sábado, 29 de setembro de 2012

A TIRANIA DOS PODEROSOS



            A TIRANIA DOS PODEROSOS
                        Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
         Continua infelizmente o descaso de muitos setores públicos pelas camadas  mais pobres da sociedade, sobretudo, nas regiões mais carentes do Brasil. É inadmissível que muitos filhos de Deus sejam tratados com profundo descaso. Dois mil anos depois de Cristo, ainda impera a tirania de muitos que detêm o poder.
         Grave, por exemplo, é a situação dos que moram na região de Crateús no Estado do Ceará. Um dos males cruciais é a falta de água.  Seres humanos, animais e plantações estão sofrendo na região do semiárido nordestino, numa das maiores secas das últimas décadas.
         Bispos, padres, religiosas e coordenadores das pastorais da diocese de Crateús apresentaram uma série de medidas imediatas e continuam lutando junto  aos governos municipais, estaduais, federal, à Cagece, Conab, BNB e demais instituições, mostrando  deste modo que deve haver sempre uma mobilização lá onde o clamor dos marginalizados não é ouvido.
          soluções práticas e inadiáveis para o combate aos grandes males sociais.
          Não se pode ficar indiferente à privação transitória ou persistente do que é preciso para o justo e indispensável viver.
         A falta de água ou daquilo que é necessário à subsistência  são males horrípilos, que destroçam, como tumor maligno, as entranhas do organismo social, pragas assombrosas, epidemias terríveis, morféia medonha, que deformam e deslustram a face luzidia deste país e que ofusca o progresso atingido em tantas regiões.
Ora, os males  de uma sociedade curam-se como as feridas de um corpo, debelam-se, cortando-as em suas raízes. Célebre o axioma filosófico: sublata causa, tollitur effectus - tirada a causa, afasta-se o efeito.  Nisto, exatamente, está o valor, o primor, o prestígio da solidariedade. Ela, por sua própria índole, reage energicamente, abertamente, implacavelmente contra as causas que têm produzido qualquer desventura. Ela, como terapêutica divina, medica, sara, infalivelmente, o doloroso mal do pauperismo, pois suscita medidas salutares de combate à miséria sob a ação de um amor intenso.
            Como bem observou um dos líderes católicos da Imprensa no Brasil, “não fosse a ação dos Profetas de nossa Igreja, a coisa seria muito pior”. Cumpre, de fato, a cada um, no meio em que vive, estar atento às carências do próximo para o socorrer no que estiver ao próprio alcance.
         *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos. 

