PERDÃO
DO DEUS MISERICORDIOSO
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Escribas
e fariseus várias vezes armaram ciladas, visando comprometer o Mestre divino.
Este com perspicácia refutou sempre o dilema de seus adversários. Uma destas
armadilhas foi quando trouxeram a Jesus uma mulher surpreendida em adultério
(Jo 8,1-11). Capciosa a pergunta que fizeram então: “Mestre, na Lei Moisés nos
mandou lapidar tais mulheres. Tu que dizes”? O estratagema estava bem montado. Se
Jesus respondesse: “Deixem-na ir”, seus inimigos poderiam retorquir: “Tu
contradizes a Lei de Moisés”. Se, porém, concordasse com a lapidação à qual
seguiria a morte daquela pecadora, Ele estaria indo contra a autoridade romana
que reservava para si todas as execuções capitais. A resposta desejada não
veio. Cristo, entretanto, inclinando-se escrevia no chão com o dedo sem olhar a
ninguém como que absorvido em seus pensamentos. Através dos tempos inúmeras as
suposições sobre o que estaria escrevendo o famoso Rabi da Galileia. Isto,
contudo, não importa uma vez que os evangelistas nada registraram a respeito.
Os fariseus ficaram agitados, nervosos, e persistiam em interrogá-lo. Pedagogo
divino, sabiamente, Jesus lança sua sentença: “Quem de vós estiver sem pecado,
lançe-lhe a primeira pedra”. Solução maravilhosa, surpreendente. Agora eram os
escribas e fariseus que estavam sem saída. Com efeito, segundo o Deuteronômio
ao ser pronunciada a sentença de morte a Lei ordenava: “A mão das testemunhas
será a primeira sobre o acusado para o fazer morrer e a mão de todo povo em
seguida”. (Deut 17, 5-7). Ao mesmo tempo, porém, Jesus coloca seus inimigos na
sua própria condição de pecadores. Eles só poderiam punir se eles mesmos fossem
isentos de pecado. Cristo, então, de novo começou a escrever no chão. Um após
outro os acusadores se retiraram a começar pelos mais velhos. Conforme observou
o frade Jean-Christian Lévêque. “provavelmente os menos inocentes ou os mais
lúcidos no que tange o coração humano”.
O certo é que se retiraram. Cena admirável ocorreu: lá estavam somente a
mulher e Jesus, a miséria e a misericórdia, a desgraça e a comiseração, o
pecado e o perdão. Diálogo sublime se dá, pois Jesus pergunta à pecadora:
“Mulher, ninguém te condenou?” Rápida e incisa a resposta, sem circunlóquios:
“Ninguém, Senhor”. Como deve neste ano da misericórdia ressoar em cada coração
a sentença final de Cristo: “Nem eu te condenarei; vai e doravante não tornes a
pecar”! Deus é Pai anistia todas as vezes que há um arrependimento sincero.
Este deve necessariamente incluir a disposição firme de não cometer os mesmos
pecados, fugindo de todas as ocasiões que levam aos mesmos. Renúncia corajosa
às paixões desordenadas e fidelidade destemida para não recair nas mesmas
faltas nas mesmas circunstâncias. Não se pode abusar da bondade divina. A Deus
ninguém pode enganar. O arrependimento não torna o ser humano impecável, mas
exige que se evite tudo que possa levar a ofender ao Ser Supremo. Programas
imorais da internet devem ser abolidos; relações pecaminosas, apagadas;
maledicências, delidas; injustiças, reparadas; injúrias, perdoadas. Jesus que
anistia o pecador quer ver o que este pode fazer para mudar sinceramente de
vida. Cumpre olhar a Cruz de Jesus e não ser um paralítico espiritual. Crer na
misericórdia de Deus, lutando, contudo contra as ocasiões de pecado. Nada,
todavia, de se condenar a si mesmo, correndo o risco de não alcançar os efeitos
da bondade do Senhor Onipotente. Este perdoará todas as vezes que houver uma
recaída no mal, mas estará continuamente a alertar: “Não tornes mais a pecar”!
Apenas assim raiará a “esperança de Deus” com relação ao futuro de cada um.
Deus, entretanto, quer perceber a capacidade
de transformação da própria vida do cristão. Ninguém está perdido para
Ele, desde que haja sinceridade e disposição para triunfar das ciladas do
demônio. Até o último minuto de vida o Criador crê na capacidade de conversão
daquele que erra. Compreende a condição humana, a fragilidade inata à natureza
pecadora. O sacramento da confissão abre sem cessar a porta da liberalidade
divina que exige, porém, o corte daquilo que leva a novamente ao pecado. Deus,
porém, perdoará sempre ao que erra, quantas vezes for necessário este perdão,
mas estará sempre dizendo: “Vai, não tornes mais a pecar” *Professor no Seminário de
Mariana durante 40 anos.
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