segunda-feira, 30 de maio de 2016

O FILHO DA VIÚVA DE NAIN

O FILHO DA VIÚVA DE NAIM
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Ninguém havia chamado Jesus para que Ele fosse a Naim e também Ele não recebera nenhuma informação sobre o sofrimento de uma viúva, pobre mãe que conduzia seu filho num doloroso cortejo fúnebre (Lc 7, 11-17).  Acompanhado pelos seus discípulos e uma grande multidão, Ele chegou à cidade de Naim. Ele que ressuscitaria também a filha de Jairo e seu amigo Lázaro, comovido o seu coração pelo sofrimento de uma angustiada mãe a prantear a morte de seu filho único, ressuscitaria pela primeira vez  um morto. Tal a sua missão nesta terra qual seja consolar os aflitos e os que choram. Deixou para seus discípulos um exemplo magnífico para que eles também sempre tivessem compaixão dos sofredores. Ao ver o séquito dos que acompanhavam um jovem falecido, com suma ternura ele se dirigiu à viúva padecente com  estas palavras: “Não chores”. Consolar e reconfortar alguém nos momentos dolorosos deveria ser no futuro a conduta de seus seguidores, mostrando comiseração, sobretudo, quando a morte bate à porta de alguém, envolto  na desolação. Além disto, prestar homenagens a um falecido e por ele orar é um ato de fé, pois a alma humana é eterna e se encontra na outra vida e pode ser sufragada pelos vivos nesta terra. A prece pelos mortos é, igualmente, uma prova de amor, mais forte que a morte. Após as palavras de lenitivo àquela mãe que chorava, diz São Lucas que Jesus tocou o esquife com sua mão. São Cirilo de Alexandria explica este gesto do Salvador como um  tributo à matéria corporal pela qual age o Espírito Santo. Ele ressuscitará aquele jovem, recebendo novamente aquele corpo sua alma. Isto se aconteceu quando com voz poderosa Jesus dá esta ordem: ”Jovem, eu te digo, levanta-te!” Além de mostrar o seu poder divino, Cristo proclama que a juventude é símbolo da vida e não quer a morte dos jovens por causa das drogas, das imprudências com as motos, de outras atitudes condenáveis e, sobretudo,  não deseja a morte de suas almas  causada por  qualquer pecado grave. Almeja que os jovens sejam a alegria de seus pais, de seus irmãos, de toda a sociedade, se dedicando afincadamente aos estudos para serem ótimos profissionais. Diz São Lucas que todos em Naim  ao presenciaram o milagre de Jesus a favor daquele moço “glorificavam a Deus dizendo que “um grande profeta visitou o seu povo”. Um dia, após sua morte, Jesus ressuscitará imortal e impassível e assim há uma grande diferença entre a ressurreição do filho da viúva de Naim e a sua ressurreição. A vida que ele restituiu àquele jovem foi temporária. Jesus, contudo, ressuscitaria para a vida eterna. Ele ressuscitaria imortal e impassível, não mais sujeito o seu corpo às vicissitudes do tempo e do mundo material. Como afirmou São Paulo, Cristo ressuscitado não morreria mais e a morte não teria mais poder sobre Ele. A ressurreição que Ele operou em Naim era apenas uma imagem de sua ressurreição e esta, sim, seria o penhor da ressurreição duradoura dos homens após a morte. Deste modo, nós proclamamos Jesus não apenas como um Profeta, como os habitantes de Naim, mas o Enviado de Deus que nos garantiria não um suplemento de vida, mas a vida sem fim. Aí o fundamento da esperança cristã que se enraíza no momento presente, porque Jesus veio para salvar e, vencedor que é da morte, um dia Ele nos dará a vida em plenitude, vida integral na ressurreição do último dia. Esta verdade deve sempre alimentar a fé dos que creem no divino Salvador. Para além das doenças, das tragédias, das catástrofes, das guerras, da pobreza e de outras calamidades paira a nossa fé no poder salvador de Jesus. No Evangelho  vemos que o cortejo fúnebre se deparou com Ele, mas Ele era o poderoso vencedor  da morte. Junto dele sempre há reconforto e alegria. A tudo isto se acrescente que Ele continua contemporâneo de todas as gerações cristãs na Eucaristia. Existe um liame profundo entre a Eucaristia e a Vida Eterna. Com efeito, Jesus foi claro: “Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer deste pão viverá eternamente; e o pão que eu darei é a minha carne pela vida do mundo [...]  “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e eu o ressuscitarei no último dia (Jo  6, 51.54). Deste modo, Aquele que ressuscitou o filho da viúva de Naim  ressuscitará também os que nele creram e O receberam na Eucaristia. Verdades consoladoras! Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.




