a outra realidade, mas importante do que o dinheiro de César, qual seja a
vivência da imagem de Deus na vida de cada um, a submissão total ao Criador.
Era um ensinamento universal. O homem, é certo, tem que se adaptar aos fatos
materiais e políticos para poder viver em sociedade. Entretanto, não pode o ser
racional descurar as exigências de sua vida espiritual. Precisa dar a Deus o
que é de Deus cuja autoridade é bem mais doce e suportável do que a dos homens.
O próprio Jesus afirmou: “O meu jugo é suave, o meu fardo é leve” (Mt 11,30).
Muitas vezes se esquece facilmente da presença discreta e amável de Deus que
habita nos corações dos que O amam e respeitam, Dar a Deus o que é de Deus é
estar sempre intimamente unido a Ele a quem se deve total submissão na vida
cotidiana. Criados à imagem e semelhança de Deus o homem e a mulher devem ser
uma oferenda contínua a Ele pelas preces e pelo empenho na evangelização. Os
fariseus e herodianos traziam à baila a questão material do imposto a ser pago
ao Imperador, mas Jesus lhes lembra algo
muito mais importante que é o aspecto espiritual que engrandece a criatura
perante seu Criador. Como cidadãos temos que cumprir os nossos deveres para com
o Estado. Como criaturas devemos estar
sempre cônscios de nossas obrigações para com Deus. Ao poder civil a cada
instante cada um paga taxas altíssimas, dinheiro quase sempre mal empregado por
muitos políticos. Deus, porém, não procura nada a não ser uma amizade real e sincera
com Ele através de orações fervorosas. Além dito, quando o cristão se coloca ao
serviço do próximo na família ou na sua comunidade é a Deus que ele está
servindo, a Ele que a cada um,
continuamente, cumula com tantas graças e benefícios. Cumpre assim uma imersão
total no mistério de Deus. O dinamismo cultural da fé cristã leva discípulo de
Jesus a lidar com as coisas materiais, priorizando, porém, as realidades
espirituais.* Professor no Seminário de
Mariana durante 40 anos.
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