REFLEXÕES SOBRE O BATISMO DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A liturgia convida hoje a celebrar o Batismo de Jesus e uma tal festa poderia parecer aos mais desavisados estranha e sem sentido. De plano uma questão se levanta: “Cristo tinha necessidade de ser batizado? É claro que não, mas, então, porque Ele quis ser batizado por João Batista? O batismo do Precursor era um ritual de purificação por meio da água, objetivando reduzir a distância entre o homem e Deus. Oferecia uma passagem para uma vida unida ao Criador, dispondo a receber o seu perdão..Isto não era necessário para Jesus. No entanto, Cristo desejou este batismo, porque Ele quis se assemelhar aos pecadores e se mostrar um homem como os outros. O batismo que Ele instituiria seria no Espírito Santo e no fogo porque encheria os batizados de dons celestes e os purificaria da mancha do pecado original, outorgando-lhes a graça santificante. Jesus, contudo, foi ao batismo de João num gesto de humildade e para servir de exemplo aos que precisavam participar daquela cerimônia de penitência. Naquele instante Cristo santificava as águas e mais tarde promulgaria o sacramento da iniciação cristã. Após este episódio no Jordão teria início a vida pública do Redentor. É de se notar que nesta ocasião do batismo de Jesus se ouviu a voz do Pai: “Tu és o meu Filho amado, em ti eu me comprazo”. Mais tarde, porém, este mesmo Jesus pregado na Cruz, no final de sua trajetória redentora se sentiria inteiramente abandonado. O Pai que havia reconhecido oficialmente o Filho de suas predileções se mostraria inteiramente silencioso. Jesus na sua passagem para a morte exclamaria: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste”. Palavras inteiramente diferentes. No rio Jordão veio a mensagem do Pai para manifestar a identidade do Filho no princípio de sua missão salvífica. No Gólgota palavras são pronunciadas pelo Filho desamparado pelo Pai no final de uma obra redentora, quando haveria de morrer ignominiosamente para depois ressuscitar imortal e impassível. É entre estes dois momentos, entre estas duas realidades tão díspares que Jesus vai viver sua vida pública. Ele quis deixar claro qual é a trajetória dos seus discípulos, dos que receberiam o seu batismo. Caminho de alegria, mas também de tensão, de sofrimentos, de crise. Ao receber o batismo de João, Cristo aceita a caminhada que vai terminar no Calvário e só depois conhecerá o triunfo da ressurreição. Assim seria a vida de seu seguidor neste mundo o qual deveria viver integralmente o sacramento do Batismo. Ele estaria no mundo, não seria do mundo, mas teria que enfrentar dificuldades, violências e turbulências do espírito maligno. A complexidade da vida cristã deveria ser encarada com coragem, determinação, vivendo o cristão todas as contingências de um exílio terreno, mas sem se deixar contaminar pelo espírito do mundo. A missão de todos os batizados seria a do fermento na massa, a da luz nas trevas. Os primeiros batizados entenderam isto perfeitamente como se pode ver na Carta de Diogneto, escrita por volta do ano 120 depois de Cristo. Hoje no mundo pós-moderno é o mesmo que deve ocorrer. O referido documento mostra que “os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. [...] Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social. [...] Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os recém-nascidos. [...] Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. [...] São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo estão satisfeitos. [...] Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida. [...] Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está em todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo”. Eis aí a tarefa de quem foi batizado, devendo durante toda sua vida testemunhar a doutrina do Mestre divino, vivendo intensamente o seu batismo no qual ele morre para os vícios. Ressoam então as palavras de São Paulo: “Interessai-vos pelas coisas lá de cima, não pelas coisas terrenas, desde que vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus (Col 3,2). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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