A PECADORA PERDOADA

A PECADORA PERDOADA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A cena da pecadora que, durante a refeição oferecida pelo fariseu Simão a Jesus, ajoelhada aos pés de Cristo os lavava e os ungia com perfumes, é uma das mais comovedoras do Evangelho (Lc 7,36-8,3). A própria Santa Teresinha de Lisieux, numa de suas cartas, referindo-se a este episódio, exaltou a comiseração imensa de Jesus. Assim se expressou esta santa: “Quando eu vejo Madalena banhar com lágrimas os pés de seu mestre adorado, que ela toca pela primeira vez, eu sinto que seu coração havia compreendido os abismos de amor e de misericórdia do coração de Jesus, e, embora pecadora, este Coração de amor não somente está disposto a lhe perdoar, mas ainda a lhe prodigalizar os benefícios de sua íntima divindade” (Carta 237).  Grande, de fato, deve ter sido a felicidade daquela mulher arrependida ao escutar que estava anistiada de suas faltas. Jesus afirmou: “Estão perdoados os teus pecados”, tendo antes explicado ao anfitrião: “São perdoados os seus muitos pecados porque muito amou”. Perdão e amor é o leitmotiv deste trecho do Evangelho de São Lucas. Pelo perdão Jesus demonstrou seu poder divino, pelo amor e pelas honras que Lhe prestou a pecadora ela possibilitou ao divino Redentor publicamente revelar que Ele era Deus, porque somente Deus pode absolver as ofensas contra  Ele. O amor da criatura que reconhecia seus erros se encontrou com o amor misericordioso de Jesus, resultando numa purificação e numa remissão total. O amor de Deus é uma força que indulta e que restaura, cobrindo uma multidão de desacertos, sempre que há um pesar sincero, unido ao propósito de emenda. Isto advém de uma confiança absoluta da qual flui uma paz beatificante. Jesus disse à pecadora: “A tua fé te salvou, vai em paz”. É o que Ele continua a repetir através dos sacerdotes no sacramento da Confissão a tantos que, tendo se extraviado do caminho do bem, envoltos em paixões condenáveis, procuram a reconciliação com o Ser Supremo. É de se observar ainda que neste episódio fica claro o valor da linguagem não verbal. Com efeito, a adúltera não diz uma palavra que exprimisse seu arrependimento, mas ela chora. Suas lágrimas falam mais alto que qualquer expressão falada. Ela mostrava que amava Jesus, beijando-lhe os pés. Nem mesmo proclamava com altos clamores esta sua dileção, mas a manifestava pelo perfume precioso com que ungia o divino Salvador. Isto porque antes ela já havia tomado uma decisão importante, qual seja abandonar os caminhos tortuosos que até então percorria.  É de se admirar ainda que ela venceu corajosamente o respeito humano e pouco se importava com as possíveis críticas humanas, como as que passavam na mente de Simão, o fariseu, Ela já não fazia caso dos julgamentos de reprovação dos que bem a conheciam como pecadora pública. Estes detalhes ensinam que se pode exprimir o amor e a reverência para com Jesus por meio de pequenas decisões. O afeto para com Ele reforça as boas resoluções e faz com que muitos que se acham no fundo do poço reflitam, procurem um sacerdote, façam uma boa Confissão e mudem inteiramente de vida. Cristo valoriza muito os pequenos gestos de afabilidade. Como sensibiliza o coração do Mestre divino, por exemplo, alguém que entra na Igreja, faz uma genuflexão repleta de fé, olha para o sacrário, faz o sinal da cruz e sai para seu trabalho. Este entregou seus afazeres a Ele e Ele não deixará de amparar quem assim revela sua crença profunda na sua presença real na Eucaristia. É claro que, se as menores demonstrações de amor a Cristo atraem tanta proteção, mais ainda recebem os que dedicam mais tempo à oração. Além disto, lembra  o  Pe. Alan Naome, “a aceitação de um sofrimento em união com a paixão de Cristo tem um valor de redenção”. Está com a razão o douto teólogo, porque assim ensinou São Paulo: “O amor de Cristo nos constrange [ ,,, ] e Ele morreu por todos para que os que vivem não vivam mais para si, mas para aquele que por ele morreu e ressuscitou (2 Cor 5, 14.15). Ele nos amou até o fim. Entretanto, o amor a Jesus passa necessariamente pelo caminho do reconhecimento das faltas cometidas, aliado a uma intenção firme de não mais pecar e estes sentimentos levados ao Confessionário redimem e alcançam o perdão de Deus.  Tudo isto,  belas lições do gesto da pecadora arrependida aos pés de Jesus. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