domingo, 23 de setembro de 2012

Consagração ao Coração de Jesus

            CONSAGRAÇÃO AO CORAÇÃO DE JESUS
            Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Entendida de maneira correta, preparada e vivida, a consagração pessoal ao Sagrado Coração de Jesus é um elemento útil, eficaz para a  própria santificação. Esta consagração é um meio  para cooperar ainda mais na  obra do Espírito Santo. É, realmente, um ato de dileção ao divino Redentor. Revela a intenção de viver inteiramente tudo que o Mestre divino ensinou e deseja de cada um. Auxilia, deste modo, o desenvolvimento espiritual e leva o seguidor de Cristo a ser mais fiel no cumprimento dos deveres de cada dia. Tudo é realizado por amor a Jesus e isto leva à prática das virtudes, pois, arraiga a fé, aumenta a esperança, intensifica a caridade, aumenta a humildade, dilata o espírito de renúncia aos prazeres mundanos contrários à vontade de Deus. Oferece, além dito, serenidade interior e leva a um apostolado esclarecido para atrair os outros para o caminho do bem. A consagração ao Coração de Jesus deve ser um ato sincero, uma oferta generosa que leve a uma dependência generosa de pensamento e vontade para com Jesus. Eis o ato de consagração de Santa Margarida Maria de Alacoque: “Eu (o seu nome), Vos dou e consagro, oh Sagrado Coração de Jesus Cristo, a minha vida, as minhas ações, penas e sofrimentos, para não querer mais servir-me de nenhuma parte do meu ser, senão para Vos honrar, amar e glorificar. É esta a minha vontade irrevogável: ser todo Vosso e tudo fazer por Vosso amor, renunciando de todo o meu coração a tudo quanto Vos possa desagradar. Tomo-Vos, pois, ó Sagrado Coração como protetor da minha existência, segurança da minha salvação, remédio da minha fragilidade e da minha inconstância, reparador de todas as imperfeições da minha vida e meu asilo seguro na hora da morte.Sede, ó Coração de bondade, a minha justificação diante de Deus, Vosso Pai, para que desvie de mim a Sua justa cólera.Ó Coração de amor, deposito toda a minha confiança em Vós, pois tudo temo de minha malícia e de minha fraqueza, mas tudo espero de Vossa bondade! Extingui em mim tudo o que possa desagradar-Vos ou que se oponha à Vossa vontade. Seja o Vosso puro amor tão profundamente impresso em meu coração, que jamais possa eu esquecer-Vos nem separar-me de Vós. Suplico-Vos que o meu nome seja escrito no Vosso Coração, pois quero fazer consistir toda a minha felicidade e toda a minha glória em viver e morrer como Vosso servo. Amém”  Lembra o Papa Pio XI  na Encíclica Miserentissimus Redemptor  “Entre as práticas de culto a serem prestados ao S. Coração, sobressai a piedosa consagração com que lhe oferecemos nós mesmos e todas as nossas, reconhecendo-as como recebidas da eterna caridade de Deus” ..Trata-se, de fato, de um ato  meritório de culto ao Filho de Deus numa submissão espontânea, livre e generosa aos desígnios de seu Coração amabilíssimo.É uma retribuição ao seu amor. Os sacrifícios e fadigas se tornam ainda mais suaves. Dá-se então uma transformação mística maravilhosa e uma mudança real progressiva de si mesmo, do seu próprio  ser em Cristo. É a lembrança viva de uma dependência de dileção e uniformidade de pensamento, de afetos e de vontades com o divino Redentor. É a concretização do desejo de pertencer a Ele na vida e na morte. Pela consagração Jesus se torna o Rei amado, o Senhor respeitado e o consagrado  sente ainda mais vivamente ser sua propriedade.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.



