segunda-feira, 10 de outubro de 2022

 

HUMILDADE NA ORAÇÃO

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Dois homens rezam ao mesmo Senhor, no mesmo templo, mas há uma diferença no conhecimento real do verdadeiro Deus, mostrando assim notável desigualdade na prece, no que diz respeito à autenticidade da mesma. (Luc 18,9-14). Para o fariseu a prece não havia senão um ponto de referência, a saber, o seu eu.  Satisfeito e seguro de si mesmo, se julgava o único intacto, puro.  Isto por ser ele o artesão de sua própria perfeição. Os outros para ele são escravos do dinheiro, conhecem as aventuras com a mulher dos outros, se entregam a empreendimentos injustos. Mancomunados com o sistema fiscal do opressor, o trabalho assim lhes macula as mãos. Ele, contudo, homem à parte, se conserva inatacável. Para ele a santidade consiste em ter uma imagem gratificante de si mesmo, cumprindo rotas que ele mesmo traçou. Ele é o único digno do amor de Deus e o único a merecer sua estima e, assim, devia excluir os outros. A dúvida não há lugar para ele, pois colocou Deus a seu serviço, tudo isto fruto de sua soberba. Eis porque toda sua segurança repousa sobre suas obras e ele se blasona de estar rigorosamente em dia com as normas legais, com o dízimo, e se sente tranquilo por usar de tudo mais como bom, segundo ele então julgar.  Além disto, seus julgamentos o asseguram em si mesmo e o confirmam na sua impressão de equilíbrio e superação própria.  Assim sendo toda a segurança de sua consciência repousa em suas obras. Seus jejuns regulares lhe asseguram na impressão de equilíbrio e de convicção de sua inteireza interior. O pior ainda é que tudo isto o leva a assim orar:” Eu te dou graças ó Senhor de ser o único a teus olhos, te dou graças por me terdes escolhido para ser um homem privilegiado à parte. Eu te agradeço, Senhor, por não ser como os outros homens; te agrade com pelas graças de luz que me dás sobre mim mesmo e sobre os outros”. Não contente por introduzir na sua prece todos seus desprezos, todas as suas agressividades, tão contente de desprezar os outros para se colocar em primeiro lugar diante de Deus, ele vai imaginar que Deus o tinha escolhido, excluindo os outros, como se o coração de Deus fosse tão pequenino para amar tais dimensões. Quanto ao publicano, não tinha vindo ao Templo para encontrar um Deus que testemunha suas conquistas espirituais, mas, sim, um confidente de sua miséria, e, por isto, se coloca à distância¸ como alguém que não teria direito ao amor de Deus, e deste modo ele viera porque sabia que o amor não é uma questão de direito. Ele não ousava levantar os olhos com receio de reencontrar um olhar que ele não poderia suportar, o olhar de Deus, cheio de amor, mas d um amor imerecido por ele. Ele não se compara com os outros, dado que uma primeira comparação já o tornaria humilde, aquela correlação de sua vida falsa e mesquinha, com aquilo que fulgiria da santidade divina. Ele tinha o senso do pecado que não consiste em se imaginar criminoso, nem se curvar ante misérias mais ou menos artificiais, mas, sim, de reconhecer humildemente com uma espécie de evidência   como a falsidade se instala facilmente na vida humana, levando a perder o sentido do Reino de Deus a quem tão pouco sabemos amar. Desde modo, pode fazer uma prece verdadeira aquele que atravessa a barreira do orgulho e exprime a verdadeira conversão, o autêntico retorno a Deus: “Meu Deus tem piedade de mim pecador!”. Os anos passam, as ilusões desaparecem, o tempo foge, e só a prece do humilde pode nos abrir o caminho da paz, porque ele nos situa diante de Deus, como criatura, cônscio de sua responsabilidade de pecador, mas também na certeza da vitória de Cristo e na esperança de tudo aquilo que Ele prepara para quem não é soberbo. De fato, “Quem se humilha, será exaltado” ou   seja, é Ele que restaura no seu amor e eleva tudo junto dele, sobre a mesma cruz e na mesma glória, os que por ele souberam ser humildes, mansos e serviçais; Deus quer que saibamos pedir sempre perdão de nossas culpas. Jamais as atitudes arrogantes do fariseu, mas o reconhecimento humilde da fragilidade humana como ostentou o publicano. Somente Deus é santo, perfeito.  Errar é humano, perseverar orgulhosamente no erro é condenável. Sejamos humildes como o publicano e nunca soberbos como o fariseu. Rezar sempre: “Jesus manso e humilde de coração, fazei o meu coração semelhante ao vosso”, e veremos que a humildade é o alicerce da verdadeira grandeza do ser humano. A humildade prospera nos corações que bem conhecem sua própria miséria e indigência, persuadidos intimamente de que todo bem procede de Deus. Estejamos certos de que onde há orgulho, aí haverá também ignomínia; mas, onde há humildade, haverá sabedoria. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

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