quarta-feira, 25 de maio de 2016

A FÉ DE UM SOLDADO ROMANO

A FÉ DE UM SOLDADO ROMANO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O episódio da cura do servo do centurião oferece aspectos importantes dos quais fluem ensinamentos preciosos para os seguidores de Jesus (Lc 7,1-10).  Aquele soldado romano que comandava cem homens, todos submissos ao imperador romano, foi de uma delicadeza maravilhosa para com Cristo. Ele procura o divino Taumaturgo através de seus amigos judeus. Isto porque ele sabia que pela Lei de Moisés os pagãos então considerados impuros. Não queria por certo constranger Jesus. Respeitava, porém, a religião do povo e era até um benfeitor dos judeus, pois havia construído uma sinagoga. Um servo dele muito estimado estava à beira da morte e, sabedor que era do poder de Jesus, lhe manda emissários para suplicar a cura  deste escravo. Desde modo, já estava fazendo um ato de fé no poder daquele rabi tão famoso.  Este se dispõe então a ir à casa daquele pagão. O gesto de Jesus provocou uma confissão de humildade, pois, ainda através de seus simpatizantes judeus, ele manda a Jesus uma mensagem extraordinária: “Senhor eu não sou digno de que entres debaixo do meu teto, mas dize uma palavra e meu servo será curado”.  Tamanha grandeza provocou fatos notáveis. Com efeito, Jesus diante disto fez um milagre à distância, dado que o doente ficou curado, e exaltou aquele centurião dizendo à multidão que o seguia: “Eu vos digo que em Israel não encontrei tanta fé”.  Aquele centuriaão incircunciso tocou o coração do Mestre divino em cuja palavra e autoridade acreditava.  À fé e humildade deste soldado se acrescente o seu amor aos judeus e a seu escravo. Jesus levou tudo isto em consideração. O discípulo de Jesus ao fazer suas preces necessita destas virtudes daquele centurião que demonstrou também uma confiança absoluta em Cristo, ao dizer que bastaria uma palavra dele para que se desse a desejada cura.  Deus espera sempre uma certeza total da parte de que faz a Ele suas preces.  Estas então se tornam capazes de alcançar muito mais além dos desejos do suplicante.   É de se notar que, quando aquele soldado pagão se dizia indigno, foi quando ele se mostrou digno de que Jesus entrasse não na sua casa, mas no seu coração.  Jesus, em outro dia, entraria na casa de um fariseu chamado Simão (Lc 7,36), mas este, orgulhoso que era, mereceu uma reprimenda e uma lição de humildade. Jesus não entraria no seu coração como entrou no coração do centurião que era pagão.  O cristão nunca pode se esquecer de ter fé, aliada à humildade e sustentada por uma grande confiança. Note-se além do mais que o pedido do centurião foi discreto, eivado de caridade para com seu servo e feito com muita diplomacia, finura de trato, pois, inclusive ele achou conveniente de não ir pessoalmente até Jesus, dadas as circunstâncias. Alcançou o milagre por meio de seus intermediários. Muitas vezes Deus quer que nos dirijamos a Ele através daqueles que se tornaram  seus leais servidores, ou seja, anjos e santos nossos protetores e, sobretudo, Maria sua mãe, Rainha da misericórdia.  Foi assim que Ele agiu, por exemplo, também em Caná da Galileia. A tudo isto se acrescente que nas Missas, antes da Comunhão, o celebrante e os fiéis repetem as palavras do centurião: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”. Pecadores arrependidos, perdoados através do Sacramento da Confissão, podem então ter a ventura de receber Jesus Eucarístico. Neste momento as faltas veniais também ficam perdoadas com este gesto de fé e humildade. É que mesmo os que se acham em estado de graça são pecadores, pois só Deus é perfeito e santo.  Diz São João: “Se dissermos que não temos pecado algum, enganamo-nos a nós próprios e a verdade não está em nós”. Acrescenta este Apóstolo que Jesus “é tão fiel e justo que nos perdoa os pecdos e nos purifica de toda iniquidade” (1 Jo 1, 8-9). Seria um horrível sacrilégio, porém, receber a Eucaristia em pecado mortal, profanando este Sacramento do Amor de Cristo. As faltas veniais não levam à perda da graça santifiante.  A atitude do centurião deve levar a todos a bem se prepararem para a Comunhão, evitando ao máximo os pecados leves para usufruírem ao máximo da visita do Mestre Divino. Que todos tenhamos sempre a mesma fé, humildade e confiança do soldado  de Cafarnaum e todas as graças salvíficas nos envolverão. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.                