quinta-feira, 20 de setembro de 2012

ANÁLISE EQUIVOCADA DE UM PROBLEMA SÉRIO

ANÁLISE EQUIVOCADA DE UM PROBLEMA SÉRIO
O relatório da Secretaria Nacional de Direitos Humanos da Presidência da República sobre violência homofóbica no Brasil no ano passado tem suscitado comentários que mesclam verdades com conceitos que mascaram a essência ética do problema em si. O objetivo é, sem dúvida, louvável: “O Programa Brasil sem Homofobia busca contribuir para a construção de uma cultura de paz estimulando o respeito a todas as diferenças”. Nunca se lutará demais por uma sociedade na qual o amor pregado por Cristo no Cenáculo seja uma realidade faustosa. A consideração para com todos é  uma obrigação elementar do cristão e a ordem de Jesus foi clara: “Amai-vos uns aos outros” (Jo 13,14). O fato de se multiplicar entre familiares agressões a homosexuais já mostra uma questão de base, ou seja, a formação que devem ter aqueles que convivem sob o mesmo teto; O mesmo vale para todos os cidadãos. São Paulo assim se expressou: “A caridade é a plenitude da lei”  (Rm 13,10) e São João foi taxativo: “Quem ama seu irmão permanece na luz” (1 Jo 2,10). Só quando a família e toda sociedade conhecerem e reconhecerem as leis sagradas da justiça, do perdão, da tolerância, da cooperação, da ética cristã é que se atingirá uma situação mais luminosa e menos opressora. Este ideal a Igreja tem pregado incansavelmente inoculando uma cultura de compreensão. O tema da Campanha da Fraternidade de 1983 foi “Fraternidade, sim; violência, não”. A CNBB sempre esteve atenta a este mal da violência e alertou para suas conseqüências. Trata-se de revalorizar a vida e a dignidade da pessoa humana e de se implantar, como o desejou ardentemente o papa Paulo VI a “Civilização do amor”. Entretanto, no que tange à homossexualidade, se todo o respeito se deve ter para com o próximo, não se pode simplesmente atropelar os mandamentos divinos.  Para isto é mister perceber qual é o sentido profundo  e o valor exato da sexualidade. Deus preceituou que o homem deixaria o pai e a mãe e se uniria a sua mulher, formando uma só carne (Gên. 2,24) O sexo foi feito para o matrimônio e o matrimônio foi elevado à sua prístina dignidade por Jesus Cristo, como está claríssimo no Evangelho (Mt 5,32). Casamento é sempre entre um homem e uma mulher e falar em casamento entre pessoas do mesmo sexo é um absurdo. Casamento é um ato solene de união entre duas pessoas de sexos diferentes, capazes e habilitadas, com legitimação religiosa e civil.  As causas individuais da homossexualidade devem ser pesquisadas pelos psicólogos e pelos médicos. Não pode haver, porém, nunca, como foi dito acima, discriminação social e qualquer tipo de homofobia é condenável.  Nada de violência psicológica, como humilhações e ameaças. Seja abolida toda a discriminação, qualquer violência física. A observância, contudo, do sexto mandamento é para todo ser racional e uma orientação oportuna só levará a autêntica felicidade para qualquer ser humano. É preciso, porém, um diálogo que não conturbe o convívio social. Nem se pode esquecer que há nos meios de comunicação social uma verdadeira cultura da violência, inclusive nos programas infantis. Não apenas cenas de selvageria de todo tipo de crueldade, de maldade, de refinada perversidade, mas ainda é violência a imoralidade, a permissividade e o ataque virulento aos valores que engrandecem o ser racional, criado à imagem e semelhança de Deus. A exaltação do egoísmo, da sexualidade, da dissolução da família, a distorção de tudo que é puro, nobre, o distanciamento das leis morais são fontes do mal que arruínam a tantos e a todos deixa apavorados, perplexos, tensos. Tudo isto abre as portas para a homofobia. O amor é a vocação fundamental e inata no ser humano e deve ser vivido por seres racionais dentro do projeto de Deus. Jamais qualquer tipo de agressão se justifica Entretanto, mais do que nunca cumpre educar para a prática da virtude em todo sentido. Cumpre o domínio da concupiscência e não o império da irracionalidade. A castidade significa a integração perfeita da sexualidade na pessoa e daí a unidade interior do homem no seu ser corporal e espiritual. O mundo corporal e o biológico devem se integrar ao ser espiritual. Levar por toda parte este ideal cristão é também contribuir para uma sociedade na qual impere a mais total harmonia e não qual a violência seja extirpada.  *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.






