11 A
TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
O Evangelho
do segundo domingo da quaresma convida-nos a viver uma experiência de
transfiguração (Mt 17,1-9). Este episódio nos leva a ver além das aparências
para aí reconhecer a presença de Cristo que veio a este mundo aclarar nossos
caminhos humanos. Colocamos então nossos passos nos passos de Pedro, Tiago e
João. Note-se, inicialmente, que o evangelho nos diz que Jesus foi
transfigurado sobre uma alta Montanha. Na Bíblia a montanha não é apenas um
lugar geográfico. É, simbolicamente, onde se dá uma revelação. Aí se percebe
que algo importante vai acontecer. Para penetrar o sentido profundo deste fato
cumpre sair do nível do superficial que frequentemente é o lugar de nossas
mediocridades. Trata-se de fazer uma caminhada até onde, como diz um salmo, “a verdade
e o amor se encontram; a justiça e a paz se abraçam” (Sl 85,11). Aí se encontram
as quatro chaves que abrem as portas da verdadeira felicidade. No Tabor Jesus
se transfigurou diante de seus discípulos e apareceu na sua glória. A glória,
doxa em grego, é o que aparece a nossos olhos quando isto que estamos vendo reflete
e traduz o que se vê no interior. É isto a Transfiguração de Jesus que nos leva
a contemplar, ou seja, o invisível. Não fiquemos nas aparecias, porque diz a Bíblia:
“Deus não julga segundo as aparências” (1 Sm 16,7). Não caiamos neste equívoco.
Muitos sofrimentos têm por origem esta maneira de viver unicamente sobre aquilo
que é superficial, fictício e sem maior importância. A Transfiguração de Jesus
nos convicta então a um olhar novo sobre Jesus e também sobre todos aqueles com
quem nós vivemos, bem como sobre os acontecimentos do mundo e da Igreja. Moisés
e Elias aparecem ao lado de Cristo, eles que são duas grandes figuras bíblicas
que marcaram a História do Povo de Deus. Sua história se ilumina pela presença
do Mestre divino transfigurado e é o próprio Cristo que vem aclarar o caminho
deles e o que a Bíblia nos relata. Como cristãos valorizemos sempre as
passagens do Antigo Testamento. Sua história é nossa história e o próprio Jesus
não é compreendido senão como aquele que vem cumprir o que tantos profetas
anunciaram a seu respeito. Notemos que, mais tarde, em outra montanha Jesus será
crucificado entre dois ladrões. É o mesmo mistério de amor levado a seu
término: a glória e o Amor até o máximo sofrimento de tanto amar, duas visões
inseparáveis para revelar quem é o Cristo, Filho de Deus, nosso Redentor. Na
narrativa da Transfiguração é Pedro que toma a palavra, quando Jesus não diz
nada, pois é sua presença que fala. Pedro afirma que “é bom estamos aqui”.
Felicidade tão grande a ponto dele ajuntar: “façamos aqui três tendas: uma para
ti, outra para Moisés e uma outra para Elias”. Trata-se de um acampamento. A
tenda, é aquela da presença que nós traduzimos em nossas igrejas por
tabernáculo. Nada é maior do que o Mistério da presença que se revela na
Verdade e comunhão de Amor. É isto que deveriam estar experimentando os três
Apóstolos com uma densidade indescritível. Este gozo, porém, não era um
privilégio a eles reservada. É também para nós desde que tomemos o mesmo
caminho que Pedro, Tiago e João. Com a nuvem se ouviu a voz do Pai: “Este é meu
Filho bem amado, escutai-O”. A nuvem é normalmente na Bíblia um sinal da
presença de Deus. Há uma luminosidade mas que possui um véu que impede a
claridade total. A nuvem é a visão
que permite guardar a Esperança. O horizonte não é fechado. Há novas
perspectivas para o futuro. É evidente que a voz não se trata daquela que vem
dos microfones e câmaras instaladas nas igrejas, mas se trata daquela voz
interior vinda das profundezas do coração, A voz que se exprime em todas as
línguas, porque ela diz o que o coração pode captar e entender e que a fé pode,
de fato, fazer compreender. Crer sob a boa sequência, na boa expansão da onda
vinda lá de dentro de si mesmo, faz se ajustar no diapasão daquilo que Deus
quer nos dizer. Depois vem o tempo de descer para a planície. Tudo isto foi, sem
dúvida, uma magnífica experiência para Pedro, Tiago e João, mas que será vivida
em plenitude após a ressurreição de Jesus. Deixemos que o Evangelhos de Cristo
transfigurado nos penetre inteiramente de sua luz. Iluminaremos assim com esta
luz celestial tudo que estiver em nosso derredor. A fim de evitar confusões e
falsas interpretações Jesus exige então que os Apóstolos não contassem a ninguém
o que tinham visto, até que o Filho do homem tivesse ressurgido dos mortos (Mc
9,9). Seria após a ressurreição que eles compreenderiam melhor, mais
profundamente, a amplidão daquele episódio.
* Prof. no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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