sexta-feira, 20 de maio de 2016

A inquietude do brsileiro

A INQUIETUDE DO BRASILEIRO
                                                           Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho, da Academia Mineira de Letras
A inquietude que se apossa do cidadão brasileiro tem uma raiz ontológica profunda. Com efeito, reina o primado das coisas materiais sobre a pessoa humana. A corrupção que se instalou endemicamente nos meios governamentais, de forma irretorquível,
patenteia a divinização da riqueza e o desprezo para com a dignidade do ser humano. Este se vê imerso numa sociedade na qual prevalece o interesse pessoal de alguns em detrimento da maioria.  Os meios mais condenáveis são empregados para o proveito de  poucos, enquanto a grande parte da população  jaz na miséria, sufocada numa estrutura econômica desumana. Isto não apenas por causa dos desvios de somas fabulosas e processos condenáveis que afundaram o Brasil numa calamidade nunca vista em sua história, mas também pela incompetência de governantes que se agarraram ao poder e não reconhecem sua incapacidade gerencial.
Diante deste quadro lamentável, resoluções decisivas se fizeram necessárias e medidas foram adotadas democraticamente. O termo golpe então foi cunhado  por forças das tensões dos que olham a própria vantagem e não o bem da República. A vida dos brasileiros está, de fato, a exigir medidas imediatas operadas por um corpo técnico competente. São necessários programas  que tenham como ponto de partida a ideia da justiça que impede as deformações que tantos males causam ao cidadão de hoje. É preciso varrer definitivamente  as forças negativas que tendem a predominar sobre  a autêntica justiça A ânsia de se apossar dos bens que a todos pertencem gera a corrupção com todas as suas consequências funestas. A corrupção aniquila a sociedade. Entretanto, os que lutam pela justiça no Brasil necessitam mentalizar que  é preciso recorrer às forças bem mais profundas da grandeza humana que condicionam a própria ordem justa. Trata-se  do verdadeiro humanismo alicerçado no amor social que plasma a vida humana nas suas várias dimensões. Uma cultura moral cumpre seja implementada a qual impedirá, por causa do bem comum, que se extirpe da vida política o verbo furtar, para que a própria justiça não seja obrigada a exigir a devolução aos cofres públicos das verbas astronômicas que foram desviadas. O permissivíssimo ético atinge, sobretudo, o setor mais sensível da sociedade e torna insuportável  a convivência humana. Aí está a razão dos mais bárbaros crimes que se cometem por toda parte neste país. . É o fenômeno  terrível da desumanização. Com “ordem e progresso”, lema sagrado da bandeira nacional, os verdadeiros patriotas hão de colocar o país nos rumos certos e a inquietude reinante desaparecerá e tempos melhores virão. Não se dará mais a crise da verdade nas relações dos brasileiros entre si e a responsabilidade imperará. Teremos  sempre  políticos  que não terão  uma visão puramente utilitária pessoal daquilo que pertence a todos.