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COMPORTAMENTO CRISTÃO

COMPORTAMENTO CRISTÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Entre as normas deixadas a seus discípulos, Jesus, admirável preceptor, assim se expressou: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos” (Mc 9,35). Traçou admiravelmente o estilo de vida do cristão. No nível da espiritualidade a humildade deve ser considerada como a mais bela qualidade do ser humano, mesmo porque é impossível sem esta virtude se submeter a Deus e se colocar a serviço do próximo. Ela abre as portas da sabedoria celestial, do desabrochamento  de tudo que conduz à perfeição, levando à plenitude as verdadeiras aspirações do ser racional. A humildade é a pedra fundamental da autenticidade cristã, pois é nela que habita a dileção ao Ser Supremo e o devotamento ao semelhante. Dela jorra uma profunda serenidade interior, afastando a inquietude e as turbulências do espírito. Liberta do egocentrismo e, deste modo, o cristão evita enquadrar os outros nos seus moldes mentais, mas procura estar sempre no serviço daqueles que giram em sua órbita. Deste modo, não há lugar para a ira, a maledicência. Grande gáudio  causa o êxito alheio e se regozija com os talentos que contemplado naqueles que o cercam. A humildade dilata a capacidade de se doar aos outros dos quais atrai a simpatia e a gratidão. Com efeito, pelo modo de ser habitual quem é humilde e serviçal cria um ambiente de tranquilidade, de alegria, imperturbabilidade porque não se sobrepõe aos outros e lhes reconhece o valor.  Tudo isto porque o humilde se identifica com Cristo ao qual pede continuamente: “Jesus, manso e humilde de coração fazei o meu coração semelhante ao vosso”. Disto resulta a mansidão, a simplicidade, o equilíbrio pessoal. É que o humilde é como uma árvore frutífera que oferece inúmeros frutos. Estes aliás foram elencados por São Paulo na Carta aos Gálatas como está na Vulgata: paz, alegria, longanimidade, bondade, benignidade, mansidão, paciência, castidade, modéstia, continência, fidelidade, caridade (Gl 5,22). Estes frutos do Espírito Santo não são, portanto, formas de humildade, mas uma demonstração palpitante desta virtude. Sem a mesma o cristão se desvaloriza, pois superestimando suas capacidades  não cultiva estes frutos e cai na mediocridade espiritual. É a humildade que se opõe a todas as visões deformadas as quais impedem o discípulo de Cristo usufruir dos bens advindos da graça santificante. Bem se expressou Maria no seu hino gratulatório: “Deus resiste aos soberbos, aos humildes porém concede as suas graças” (Lc 1,51).  É de se notar que  a humildade não é qualidade inata ao ser humano, mas deve ser adquirida dia a dia até se atingir aquela maturidade afetiva e espiritual que tanto dignifica o cristão. Isto o impede de ter desgosto de si mesmo e de se aborrecer da vida, pois tem olhos para ver as maravilhas que o Criador derrama em seu derredor. Passa a ter uma consciência esclarecida, arejada de sua condição e de seu lugar no cosmos, na Igreja, na comunidade em que vive. Donde uma gratidão profunda à Providência divina que tanto gratifica suas criaturas. É por isto que a humildade não se confunde com a falsa modéstia, mas leva cada um a reconhecer as qualidades que possui e a corrigir os defeitos que surgem da má administração do que Deus lhe deu para o próprio bem e dos outros. Para se cultivar esta virtude é preciso não querer impor aos outros a própria opinião. Cumpre ser serviçal para com os outros, paciente sem altear a voz seja com quem for, humano, sabendo que só Deus é perfeito. Pratica-se a humildade também através da cortesia, da boa educação, do total respeito ao próximo. Enfim, quando Jesus aconselhou: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele eu serve a todos” ele estava preconizando um comportamento existencial para seu discípulo que deve ser humilde interior e exteriormente, de pensamento  e de vontade, na prosperidade e na adversidade, em todo lugar e em todo tempo. É que esta virtude leva à verdade, à justiça e à ordem.  A humildade prospera nos corações que bem conhecem sua própria indigência,  seus limites,   persuadidos intimamente de que todo bem procede de Deus. Esta virtude é  a primeira fonte de verdadeira grandeza aos olhos dos homens e do Criador de tudo. Eis porque a Maria pôde afirmar que Deus olhou para a humildade de sua serva e fez nela grandes coisas. Sigamos o que Jesus ensinou e imitemos sua Mãe Santíssima e veremos maravilhas em nossas vidas. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

