ENQUANTO SE AGUARDA O NOVO PAPA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Dentre as interrogações que vão surgindo nos jornais da Europa e de outros países, após a renúncia do Papa Bento XVI, algumas são aqui refletidas. A primeira indaga se isto foi um indicio de crise na Igreja. É lógico que se o termo em tela é entendido como estado de dúvidas e incertezas esta não foi a sinalização lançada pelo ato pontifício. Com efeito, quer sob o ponto de vista doutrinal e moral a Igreja jamais poderá ensinar nada que seja contrário à revelação contida na Bíblia, na qual se acha o Decálogo sagrado e irreformável. A questão seguinte é se a Igreja está em condições de apreender os desafios da aceleração da história, dado que o mundo se tornou uma aldeia global. Quem analisa com serenidade, por exemplo, os dois últimos pontificados, ou seja, o de João Paulo II e de Bento XVI, há de fazer justiça e ponderar que eles compreenderam os sinais dos tempos e se inseriram plenamente no mundo pós-moderno. A derrocada do comunismo teve muito a ver com as atitudes corajosas do papa polonês, que soube, além disto, explorar a bem do Evangelho todos os recursos modernos da comunicação e da facilidade de locomoção pelo mundo afora. O papa alemão, ele também, dotado de rara cultura humanística e teológica, teve sempre a seu favor sua clareza mental, além de sua capacidade de verbalização. Com um ar de autoridade serena, ele comandou o cenário público mundial do papado e administrou com sabedoria a gigantesca burocracia eclesiástica, mostrando-se um Pontífice atualizado, vivificando uma Igreja bem situada no século XXI, atendendo plenamente as necessidades atuais dos fiéis. Ambos souberam viver o contexto hodierno e falaram ao mundo pós-moderno como mestres e pastores. Eles consideraram o pontificado não como lugar da conquista e de exercícios inadequados do poder que seduz, desfigura e se distancia da condição de todos os fiéis, ovelhas do Senhor Jesus, mas como um serviço a exemplo de Cristo que veio para servir e não ser servido. Não só na Europa como também em outras partes do mundo muito se fala de uma maior participação dos leigos. Nunca como hoje os batizados, no exercício de sua participação no múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, exerceram tantas atividades nas mais diversas pastorais. Muitos comentaristas, inclusive certos teólogos, que jamais viveram a experiência no trabalho da grei do divino Mestre, não percebem como há um afã abençoado pelos Bispos e Párocos para que os cristãos, de acordo com seu carisma, se engajem nos diversos trabalhos de evangelização. Percebe-se uma mobilização geral pela catequese e pelas obras sociais. Quanto à renúncia em si do Papa Bento XVI ela se coloca no centro mesmo da credibilidade da fé e foi fruto de uma tertúlia íntima dele com Deus para saber qual seria a Sua vontade afim de não se iludir a si mesmo e aos outros. Percebeu então que, devido suas forças físicas, não estava mais em condições de enfrentar uma sociedade liberal, secularizada que está a exigir uma luta sem tréguas contra a perversidade do mundo, prosseguindo um labor incessante pela evangelização. Este é o perene desafio da Igreja, ou seja, manifestar a postura cristã que surgiu na história com Jesus de Nazaré. Isto no coração mesmo da pós-modernidade, não fora dela ou contra ela, sendo um motor de transformação do mundo. Para isto, entendeu Bento XVI, um novo Papa seria necessário para esta obra hercúlea, que exige respostas dinâmicas e pertinentes às quais sua saúde não lhe permitia inteiramente atender. Árdua a tarefa dos sucessores de Pedro, encontrar caminhos novos para a justiça, a liberdade e paz. Resistência ao reducionismo jurídico, científico e político ou tecnológico, tendo consciência de que a razão, iluminada pela fé, se enraíza no centro da personalidade humana na sua busca da Verdade e do Bem. O ser humano é capaz de chegar a uma concepção unificada e orgânica do saber a bem da humanidade. Seja qual for o novo Papa terá que assegurar a perenidade desta articulação entre a razão e a fé e o louvor a Deus. Deverá falar ao homem de hoje considerado na sua unidade e sua interioridade. Enfim, um Mestre contemplativo e dinâmico, sabedor que os códigos mundanos têm critérios que muitas vezes não estão de acordo com o Evangelho. O tempo da Igreja não é unidimensional porque ela lança suas raízes nos acontecimentos que ela, baseada na doutrina de seu Fundador, considera como atuais e projeta um futuro luminoso certa do destino divino da humanidade. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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