quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

 

AS BEM-AVENTURANÇAS, ANTÍTESE COM O ESPÍRITO DO MUNDO

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Esta é uma das passagens na qual Jesus se dirige especialmente a seus discípulos e não à multidão. Estas oito bem-aventuranças que nos encantam muito têm a dizer de Deus e de nós mesmos. Estes dizeres são a pintura fiel de um Deus que sai de si mesmo para vir até nós. Podemos dizer que Jesus traça aqui o caminho de uma nova humanidade. Este caminho é, quer na época de Cristo, quer hoje, o oposto de uma cultura de indiferença aos outros. Nas bem-aventuranças Jesus não fala tanto da condição humana, da violência, dos prisioneiros que sempre os teremos entre nós. Há, porém, nas bem-aventuranças um apelo a se humanizar e também a missão de humanizar. Além do mais, desprezar o humano é menoscabar Deus que se encarnou e habitou entre nós. Jesus nunca pronunciou uma palavra autoritária para que alguém o siga. Ele sempre fez a promoção do humano. Na sua mensagem pascal urbi et orbi de 5 de abril de 2015 o papa Francisco afirmava que os cristãos são a contra corrente de um mundo que propôs se impor de qualquer maneira, de entrar em competição, de se fazer valer. Ele ajunta os cristãos pela graça de Cristo morto e ressuscitado, são os germes de uma outra humanidade na qual nós procuramos viver ao serviço uns dos outros e a não ser nunca arrogantes. De fato, ser manso, pacífico, misericordioso é ter respeito para com os outros. Sobre a montanha Jesus dá uma clara definição do que Ele é e do que nós somos. Nós trazemos em nós os germes de uma outra humanidade.  Jesus indica um caminho para estabelecer pontes e não construir muros entre nós. Nós somos seres para os outros Nós nos tornamos nós mesmos através da relação com os outros. Para entrar no caminho das bem-aventuranças, é preciso se inclinar, rejeitar a procura do superego, do refinado orgulho que alimenta as guerras e a ira, enquanto o caminho das bem-aventuranças leva a impulsionar a coragem da paz, da mansidão, da compaixão. Ao afastarmos das bem-aventuranças é cortamos em nós uma parte de nós mesmos. É nos mutilar. O outro faz parte de nós. Jesus veio do Pai para entrar em relação humana conosco. Ele convida agora seus discípulos, seus mais próximos colaboradores, a priorizar em sua vida a abertura para os outros.  Nas bem-aventuranças Jesus mostra que o ponto de partida da felicidade é uma saída de si mesmo, um decentralizar de si mesmo para aqueles que têm fome de pão, de justiça, de misericórdia, de paz. É a proximidade de que fala o papa Francisco. Com subtileza Jesus mostra sua identidade e a nossa: uma vida vivida para os outros. Ele elabora num belíssimo texto um pequeno tratado de uma teologia acessível para seu seguidor. Trata-se uma carta de felicidade! O filósofo Levinas rediz a mesma coisa quando ele afirma que a civilização começa quando nós damos a prioridade ao outro sobre si mesmo.  Nos Atos dos Apóstolos há uma passagem que diz bem esta verdade quando está escrito que há mis alegria em dar do que em    receber (Atos 20,35) Quando Deus declara no Gêneses que não era bom que o homem estivesse só, é preciso ver nisto uma declaração solene de nossa identidade de ser humano. Nós somos seres de relação mútua e quando somos privados de proximidade uns dos outros nós não nos realizaremos plenamente. Somos infelizes. É fazendo o bem aos outros que se humaniza, que se é feliz.  Em um tweet o papa a Francisco observa que esta tendência de colocar no centro nossas ambições pessoais e nós mesmos pode ser até humano, mas não é cristão. As bem-aventuranças combatem o eu até sua idolatria. Desta cultura que favorece e explora um olhar exclusive sobre si mesmo, esta doença patológica de nosso mundo é combatida pelas bem-aventuranças.  Eis porque Jesus quer que ressuscitemos o povo das bem-aventuranças. Estes nos fazem ver que beleza há no mundo, tal como Deus o quer Um mundo reconciliado por Ele. A Igreja dizia o Cardeal Lustiger é composta de homens que muitas vezes se odeiam, mas Deus neles coloca o amor; homens ávidos de posses, mas que Deus reúne na beatitude dos pobres; a Igreja é composta de homens violentos, mas que Deus reconcilia na beatitude dos pacíficos; a Igreja é composta de homens injustos, mas que Deus restaura na sua santidade; a Igreja é composta de homens divididos, mas que Deus reúne na concórdia. E é sobre esta Igreja que são Paulo invoca a graça, a misericórdia e paz de Deus Pai e de Cristo Jesus Nosso Senhor (2 Tim 1,2|) * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

 

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