COMO SEGUIR JESUS

COMO SEGUIR A JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
O divino Redentor não poderia ser mais claro: “Se alguém me quer seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mc 8,34). Para tomar a própria cruz uma condição basilar é o desapego de si mesmo. Quem não faz dos bens terrenos meros instrumentos para a caminhada nas trilhas do Mestre divino, mas a eles se apega não está em condições de colocar os seus passos nos passos de Jesus. Muitos se prendem a suas idéias, a seus projetos sem a reta intenção de procurar a própria salvação e a do próximo e, assim, desconhecem a renúncia cristã. Esta não consiste em ser indiferente aos deveres cotidianos, nem se entregar a uma ascese forçada, a uma penitência indiscriminada. O cumprimento das obrigações de cada hora já inclui a abdicação da própria vontade. A maneira eficiente com que se realizam os encargos diários exige esforço, sacrifício, imolação.  Eis porque a renúncia a que se refere o Salvador está desta maneira presente em todos os instantes da vida do cristão. É lógico que esta atitude interior de renunciamento inclui em si também a coragem de evitar tudo que possa prejudicar a saúde, pois muitos até pensam em fazer grandes penitências, mas se esquecem de ser moderados no comer e no beber. Além disto, o combate aos atos de impaciência, o desvio das ocasiões de pecado, enfim o cultivo das virtudes supõe espírito de sacrifício. Adite-se que faz parte da cruz de cada um suportar as contrariedades que a Providência divina permite, sobretudo quando surge alguma doença que exige mais tolerância até se obter a cura completa. Quem assim age, se envolve na paz mais completa e pode  orar como ensinou D. Luciano Mendes de Almeida: “Senhor Jesus, não vos pedimos que nos livreis das provações, mas que nos concedais a força do Vosso Espírito para superá-las em bem da Igreja”. Entretanto, para colocar em prática a renúncia pregada por Cristo cumpre se firmar em determinados princípios. O primeiro é fundamental, ou seja, a fé que mostra quão passageiro é este mundo e que o destino do cristão que sabe carregar sua cruz é o céu. Na trajetória terrena, porém, Deus oferece o seu amor que instaura uma dependência querida, consentida, por parte de quem se envolve na dileção do Ser Supremo. Eis por que o ser racional, amando o seu Criador sobre todas as coisas, acata tudo em função deste amor. Não se deixa então escravizar pelos bens deste mundo que não devem ser concorrentes dos bens espirituais. Trata-se de se desembaraçar de todas as ambigüidades que impedem seguir a Cristo. A renúncia não é, assim, um fim em si, pois a cruz que Cristo pede que seja levada atrás dele para ser seu discípulo é caminho de Ressurreição e da plenitude da auto-realização. São Paulo afirmou: “Regozijamo-nos nas tribulações” (Rm 5,3). Estas, de fato, proporcionam ocasião de professar o Evangelho, aumentando os méritos e a esperança. Carregar desta maneira a cruz não é privilégio de uma elite espiritual, não está reservado aos consagrados na vida religiosa, mas é uma ordem dada a todo batizado. A arte de ser um autêntico epígono do Filho de Deus exige renúncias que ajudam a deparar com os caminhos da verdadeira felicidade. A disciplina requerida por Jesus leva à renúncia das drogas, do álcool, da escravidão da sexualidade, da adoração do dinheiro, da sujeição à indolência. O cristão usa sua liberdade com total responsabilidade e vence as incitações do maligno e torna sua existência preciosa. Quando São Pedro recriminou Jesus por falar nos sofrimentos que padeceria, recebeu do Mestre uma taxativa repreensão: “Vai para longe de mim, satanás! “Tu não pensas como Deus e sim como os homens” (Mc 7,33). Apenas mais tarde o Príncipe dos Apóstolos compreenderia o paradoxo da morte e da ressurreição de Jesus. Não pode haver ressurreição sem morte, nem morte sem sacrifício. O cristão inteligente sabe, através da união com Cristo, valorizar a cruz de cada dia. Esta, quer queiramos ou não, faz parte da vida humana. O ser racional é contingente, sujeito às limitações, às fragilidades, à finitude. Os dissabores surgem quando menos cada um de nós espera e nada se consegue neste mundo sem muito sacrifício. À luz da fé, pela reta intenção, porém, tudo isto tem valor de purificação e se faz meio de santificação. São Paulo compreendeu isto admiravelmente e atestou: “O leve peso da  nossa tribulação no momento presente, prepara-nos, além de toda e qualquer medida, um peso eterno de glória (2 Cor 4,17). Felizes os que sabem transformar os espinhos da vida em pérolas para a eternidade, carregando sua cruz e seguindo Jesus. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.





