A MISERICÓRDIA DIVINA
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
O Papa João Paulo
II, em trinta de abril do ano 2000, proclamou
o II Domingo da Páscoa como "Domingo da
Divina Misericórdia.
Uma verdade que nem sempre é bem analisada é sobre a misericórdia
divina. Surge uma questão que é mal posta: mereço ou não a clemência de Deus?
Nunca se merece a misericórdia do Ser Supremo, porque ela é dada por acréscimo
por um ato generoso da parte daquele que é o Senhor de tudo. Trata-se de um
fato divino que ultrapassa a inteligência humana. Com efeito, o ponto
culminante da comiseração do Pai foi a Paixão e Morte do Filho Unigênito,
objeto de todas as suas complacências, e isto para a redenção da humanidade.
São João admirado proclamou: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que
lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a
vida eterna” (Jo 3,16). Portanto, quem crê em Jesus Cristo já está
envolto na misericórdia do Pai, a não ser que, peremptoriamente, a recuse. Se o
Todo-Poderoso agisse no plano da estrita e pura justiça a humanidade estaria
perdida. Cumpre, porém, àquele que tem fé se imergir no oceano da bondade do
Deus misericordioso, não colocando empecilho à ação de suas graças
superabundantes. Daí uma confiança sem limites nele. O salmista assim se
expressou: “Clemente e misericordioso é o Senhor, tardo para a ira e sumamente
benévolo. Bom é o Senhor para todos, e a sua misericórdia estende-se sobre
todas as criaturas” (Sl 144, 8-9). Nas parábolas contadas por Jesus deparamos quão
grande é, realmente, a clemência de Deus.
Ele se manifesta como o Pastor que muito ama suas ovelhas e se interessa
pelas que se extraviam (Lc 15,4-7). Todo filho pródigo que volta para a casa
paterna é recebido com festas (Lc 15,2-32).
Se o pecador é uma dracma perdida Ele sai a sua procura (Lc 15, 8-10).
Trata-se de um cuidado providente e perseverante que não abandona quem se
extravia de seu destino eterno e isto com uma solicitude sem igual. Na sua
passagem por este mundo Cristo demonstrou inúmeras vezes esta comiseração. Ele
perdoou os muitos pecados de Maria
Madalena, a presunção de Pedro, anistiou a mulher adúltera, canonizou Dimas, o
bom ladrão. Jesus opõe à miséria radical do homem a ternura radical de seu
coração. Olha-o na sua bondosa humanidade. Ele abrasou em fé e amor a
Samaritana, junto do poço. Os fariseus espantavam-se e murmuravam por ver Cristo junto aos
publicanos, pecadores, gente desencaminhada. É que Ele viera ao mundo
enviado pela misericórdia do Pai, Deus que perdoa, Deus que recebe no seu
seio, todos os que choram, sofrem e
padecem por seus desvios. É que Deus é a sede eminente e superabundante de toda bondade. Que doçura, que consolo, que arrebatamento de
amor deve produzir nas almas o pensamento da misericórdia de Deus! Uma lágrima
sincera de arrependimento e o indulto total!
Muitos pecados, mais perdões possui Cristo no seu coração, desde que
haja firme propósito de emenda. A misericórdia só não pode descer sobre a
soberba, a obstinação, a empáfia, a rebeldia. É que a confiança em Deus não pode ser brincadeira nem cálculo. Jesus sempre
dizia a quem ele perdoava: “Vai e não peques mais”. À infinita misericórdia de
Deus se deve corresponder com generosidade, com perseverança no bem, com
sinceridade absoluta. Quando, de fato, a
alma sofre por se ter desviado de Deus, e o seu sofrimento se exprime em
confissões humildes e dolorosas, não se pode duvidar do perdão, pois isto seria injurioso para Deus, mas Este
exige uma contrição leal. Na História
da Igreja entre tantos remidos pela clemência divina lembremo-nos, por exemplo, de um Santo
Agostinho, de uma Santa Margarida de Cortona, cuja conversão foi radical. Jesus
fez de sua Mãe, Maria Santíssima o Refúgio dos pecadores, os quais com sua
intercessão materna se levantam do abismo, saem do sepulcro dos vícios, volvem
seus passos para a casa paterna com o coração contrito e humilhado como o de
Davi. Ela derrama o bálsamo de paz e de perdão de seu divino Filho sobre tantos
que se emendam de seus crimes. Todas estas reflexões levam ao verdadeiro motivo
da confiança na misericórdia divina, porque Deus pode salvar dado que é todo
poderoso; Deus quer salvar uma vez que é Pai infinitamente bom; Deus salva
porque deixa-se vencer pelo arrependimento confiante e está sempre oferecendo
oportunidade a todos os pecadores para que se convertam e se salvem. Com São
Tomé repitamos sempre confiadamente: “Meu Senhor e meu Deus”! Continuemos a
viver ainda mais intensamente este Ano da Misericórdia instituído pelo Papa
Francisco.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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