quarta-feira, 18 de maio de 2016

DEUS UNO E TRINO

DEUS UNO E TRINO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Várias vezes Jesus doutrinou sobre o mistério da Santíssima Trindade. No Evangelho desta solenidade, depois de garantir aos Apóstolos que o Espírito da verdade os guiaria por toda a verdade, Ele diz claramente: “Tudo que o Pai tem é meu, por isso eu disse que ele (o Espírito Santo) receberá do que é meu, para vo-lo anunciar” (Jo 16, 12-15). É evidente que a inteligência humana, finita, limitada, não pode abarcar o mistério íntimo de Deus, mistério de reciprocidade, de luz divina. Desde toda a eternidade o Pai se conhece e este conhecimento é o Verbo eterno de Deus, o Filho, segunda pessoa da Santíssima Trindade.  O Pai ama o Filho, o Filho ama o Pai e este amor é também eterno, a Terceira Pessoa desta Trindade infinita. Assim sendo, o Espírito Santo procede do Pai e do Filho. Ai está este mistério de amor que é anterior ao mundo e aos homens. As três pessoas têm a mesma essência em uma harmonia e identidades perfeitas. Três Centros de Consciência, três Modos de existir, três Hipóstases ontologicamente relacionadas e não apenas em plano meramente dinâmico e relacional. Tríade divinal que patenteia o Pai, o Filho e o Espírito Santo eternamente unidos no mesmo nome - Deus, no idêntico poderio e  na mesma glória, numa inefável reciprocidade de conhecimento e afeição profunda. Trata-se de um mistério de amor, um circuito de dileção infindável. Diante das dimensões divinas do Deus Uno e Trino o ser racional faz um ato de fé e adora o Pai através do Filho na unidade do Espírito Santo. Penetra assim nas profundezes do Ser Supremo e se enche de esperança porque este Deus, que é amor, o ama e é seu destino após a trajetória terrena.  Saímos de Deus e um dia, a Ele voltaremos. Esta foi a grande revelação de Cristo. Aí está o núcleo mesmo da religião. Eis porque a Trindade é o dogma central de nossa vida. É nossa beatitude que está em jogo quando professamos o mistério trinitário. Sem este a religiosidade se desarraiga e perde sua profundidade e sua força salutífera. Este dogma deve polarizar a vida do cristão e o colocar numa ascensão contínua para não perder o rumo que o levará para junto da Trindade Santa. Trata-se viver nesta terra a experiência filial todos os dias, guardando o coração aberto ao mistério de um Deus que é maior do que tudo e quer dar a todos a vida em abundância. Deste modo, se percebe que também o mistério da Santíssima Trindade não é algo misterioso, obscuro, uma nuvem, mas, sim, um brilho tão intenso que o ser humano não pode captar inteiramente. É preciso, isto sim, se deixar prender pelo amor trinitário que vibra no interior de Deus com reflexos sublimes na existência de quem crê e vive esta verdade. É que o amor eterno de Deus se difunde nos corações pelo Espírito Santo que nos é dado. Pelo Filho o homem tem acesso ao mundo da graça e a certeza de ter parte na glória divina. Somos filhos adotivos unidos ao Filho único e imersos no amor que é o Espírito Santo. Apenas este Espírito de amor pode conduzir os homens para uma vida plena. Toda tragédia humana se cifra no fato de não se deixar envolver por este Espírito de amor recebido de Deus, não somente nas relações com o próximo, no grêmio das famílias e das comunidades, mas também nas realidades políticas, econômicas e sociais deste mundo. Para isto cada cristão precisa viver em função do mistério trinitário, pois tem Deus dentro de si mesmo, segundo as palavras de Jesus: “Se alguém me ama, meu Pai o amará, viremos a ele e faremos nele nossa morada”. Desta maneira é que cada um se torna o profeta do amor divino. Não serão nunca os tecnocratas, os políticos que oferecerão a paz e a felicidade ao mundo. As situações dramáticas na qual vivem milhões de seres humanos não devem ser para nós simples notícias das quais nos informamos com curiosidade e até com muita tristeza, mas devem levar a que cada um de nós a acender neste mundo o fogo do amor de Deus que está dentre de si. O bem é de si difusivo e se cremos em Deus Uno e Trino temos o mundo nas mãos. O cristão tem o poder da prece para que o Espírito de Deus inunde o universo. Então se compreende a determinação de Cristo: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito”, o que vai se tornando possível sob o influxo do Espírito Santo. Deste modo, Deus será, de fato,  tudo em todos. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