A FELICIDADE ETERNA

 A FELICIDADE ETERNA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O Pe. Antônio Vieira pondera que “a alegria do céu é sem tristeza, o gosto é sem pesar, o descanso é sem trabalho, a segurança é sem receio, o sossego sem sobressalto, a paz sem perturbação, a honra sem agravo, a riqueza sem cuidado, a fartura sem fastio, a grandeza sem inveja, a abundância sem míngua, a companhia sem emulação, a amizade sem cautela, a saúde sem enfermidade, a vida sem temor da morte, enfim todos os bens puros e sem mistura de mal, e por isso verdadeiros bens”. De fato a felicidade eterna é a inclusão de todo o bem. A visão beatífica é disto o ápice, pois, como diz São João, seremos semelhantes a Deus, “porque o veremos como ele é” (1 Jo 3,2). O mesmo ensina São Paulo: “Nós agora, vemos (a Deus) como por espelho em enigma; mas então face a face” (1 Cor 3,12) . Deus mesmo se une à alma. É preciso, porém, ressaltar que esta visão, ainda que imediata, incompreensível, elevadíssima, não é absoluta, adequada. Porque o bem-aventurado ainda que se torne semelhante a Deus não se converte em Deus; permanece sempre finito e limitado, incapaz de compreender totalmente o objeto infinito.  É que se trata de uma transcendência infinita. O bem infinito, porém, é sempre novo. Onde a novidade não acaba e sempre atrai, o amor e o gosto nunca diminuem. Assim, embora participada, a glória eterna é fonte de ininterrupto e perfeito gozo.
Do mesmo modo, porém, como a inteligência atingirá a plenitude de sua satisfação, a vontade estará saciada em seus recrescentes desejos. Amará exclusivamente a Deus e se comprazerá nele. É o que Deus havia dito a Abraão: “Não temas Abraão, eu sou o teu protetor, e tua recompensa (será) excessivamente grande” (Gên 5,1). Dar-se-á o que o Cântico dos Cânticos prognosticou: “... encontrei aquele a quem ama a minha alma, agarrei-me a ele, e não o largarei mais” (Cânt 3,4).  O salmista vislumbrou este momento feliz: “Eu, porém, com justiça verei a tua face, saciar-me-ei ao despertar com o teu semblante” (Sl 16,15). É o arrebatamento diante da infinita beleza divina. A alma goza então do Ser Infinito e fora dele nada mais deseja. Neste mundo toda inteligência, mesmo desviada, guarda a nostalgia de Deus. No céu a presença da divindade inebriará com sua luz aquele que foi feito para Ele, como o pássaro foi feito para voar ou o sol para brilhar. Deus o atrai como o rio é arrastado para o mar, o peregrino para o lar, a bússola para o polo magnético. É o que São Paulo exprimiu: “Desejo ver-me livre das ataduras deste corpo, para estar comCristo“ (Fl 1,23). Declara o mesmo Apóstolo: “Enquanto habitamos neste corpo, peregrinamos longe do Senhor” (2 Cor 5,6). Ora, tudo isto se dará, porém, de acordo com a capacidade que cada um terá de acordo com o que tiver praticado nesta vida. Quem mais amou a Deus, mas nele se regozijará. Não se trata de uma hierarquia de status, mas de uma situação de acordo como se  viveu a fé nesta terra. O julgamento se realiza no juízo particular e o Novo Testamento afirma a retribuição, imediatamente depois da morte, de cada um em função de suas obras e de sua fé, como se pode ver, por exemplo, na parábola do pobre Lázaro e na palavra de Cristo na cruz ao bom ladrão. O julgamento  se dará também, no fim dos tempos, no juízo universal, antecedida da ressurreição dos corpos (Mt 25,31-40). Ditosos os que puderem no final de sua vida repetir com S. Paulo: “Combati o bom combate, acabei a minha carreira, guardei a fé. De resto, me está reservada a coroa da justiça que o Senhor, justo Juiz me dará naquele dia; e não só a mim, mas também àqueles que desejam a sua vinda” (2 Tm 4,7). Uma conclusão então se impõe: “Enquanto temos tempo, façamos o bem” (Gal 6,10). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.






