AS BEM-AVENTURANÇAS, ANTÍTESE COM O
ESPÍRITO DO MUNDO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Esta é uma das passagens na qual
Jesus se dirige especialmente a seus discípulos e não à multidão. Estas oito
bem-aventuranças que nos encantam muito têm a dizer de Deus e de nós mesmos.
Estes dizeres são a pintura fiel de um Deus que sai de si mesmo para vir até
nós. Podemos dizer que Jesus traça aqui o caminho de uma nova humanidade. Este caminho
é, quer na época de Cristo, quer hoje, o oposto de uma cultura de indiferença
aos outros. Nas bem-aventuranças Jesus não fala tanto da condição humana, da
violência, dos prisioneiros que sempre os teremos entre nós. Há, porém, nas
bem-aventuranças um apelo a se humanizar e também a missão de humanizar. Além
do mais, desprezar o humano é menoscabar Deus que se encarnou e habitou entre
nós. Jesus nunca pronunciou uma palavra autoritária para que alguém o siga. Ele
sempre fez a promoção do humano. Na sua mensagem pascal urbi et orbi de 5 de abril de 2015 o papa Francisco afirmava que os
cristãos são a contra corrente de um mundo que propôs se impor de qualquer
maneira, de entrar em competição, de se fazer valer. Ele ajunta os cristãos
pela graça de Cristo morto e ressuscitado, são os germes de uma outra humanidade
na qual nós procuramos viver ao serviço uns dos outros e a não ser nunca
arrogantes. De fato, ser manso, pacífico, misericordioso é ter respeito para
com os outros. Sobre a montanha Jesus dá uma clara definição do que Ele é e do que
nós somos. Nós trazemos em nós os germes de uma outra humanidade. Jesus indica um caminho para estabelecer
pontes e não construir muros entre nós. Nós somos seres para os outros Nós nos
tornamos nós mesmos através da relação com os outros. Para entrar no caminho
das bem-aventuranças, é preciso se inclinar, rejeitar a procura do superego, do
refinado orgulho que alimenta as guerras e a ira, enquanto o caminho das bem-aventuranças
leva a impulsionar a coragem da paz, da mansidão, da compaixão. Ao afastarmos
das bem-aventuranças é cortamos em nós uma parte de nós mesmos. É nos mutilar.
O outro faz parte de nós. Jesus veio do Pai para entrar em relação humana
conosco. Ele convida agora seus discípulos, seus mais próximos colaboradores, a
priorizar em sua vida a abertura para os outros. Nas bem-aventuranças Jesus mostra que o ponto
de partida da felicidade é uma saída de si mesmo, um decentralizar de si mesmo
para aqueles que têm fome de pão, de justiça, de misericórdia, de paz. É a
proximidade de que fala o papa Francisco. Com subtileza Jesus mostra sua
identidade e a nossa: uma vida vivida para os outros. Ele elabora num belíssimo
texto um pequeno tratado de uma teologia acessível para seu seguidor. Trata-se
uma carta de felicidade! O filósofo Levinas rediz a mesma coisa quando ele
afirma que a civilização começa quando nós damos a prioridade ao outro sobre si
mesmo. Nos Atos dos Apóstolos há uma
passagem que diz bem esta verdade quando está escrito que há mis alegria em dar
do que em receber (Atos 20,35) Quando
Deus declara no Gêneses que não era bom que o homem estivesse só, é preciso ver
nisto uma declaração solene de nossa identidade de ser humano. Nós somos seres de
relação mútua e quando somos privados de proximidade uns dos outros nós não nos
realizaremos plenamente. Somos infelizes. É fazendo o bem aos outros que se humaniza,
que se é feliz. Em um tweet o papa a Francisco
observa que esta tendência de colocar no centro nossas ambições pessoais e nós
mesmos pode ser até humano, mas não é cristão. As bem-aventuranças combatem o eu
até sua idolatria. Desta cultura que favorece e explora um olhar exclusive
sobre si mesmo, esta doença patológica de nosso mundo é combatida pelas
bem-aventuranças. Eis porque Jesus quer
que ressuscitemos o povo das bem-aventuranças. Estes nos fazem ver que beleza há
no mundo, tal como Deus o quer Um mundo reconciliado por Ele. A Igreja dizia o
Cardeal Lustiger é composta de homens que muitas vezes se odeiam, mas Deus
neles coloca o amor; homens ávidos de posses, mas que Deus reúne na beatitude
dos pobres; a Igreja é composta de homens violentos, mas que Deus reconcilia na
beatitude dos pacíficos; a Igreja é composta de homens injustos, mas que Deus
restaura na sua santidade; a Igreja é composta de homens divididos, mas que
Deus reúne na concórdia. E é sobre esta Igreja que são Paulo invoca a graça, a
misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus Nosso Senhor (2 Tim 1,2|) * Professor no Seminário de Mariana durante 40
anos
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