segunda-feira, 11 de março de 2013

A MISERICÓRDIA DE JESUS

                  A MISERICÓRDIA DE JESUS
                              Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O texto do Evangelho de São João sobre a mulher adúltera apresenta uma série de enigmas que mesmo os exegetas mais sábios não são capazes de decifrar (Jo 8,1-11). Entretanto, a narração joanina está repleta de preciosas lições que cumpre sejam bem assimiladas. De plano a exposição é surpreendente: “Os escribas e os fariseus levam a Jesus uma mulher que havia sido surpreendida em adultério”. Aí surge a primeira questão, dado que estava escrito no Livro dos Levitas (20,10): “O homem que comete o adultério com a mulher de seu próximo deverá morrer, ele e sua cúmplice”. O mesmo se achava também  no Livro do Deuteronômio (22,22).  Pois bem, no caso em tela o homem não aparece e a mulher está sozinha carregando o peso  de seu erro.  Não se sabe o que teria acontecido, ou seja, como o comparsa teria escapado. É possível também que a mulher teria sido corajosa e, magnânima, não revelara quem era seu companheiro. Há também a hipótese de os escribas e os fariseus terem discretamente embaçado a situação numa atitude de conveniência masculina, deixando  o adúltero fora do caso. São João não esclareceu a estes detalhes. Seja como for, se trata de uma cena de julgamento e de duas atitudes diferentes diante do pecado, claramente denunciado como tal. De um lado escribas e fariseus e de outro Jesus. Os acusadores são impiedosos na sua lógica: “Esta mulher foi  apanhada  em flagrante delito de adultério. Ora, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres”. Entretanto, aquela pecadora era a imagem viva dos próprios escribas e fariseus, pois eles a condenam sem ver que eles são adúlteros, eles mesmos, segundo a palavra dos profetas. Com efeito, o motivo que os anima não era o cuidado com a glória de Deus, nem o respeito para com a Lei de Moisés. Eles queriam, como salienta São João, colocar Jesus à prova para O poderem acusar. A atitude de Jesus diante da mulher acusada e seus denunciantes é profundamente misteriosa.  Ele, inclinando-se escrevia no chão com o dedo. Eis aí outro enigma, pois não sabemos o que Ele estava escrevendo. Os exegetas desceram a inúmeras explicações, tentando decifrar a atitude do Mestre divino. Melhor se houve a Bíblia de Jerusalém  na nota a esta passagem: “O sentido deste gesto fica obscuro”. De fato, nada de perder tempo em conjecturas, uma vez que o Evangelista nada disse a respeito. São João, contudo, luminosamente registrou a límpida resposta de Jesus diante da insistência com que queriam que ele se pronunciasse sobre aquele fato: “Aquele dentre vós que estiver sem pecado lance-lhe por primeiro uma pedra”. Escribas e fariseus compreenderam imediatamente o recado e foram se retirando. A palavra do divino Redentor fora fulminante e lhes abriu os olhos. Antes de exigir a santidade dos outros é preciso que cada um procure reconhecer os seus pecados e deles se liberte com sincero arrependimento pessoal. Santo Agostinho magnificamente assim comentou o acontecimento: “Eles se retiraram, um após outro. Não ficou mais do que a miséria e a misericórdia”. Em seguida,  a sentença formidável de Jesus: “Nem eu te condenarei, vai e doravante não tornes a pecar”. O meigo Rabi abriu um horizonte esplendoroso de esperança, um espaço de liberdade deslumbrante. É que diante de Jesus, por Ele, com Ele e nele o futuro é sempre luminoso, o impossível aos olhos humanos se torna possível, porque diz o citado Santo Agostinho, “o Senhor condenou o pecado, não a pecadora”. Ele recusou fechá-la em seu pecado, no seu passado obscuro. As faltas são condenáveis, mas aos olhos misericordiosos de Cristo, a pessoa humana vale mais do que os atos que ela tenha cometido, ainda que sejam censuráveis. O ato errado está no passado, mas a conversão se abre para o futuro, um porvir de salvação, de redenção. Cristo acreditava que a pecadora podia se regenerar e não a condena. Alerta formidável para todo cristão. A graça santificante recebida no batismo e que, por fraqueza  humana, se perdeu com o pecado pode ser recuperada pelo sacramento da Confissão e uma vida nova pode ser retomada. Foi o que ocorreu com Saulo, o perseguidor dos cristãos, o qual a graça transformou em Paulo, o grande Apóstolo. Este pôde então escrever aos Filipenses: “Eu não julgo que já tenha alcançado a meta; mas a isto só eu viso: esquecido do que fica para traz e lançando-me para aquele que tenho na frente, continuo a minha corrida, olhar fixo na meta, rumo à palma, à qual Deus  lá no alto me chama em Jesus Cristo”. O progresso contínuo rumo à meta da santidade em Jesus Cristo deve ser o ideal dos cristãos sempre  intransigentes com o pecado, mas indulgentes com os que erram. Consciente cada um  de que, se há na vida pessoal algo no passado que o possa marcar, pela misericórdia de Jesus, pelo arrependimento, a libertação é sempre possível.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.



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