A CARIDADE E OS MOTIVOS DE ORDEM SOBRENATURAL

A CARIDADE E OS MOTIVOS DE ORDEM SOBRENATURAL
            Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus ensinou: “Aquele que recebe um profeta, na qualidade de profeta, receberá uma recompensa de profeta. Aquele que recebe um justo, na qualidade de justo, receberá uma recompensa de justo. Todo aquele que der ainda que seja somente um copo de água fresca a um destes pequeninos, porque é meu discípulo, em verdade eu vos digo: não perderá sua recompensa (Mt 10, 41-42). Por força da unidade do corpo místico de Cristo, todos os cristãos, principalmente os apóstolos que são os enviados de Jesus Cristo e munidos dos seus poderes, formam uma só coisa com seu Chefe, cabeça deste Corpo Místico. Por esta razão quem recebe um apóstolo  ou a um justo e lhe faz algum benefício, ainda que seja ao menor dos discípulos de Jesus, recebe e beneficia  ao próprio Senhor Jesus, e por isto, é digno de recomensa eterna. Para que o benefício seja merecedor de tamanho  prêmio deve, porém, der feito não por motivos humanos e sim com relação a Deus e ao Messias que Ele enviou. O que deve mover o cristão a amar os que o rodeiam e a todos os homens são motivos de ordem  sobrenatural. Todo amor, realmente, toda simpatia, todo afeto, inclusive qualquer benefício para com os outros, não é, em si, necessariamente o amor pregado por Cristo. Este depende dos móveis, das intenções que levam a todas estas louváveis posturas. Amar e ajudar alguém porque nos agrada, nos presta serviços, nos pode ser útil, não é a autêntica caridade. Muito menos se for por causa da beleza física, ou da nobreza do caráter, ou do vigor da personalidade ou outros dotes e talentos. Os que não têm fé também agem levados por tais motivos que podem até inclinar para a caridade, abrir-lhe espaço, ser sua iniciação, mas não são a sua essência, sua mais fulgurante manifestação. A caridade paira muito mais alto. Transcende o sensível e não considera no outro sua pobre natureza humana tão imperfeita e que pode até levar à antipatia, à repulsa, ao desagrado. O amor que Cristo determinou  leva a contemplar no próximo um reflexo do próprio Deus, Sua claridade infinita e, desta maneira, o bem é feito a todos indistintamente, dado que todos os homens são dignos de amor e respeito independentemente de qualquer fator meramente humano. Seja dito inclusive que tanto maior é este amor sobrenatural quanto as razões pessoais levariam ao menoscabo por falta de qualquer atração meramente externa ou material. É esta a doutrina do Mestre divino: “Se amais aos que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem também os publicanos a mesma coisa? E se saudais apenas os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios a mesma coisa?  (Mt 5,46-47) Se amais os que vos amam que graça alcançais? Pois até os pecadores amam aqueles que os amam. E se fazeis o bem aos que vo-lo fazem, que graça alcançais? Até os pecadores agem assim!     [...] Muito pelo contrário, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai sem esperar coisa alguma em troca. Será grande a vossa recompensa, e sereis filhos do Altíssimo, pois ele é bom para com os ingratos e os maus” (Lc 6, 32-35).  Diretrizes admiráveis do Filho de Deus que revelam ser a reta intenção que torna meritória a ação caritativa. Trata-se de ultrapassar  as alianças e inclinações naturais que fluem dos sentidos para, através do dom da Ciência, sobrenaturalizar tudo, fazendo inclusive daquilo que é fácil e agradável um ato revestido da luz divina. O cristão está, então, sempre a repetir em tudo: “Coloquei minha vida a serviço do próximo e o próximo é Jesus Cristo”. De fato, é sabedoria celestial transformar todas as atividades em atos meritórios via amor, porque quer queiramos quer não, tudo que se faz é sempre um serviço ao outro. Em casa, no trabalho, no convívio de cada hora tudo pode ser valorizado para a recompensa eterna, se feito com todo empenho visando servir a Cristo no irmão. É esta mentalidade que não apenas conduz a atos heróicos para com os desafetos ou para com aqueles com os quais nenhuma força extrínseca justificaria os gestos de compreensão, préstimos ou afeição, mas também leva à eficiência no labor diário, pois este é então feito em função de Jesus, que disse “tudo o que fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.   

