O ÓBOLO DA VIÚVA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
No episódio do óbolo da viúva no Templo de Jerusalém, Jesus se mostrou, ainda uma vez um Mestre admirável ao elogiar o gesto de uma pobre mulher, mostrando que seu donativo de pequeno valor estava acima de todas as outras ofertas daqueles que depositaram vultosas quantias. Explicou então: “Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (Mc 12,44).. Não sabemos nada acerca desta mulher, nada sobre suas alegrias ou tristezas, nem das dificuldades para ajuntar as duas moedas. Sabemos somente que as viúvas da época de Jesus estavam entre as mais pobres do povo. Não tinham nenhum lugar garantido para morar, nem nenhuma fonte de renda. Estavam destinadas praticamente à mendicidade. Entretanto, o que nos deve prender a atenção não é tanto a diferença entre a doação de uma daquelas viúvas e a dos outros, mas o significado daquele dom. Ela estava completamente sem recursos materiais, mas deu tudo que ela tinha para viver. Jesus se serviu do acontecimento para ensinar a seus seguidores a não julgar apenas pelo exterior. O Pai do Céu vê o que está secreto no íntimo do coração. Isto basta. Esta lição interpela a todos os cristãos que vivem o contexto atual onde o aparecer é que predomina. Tudo que se faz deve cair no conhecimento de todos. A viúva do Evangelho, porém, é bem a imagem das pessoas muito simples que estão ao nosso lado sem que as vejamos. Na sua discrição passam despercebidas. Por isto, a caridade de muitos se transforma num espetáculo e os pequenos gestos de serviços são deixados de lado, a ajuda aos deserdados fica esquecida. O importante não é o quanto se doa, mas a intenção com que se oferta e a postura religiosa do ofertante. O governo que arrecada trilhões através dos impostos vive apresentando na mídia suas realizações mirabolantes, enquanto milhares de brasileiros continuam na miséria, carentes de uma boa assistência para a saúde, lhes faltando tantas vezes o mínimo para sobreviver. Para cada cristão Jesus está a lembrar que cumpre aprender a viver sob o olhar de Deus que vislumbra globalmente os mais necessitados e também o motivo de toda e qualquer assistência, a razão de ser da esmola que é dada. Cristo questiona o critério da generosidade, mesmo porque, de um modo geral, muitos políticos nunca tiram de suas posses, mas daquilo que advém dos cofres públicos. O gesto espontâneo e gratuito não deve ser coisa devida ou a exigir contra-partida. Deve provir da fonte nobre do amor e da solidariedade sincera. A pobre viúva ofertou o que tinha porque ela se doava a Deus, confiava em Deus a quem desejava honrar com aquela doação tão simples. Os que fazem ofertas com ostentação nada contam diante do Ser Supremo. Aliás, que vale uma esmola que não priva a pessoa de nada? No contexto histórico atual no qual impera a rentabilidade tudo isto merece ser refletido. É preciso que se combatam as visões egoísticas e interesseiras. Por força de vivermos num mundo onde tudo é contado, medido, calculado, contabilizado, se acaba, sem querer, a julgar as coisas em função do peso que dá a economia, em função da influência que o poder exerce. O critério é a quantidade e não a reta intenção e, por isto, a pessoa humana fica desvalorizada. As aparências, contudo, não impressionam a Deus, que olha o íntimo do coração. A qualidade do coração do que dá é que vele e não a quantidade e os motivos meramente humanos. Deus quer que assistamos o próximo não apenas com o supérfluo, mas, sobretudo, com aquilo que é fruto de sacrifício, de privação voluntária do que é inútil na vida de cada um. É preciso, portanto, isto sim, investir tendo em vista o Reino de Deus, o amor ao semelhante e a paz social. Jesus veio mudar as idéias habituais sobre o dom, sobre a riqueza e a pobreza. Alguém pode ter muitos bens e ser pobre de coração ou alguém pode possuir pouco mais ter um coração rico. O que vale não os valores terrenos, o conforto, o dinheiro, nem mesmo o que não se tem, a própria fragilidade, mas a postura de desambição, de desapego de tudo, valorizando-se apenas aquilo que esteja imbuído de um sincero amor a Deus e ao próximo. Isto leva à imitação cabal do Filho de Deus que ocultou até de sua divindade, levado pela dileção imensa por toda a humanidade. Ele conhece o fundo dos corações e as intenções de tudo que se faz. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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