terça-feira, 10 de maio de 2016

A IMAGEM DE SANTA RITA E A GUERRA DO PARAGUAI

A IMAGEM DE SANTA RITA E A GUERRA DO PARAGUAI
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Viçosa, cidade famosíssima, exemplo de patriotismo e fé tem a imagem de sua Padroeira, Santa Rita de Cássia, ligada à Guerra do Paraguai.. Desta urbe já havia ressoado o grito abolicionista a favor da libertação dos escravos. Destes sítios maravilhosos partiram também  valentes soldados para a Guerra do Paraguai. De fato, invocada Santa Rita, sob as bênçãos do Pároco Pe. Manuel Felipe Nery,  daqui saíram viçosenses na companhia de Francisco de Paula Galvão. Autoridades civis e pessoas gradas se fizeram presentes à partida dos aguerridos soldados com palavras de estímulo e aplauso. Francisco de Paula Galvão, pacífico mestre-escola, foi logo incorporado como Tenente ao 17º Batalhão de Voluntários da Pátria. Na épica Retirada da Laguna, Galvão se fez figura singular. A batalha de Nhandipá, a 11 de maio de 1867, por sua conduta heroica, lhe consagrou os méritos. Títulos e honrarias proclamaram seu valor e foi feito Cavalheiro da Ordem da Rosa e Cavalheiro da Ordem de Cristo, em 1867. Este militar ilustre, abençoado por  Santa Rita de Cássia, foi sempre um soldado a serviço da pátria e repleto de merecimentos, pois passando a servir no 5º Batalhão de Guardas Nacionais, em Paconé, foi louvado pela subordinação, inteligência e zelo que revelou e por haver cooperado em manter a disciplina e apagar a discórdia que ameaçava este batalhão. Símbolo do patriotismo da cidade de onde partira, pelo Decreto de 2 de março de 1870 foi nomeado Capitão Honorário do Exército brasileiro. Entretanto, os  rapazes que partiram de Viçosa na sua companhia para defender o Brasil na mencionada Guerra do Paraguai  foram realmente protegidos por Santa Rita. Segundo o relato de Luz Lopes Gomes, Lulinha, fabricante  inclusive de macarrão em Viçosa, que introduzira  também aqui a primeira padaria, entre os que foram com o tenente Galvão  estava seu pai José Lopes de Faria Jacob e Serafim Sant’Anna.  Nesta ocasião, Maria das Dores, Dona Nhanhana, esposa do Capitão José Maria Sant’Anna, fez uma promessa de que, se voltassem todos vivos da guerra, ela iria mandar  buscar na Corte (Rio de Janeiro), a mais bonita imagem de Santa Rita. Esta pertencia à família Sant’Anna que a doou posteriormente para a Igreja Matriz. Esta imagem, segundo, Luz Lopes Gomes, custou na época  36 mil réis e levou 4 meses para chegar do Rio de Janeiro até Viçosa. É de notar que no século XIX notável a  presença de grandes artistas  no Rio de Janeiro. Tal circunstância deveu-se à intenção da própria  Coroa portuguesa em trazer cultura para a região, na ocasião, recém-ocupada  pela nobreza. Artistas verdadeiramente habilidosos. Foi um deles que fez a Imagem de Santa Rita, venerada em Viçosa desde os idos de 1870. * Da Academia Mineira de Letras.