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

DESAMBIÇÃO DOS BENS MATERIAIS

DESAMBIÇÃO DOS BENS MATERIAIS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Quando Jesus disse que é difícil para o rico entrar no reino de Deus (Mc10,23), Ele estava pregando o desapego aos bens materiais e condenando a adoração da riqueza. O Mestre divino usou o termo “difícil”, mas não “impossível”, pois há aqueles que possuem haveres honestamente adquiridos e não se apegam aos mesmos. A desambição sob todas as formas leva à plenitude do espírito,traz felicidade e equilíbrio. Não se trata do desprezo ao que é necessário à existência, à indiferença para com a própria subsistência, mas do combate à ganância de querer sempre mais. Isto leva ao culto do luxo e à valorização do supérfluo. A Igreja na sua doutrina social mostra que há um mínimo de bem estar necessário à pratica da virtude e para o cumprimento dos deveres cotidianos. Cristo recomenda inclusive a ajuda aos pobres (Mc 10,21). O que sobra aos ricos pertence, realmente aos que nada têm. Vitor Hugo, célebre escritor francês, mostrou que à força de querer possuir, nos tornamos nós mesmos escravos do que se possui. Querer aumenta desproporcionadamente o ter é perder gradativamente o seu ser. Milchael Sander, professor na Universidade de Havard, no seu livro “O que o dinheiro não compra”, lamenta que hoje em dia quase tudo está à venda. Cita até o absurdo do fato de algumas crianças receberem dinheiro numa Escola  dos Estados Unidos como uma recompensa de cada livro que lêem. Isto é a negação de toda sábia pedagogia.  É a lógica perversa de submeter toda ação a compra e venda. Forma-se uma mentalidade inteiramente voltada para o lucro material e isto sem nenhum questionamento se os valores éticos estão ou não  sendo violentados. No entanto, o espiritual é mais importante do que o material como ensina Jesus. O ser humano, porém, é fraco e considera facilmente que a satisfação das necessidades materiais justifica atropelar os mais elementares princípios de vida. Trata-se da morte de todo altruísmo que tanto dignifica o cristão. A estratégica do diabo é incitar a olhar as coisas na ótica do ganho terreno. Vive-se numa sociedade de consumo que propicia todas as distorções e materializa o homem e a mulher deste contexto histórico. A confiança excessiva no dinheiro é fonte de desgraças. Todas as ações humanas devem corresponder unicamente ao que Deus quer e nele e só nele depositar a mais total e absoluta confiança. Os bens materiais devem ser recebidos com gratidão, pois aquilo que se tem advém da bondade do Ser Supremo que abençoa sempre o trabalho, o empenho de quem sabe administrar com sabedoria o que Ele concede. Felicidade se encontra apenas no Criador e quem faz a vontade dele curte a vida em qualquer situação em que se encontre. Não se pode inclusive esquecer que o dinheiro deve ser respeitado, pois é difícil para entrar através da vida neste mundo, mas muito fácil para sair devido  os apelos constantes para se gastar a torto e a direito. Através dos tempos continua, porém, a adoração do bezerro de ouro, quando somente Deus merece a adoração do ser racional. Além de ser um ridículo ídolo o vil metal leva a adorar outros falsos ídolos, levando à devassidão da conduta. Bem alertou Jesus para não se acumular tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem o destroem e onde os ladrões arrombam e furtam. O Mestre divino aconselha a acumular tesouros no céu, onde estão em total segurança. Ele conclui: “Onde estiver o teu tesouro, aí também estará o teu coração. [...] Ninguém pode servir a dois senhores, pois odiará um e amará a outro; ou  será dedicado a um e desprezará o outro.Não podeis servir a Deus e a mamon” (Mt 6,19-24). Deus deve ser o centro de todos os pensamentos, palavras, desejos, ações, projetos. Cumpre então sempre uma aposiopese corajosa, sábia nos pensamentos voltados para o ilusório, o transitório. Isto leva a ser pobre de coração, sem perde consciência dos dons e dádivas ofertadas pelo Pai do Céu. Trata-se de  fazer continuamente frutificar os talentos e os colocar a serviço de Deus e do próximo.  Nada da obsessão de querer sempre mais o que acaba até por impedir de se usufruir o que se possui. É preciso até entrar no interior das próprias limitações, mas na certeza de que não há limitações, isto sim, para o amor das coisas sobrenaturais e eternas. Santo Agostinho dizia: “ A minha força de gravidade é o meu amor”. Pode parecer difícil alcançar este estado de espírito, mas “para Deus nada é impossível”. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.