AS
DUAS PRIMEIRAS BEM-AVENTURANÇAS
Côn.; José Geraldo Vidigal de Carvalho*
As bem-aventuranças mostram que Jesus não veio a este mundo
para julgar, mas para nos indicar o caminho que conduz a Deus. (Mt 3, 1-12).
Não se pode limitar a vida cristã ao mero cumprimento de algumas regras
estritas, a fim de evitar o castigo eterno. Jesus veio para ostentar o amor,
para que cada um possa curtir e partilhar esta dileção com os irmãos e
irmãs. O verdadeiro cristão deve estar
cônscio de que ele tem dentro de seu coração o segredo da felicidade que o
mundo ignora. Eis porque é preciso que ele viva de acordo com as Bem-aventuranças
pelas quais obterá a verdadeira felicidade. Reflitamos hoje sobre as duas primeiras bem-aventuranças.
Bem-aventurados os pobres de espírito porque o reino dos céus é para eles.
Jesus não disse, bem-aventurados os que vivem na miséria, as mães cujos filhos
morrem de fome, mas disse:” Bem-aventurados os que têm um coração de pobre”. Isso
porque, na época em que Ele pregava, a palavra pobre tinha já uma longa história.
Nos textos mais antigos o pobre era uma pessoa vergada, oprimida, incapaz de resistir
e de levantar a cabeça, alguém que devia sempre ceder aos poderosos. O acento era
colocado não sobre a indigência em si, mas sobre a humilhação do pobre. A
palavra tomara uma coloração religiosa e os opressores apareciam como
orgulhosos e ímpios e o pobre feito figura do homem submisso que colocava sua
confiança em Deus e aguardava dele o socorro. Assim a primeira beatitude de
Jesus não se dirige precisamente aos mendigos, aos indigentes, mas a todos os
que têm um coração bastante pobre para se acharem pequeninos diante de Deus,
mãos abertas para receber dele a força e a esperança. Jesus não diz “vós que
precisais de tudo, ficai na miséria”! Ele não prega um fatalismo mais ou menos
resignado. Ele diz “Guardai um coração de pobre diante dos irmãos e diante de
Deus”. Este Deus ignora as classes sociais porque em todo homem ele vê um filho
que tem necessidade de ser amado e de ser perdoado, de ser salvo. Os homens
julgam pelos sinais exteriores, sinais por vezes enganosos de riqueza ou de
pobreza. Deus olha o coração, porque é possível ser rico com um coração de
pobre e pobre com um coração de rico. É que exatamente o pobreza material, não
a miséria, predispõe para pobreza do coração.
É igualmente verdade dizer que Deus tem uma ternura especial para
aqueles que precisam de tudo, tudo como uma mãe guarda os tesouros de paciência
e de compreensão para cada um de seus filhos sobretudo os mais frágeis. No
coração de Deus não há exclusão de ninguém. Ele ama cada um tal como ele é, Ele
não estabelece categorias. Somos nós que
dividimos, que excluímos os outros. Num mundo no qual as relações sociais são frequentemente
deturpadas, a tentação pode nos levar a fechar mais ou menos a porta do Reino
aos que são diferentes de nós e colocamos então barreiras lá onde Cristo passou
para as destruir. Acontece mesmo que a irritação paralisa no coração do cristão
seu desejo evangélico de justiça e de liberdade e, por isto, uma segunda
bem-aventurança vem precisar a dos pobres de coração: “Bem—aventurados os
mansos porque eles possuirão a terra”. Jesus não diz “Felizes os incapazes, os
frustrados, felizes os que têm medo de viver e que trepidam diante das
verdadeiras responsabilidades, mas felizes os mansos, os pacíficos, os que não
aspiram o poder, os que aceitam lutar sem ira, os que sabem não abusar de suas
forças, os que deixam sempre aos outros um espaço livre e os meios de se superarem. É a mansidão mesma
de Cristo que podia dizer: “Tomai o meu jugo e colocai-vos na minha escola
porque eu sou manso e humilde de coração”. Saibamos, pois, que o Evangelho é sumamente
exigente. Ele não oferece uma poesia fácil e infantil, mas um realismo
cristão. O realismo do batizado, adultos
e conformado pelo Espírito, realismo que está na base da verdade interior, do
acolhimento filial daquilo que Deus faz em função da sua misericórdia imensa
pelo mundo. Trata-se então -de uma grande, muito grande virtude. Ela só, é
capaz de aproximar as distâncias que a natureza e as leis põem entre os homens;
pois aos superiores ela inspira doçura e caridade, respeito e obediência aos
inferiores. Apenas ela pode abrandar as inevitáveis injustiças da vida e da
sociedade, destruir nos fortes o instinto da tirania, e o instinto da revolta dos
fracos e tudo isto na mais admirável fraternidade. Sejamos sempre rigorosos em
examinar a nossa consciência para acolher toda graça de uma total mansidão e
seremos, de fato, felizes. *Professor no Seminário
de Mariana durante 40 anos.
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