segunda-feira, 2 de maio de 2016

INAUGURAÇÃO DA SALVAÇÃO HUMANA

INAUGURAÇÃO DA SALVAÇÃO HUMANA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Como homem e cabeça do Corpo Místico dos que creem, ao ir de Corpo e Alma para o céu no dia de sua Ascensão, Jesus inaugura oficialmente a salvação humana. Trata-se do acabamento de uma obra admirável a favor daqueles que Ele veio redimir. Momento sublime no qual nossa pobre humanidade vai para o mais alto do céu. Na Carta aos Colossenses São Paulo mostra que Ele é “o primogênito dentre os mortos” e que “foi do agrado  do Pai que nele residisse toda plenitude” (Col 1, 18-19). Eis aí a essência do mistério da Ascensão (Lc 24,46-53). A oração desta solenidade mostra que este acontecimento é já nossa própria vitória, pois é a humanidade que é introduzida na glória da Trindade e temos então um intercessor junto do Pai. É o que, aliás, diz a Carta aos Hebreus: “Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, cópia do verdadeiro, mas no próprio céu, para conservar-se agora em vista da presença de Deus em nosso favor” (Hb 9,24). Ele partindo para o céu, mostra o homem partilhando da vida trinitária, tendo Ele aberto a porta para todos os que, por Ele, deparam a comunhão com o Pai. Ele veio a este mundo, fez-se homem semelhante a nós e retornou glorificando definitivamente a humanidade que  assumira. Ressuscitado, seu corpo glorioso não estava mais sujeito à corrupção. Ele já havia passado a uma outra dimensão da realidade terrena e a morte e as degradações inerentes à matéria não mais o atingiriam. Eis porque a Ascensão vem lembrar que não é  no mundo material que se pode encontrar Jesus. A Ascensão dele  aos céus, como bem se expressou o Pe. Armand Veilleux, “foi uma passagem do tempo  à eternidade, do visível ao invisível, da imanência à transcendência, da opacidade de nosso mundo à luz divina”. Sua presença se insere, assim, na ordem da fé e daí o motivo pelo qual Ele enviaria o Espírito Santo que nos faz penetrar  profundamente nesta esfera espiritual. Assim sendo, a ida de Jesus para junto do Pai não significou uma separação dele com relação a seus seguidores e a sua Igreja. Ele continua sempre presente no coração dos fiéis. Além disto, Ele na Eucaristia é contemporâneo de todas as gerações cristãs e seu seguidor o contempla sempre na figura do próximo.  Os Apóstolos, segundo São Lucas,  enquanto Jesus ia se elevando para os céus, o adoraram e, depois, voltaram para Jerusalém. A festa da Ascensão se, realmente, lança nossos pensamentos e nosso coração para o Alto, lembra-nos também que é preciso retornar às ocupações habituais, preparando-se cada um para um dia estar junto do Mestre divino na sua glória. O cristão não vive nas nuvens para estar com Jesus, mas o reencontra nos acontecimentos cotidianos, no contexto pessoal e coletivo, nas provações, nas dificuldades, como também nas alegrias e na esperança. Eis porque o cristão  jamais se torna cúmplice das misérias das paixões desordenadas e de tudo que signifique sua ruptura com Aquele que o aguarda além túmulo. Um dia Ele voltará e, até lá, é o tempo da conversão, de uma contínua ascensão na prática do bem.  As incoerências, as contradições naturais a um exílio terreno, as feridas na luta contra o  mal fazem parte de uma preparação para a felicidade sem fim e sem ocaso que Jesus nos prepara na Casa do Pai. O paradoxo de nossa fé reside no fato de que por Cristo, o Verbo de Deus, a cruz que cada um deve carregar não é um ponto final, como não foi para Jesus sua morte no Calvário.  A cruz se tornou para Ele uma passagem, uma Páscoa que resultou na sua Ressurreição a qual Lhe abriu o caminho para sua Ascensão. Ele traçou um itinerário para seus seguidores e os convida a seguir o mesmo dinamismo que Ele, a nos libertar do que São Paulo chamou de “velho homem” para se tornar assim nele e por Ele homens novos à sua imagem.   O mistério da Ascensão de Jesus com todas estas consequências não se impõe, mas leva o cristão a crer e a esperar. Ele não está  visível a seus discípulos, mas os engaja em outro plano, a saber o da total confiança nele. Sua Ascensão nos introduz  assim  na ação dinâmica que nos responsabiliza e nos faz crescer e enraizar nossa vida numa fé profunda nele em quem podemos confiar. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.