O PAI E O FILHO PRÓDIGO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na parábola do Filho Pródigo, a qual poderia também ser chamada parábola dos Dois Irmãos ou mesmo da Misericórdia Paterna, é de se notar, inicialmente, que a postura dos filhos gira em torno da herança. O mais novo pensa em mudar de vida e precisa de dinheiro para se entregar a uma aventura longe de onde mora. O mais velho por certo pensou no seu íntimo que, se o irmão voltasse e o pai estivesse vivo, ele teria direito na partilha após a morte do pai. Deste modo, a relação de ambos com o Pai não tinha como prioridade o amor, a ternura, a afeição, mas tão só a riqueza que ele possuía. Isto explica bem a reação do filho mais velho quando o irmão, que tudo perdera numa vida dissoluta, retorna à casa paterna. Portanto, esta parábola está centrada na figura do Pai. Jesus se dirige a dois grupos de ouvintes: os publicanos e os pecadores de um lado e os fariseus de outro. Estes confiavam nos seus próprios méritos. Entretanto os dois grupos são convidados a se voltarem para Deus, a se reconhecerem pecadores, pobres, dependentes do amor do Ser Supremo, sob pena de não se salvarem. Contando apenas com suas forças e suas qualidades não chegariam à vida eterna. Apenas Deus, Pai amoroso pode salvar. O filho mais novo dilapida a herança recebida e se afunda na ignomínia. Cai, entretanto, em si e há o retorno à casa paterna. É acolhido com imensa alegria, sem recriminações, sem uma recepção humilhante. Ao contrário, foram-lhe dado um vestido novo, anel e sandálias, sinais de suas prerrogativas anteriores que lhe eram restituídas. Há até o sacrifício de um novilho gordo em sinal da comunhão reencontrada e solenemente celebrada. A parábola é bem mais concisa no que tange ao filho mais velho. Entretanto, seu caso parece muito mais grave que o do seu irmão insensato. Este foi irrefletido, ingrato, mais tolo do que perverso. Ele planejou mal o que iria fazer com a herança, foi impensado. No fundo, contudo, não era inteiramente mau. Sua desgraça o fez logo pensar no Pai que ele abandonara. Preparou até um discurso de volta, o reconhecimento de sua estultice: “Pai, eu pequei contra o céu e contra ti”. O sofrimento lhe havia aberto o coração e ele percebeu seu erro, seu egoísmo, sua ingratidão e sua falta de clarividência, de discernimento. Seu irmão mais velho tivera uma postura diferente: nunca deixara seu Pai e estava sempre a seu serviço, mas com uma mentalidade de empregado, não de filho. Achava-se presente fisicamente e se tornara na verdade um estrangeiro. Não demonstra nenhum sentimento de afeto para com seu progenitor, a quem dirige pesadas invectivas. Foi mesmo veemente: “Há já anos que estou ao teu serviço sem jamais transgredir uma ordem tua, e tu nunca me deste sequer um cabrito para eu festejar com os meus amigos”! Foi até ousado: “Mas logo que chegou esse teu outro filho, que consumiu os teus bens com as meretrizes, mataste para ele o vitelo gordo”. Atitude audaciosa e nada de afeto para com seu pai. Ele, de fato, se considerava um criado e até detesta seu irmão. Este, contudo, experimentou o arrependimento, ao passo que o irmão mais velho destilava ressentimento para com seu benfeitor e ira para com seu irmão. Possuía um coração amargo. Cumpre que cada um se examine sobre qual tem sido o seu posicionamento perante Deus. Por vezes, quem sabe, infiel a seu amor, mas susceptível de um sincero arrependimento e retorno à misericórdia paterna. Será, porém, que se tem sido por demais intransigente, invejoso, incapaz de abertura e perdão para com os outros? É este comportamento aberrante que afasta de Deus e torna impossível a reconciliação com Ele. Quaresma é tempo de penitência, de arrependimento, de uma ótima confissão, de reintegração total na casa do Pai. Uma condição, contudo, é necessária, ou seja, a reconciliação com o próximo, o respeito para com os mais idosos, a clemência para com os que erram, o perdão cordial. Esta parábola revela em todos os seus aspectos o amor de Deus para com todos, um amor que se funda e se enraíza na dileção eterna entre Jesus e seu próprio Pai. Cristo é filho por natureza do Pai e partilha tudo com Ele. Ao se encarnar, porém, Ele nos torna filhos por adoção, para nos revelar que, como Ele, nós recebemos a plenitude do amor do Pai celeste. Jesus quer que todos tenham sempre o arrependimento do filho mais novo, mas que a estreiteza de espírito, a rudeza do coração do mais velho estejam sempre afastadas. Então o Pai que está nos céus poderá dizer a cada um: “Tudo que é meu é teu”, porque um ânimo cheio de amor a Ele e aos outros partilha infalivelmente de todos os bens de seus tesouros infinitos. Isto se dá pela graça santificante que torna o cristão participante da própria natureza divina. Grande realidade, tremenda responsabilidade as daquele que é um verdadeiro cristão. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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