AS TENTAÇÕES DE JESUS NO DESERTO
Côn. Jose ‘Geraldo Vidigal de
Carvalho*
Segundo São Lucas, Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto, onde
esteve durante quarenta dias, sendo tentado, enquanto homem, pelo demônio (Lc
4.1-13). A tentação do pão se liga ao episódio bem conhecido do maná, a
tentação dos Reinos da terra faz referência ao famoso acontecimento do bezerro
de ouro e a última tentação, aquela do Templo, tem relação com o
evento de Massa e Meriba no qual, apesar de terem visto as maravilhosas obras
de Deus, os israelenses O provocaram. As três respostas de Jesus tem
relação não somente com a fé de Israel
em um só Deus, mas também, e sobretudo. à maneira de se comportar diante dele,
a saber, alimentar-se da Palavra, não colocar Deus à prova e render somente a
Ele o culto que só a Ele é devido. São os três preceitos fundamentais aos quais
Israel havia sido infiel durante a peregrinação no deserto. Jesus três vezes foi colocado à prova, saindo
vitorioso, cumprindo assim as Escrituras ficando fiel à aliança com o Pai. É de
se notar que São Lucas insere entre o batismo e as tentações no deserto a
genealogia de Jesus que ele conclui por “filho de Adão, filho de Deus” (Luc 3,38).
Foi, portanto, confortado em sua identidade que Jesus “foi conduzido pelo
Espirito ao deserto”. Aliás, Satanás tentou por duas vezes Jesus, invocando
explicitamente a essência de seu ser: “Se és o Filho de Deus”. É exatamente por
isto que Ele ia ser colocado à prova. Entretanto Ele era, de fato, o Filho de
Deus, mas as consequências que o diabo tira desta realidade são inteiramente
errôneas e é isto que constitui a tentação. Jesus haveria de ensinar o que significa
para o cristão a dignidade e a vocação de filho de Deus e como se comportar em
consequência desta realidade sublime. O demônio queria que Ele fizesse
prodígios extraordinários fora dos planos divinos. Na primeira tentação o diabo se apoiou em uma necessidade legítima de Jesus
depois de 40 dias de jejum. Ele teve naturalmente fome. Nada mais natural. Mas se era uma necessidade legítima, devia-se
tomar os meios para vencer aquela dificuldade. Entretanto, Jesus não era um ser
dividido interiormente, era um ser unificado, ou seja, Ele organizara toda sua
vida em redor de sua identidade profunda. Ora, ser Filho de Deus era antes de
tudo, e sobretudo, estar em sintonia cm o Pai, reconhecendo que tudo dele se
recebe. Um dia Ele dirá: “Meu alimento é fazer a vontade do Pai” e jamais Ele
seguiria o conselho do demônio, transformando pedras em pães e, assim sendo, afastou
para longe de si o tentador iníquo. Na
segunda tentação o diabão mostrou a Jesus todos os reinos do universo, querendo,
ousadamente, sua submissão, mas recebendo imediatamente a resposta taxativa: “Ao
senhor teu Deus é que adorarás e só a ele prestarás culto”. Na terceira
tentação Jesus se viu no pináculo do templo, querendo que Ele dali se
precipitasse, pois os anjos viriam e O sustentariam. Peremptoriamente veio a
resposta de Cristo ao Príncipe das Trevas: “Não tentarás o Senhor teu Deus” Diz
São Marcos que “esgotada toda espece de tentação o diabo retirou-se de junto
dele, até certo tempo”, pois voltaria no tempo da Paixão de Cristo. Colocando
este texto no início da quaresma a Igreja quer nos lembrar que a verdadeira
conversão para o cristão é de se recordar de sua vocação e intimidade com o Filho
de Deus. Jesus é o Filho de Deus não porque poderia mudar as pedras em pão, nem
porque podia se lançar do alto do templo, nem porque Ele é livre de dar um culto
a quem Ele o quiser dar. Ser Filho de Deus não é a exaltação de um eu
hipertrofiado, nem realização de nosso desejo de todo o poder. Jesus ao repelir
as insinuações de satanás realizou sua identidade de Filho de Deus, vivendo em
plenitude a Palavra de seu Pai e nem colocando à prova aquele no qual Ele
confiava e adorando seu Pai e somente a Ele. Por sua atitude Jesus realizava em
plenitude as Escrituras e deste modo realizou sua vocação e mostrou sua
verdadeira identidade. Ele foi tentado mas sem pecado algum, como lemos na
Carta aos Hebreus. Ele foi tentado quanto
à fome, ao orgulho, ao desejo de poder, mas, deixou-nos o exemplo, de como vencer
definitivamente ao diabo que deve sempre ser vencido. Ser filho de Deus é antes
de tudo, e sobretudo, reconhecer que nossa vida vem de Deus e receber dele tudo
que temos numa fidelidade absoluta nele, apoiando sempre em sua Palavra. Ser
dele filho é adorá-lo somente a Ele e de nenhum outro esperar a salvação. Ser
cristão é estar intimamente unido a Deus na confiança e no amor e, para isto, se
torna muito favorável o tempo quaresmal. A exemplo de Jesus cumpre ao cristão
vencer sempre as insinuações do demônio e, assim, viver em plenitude a dimensão
espiritual da existência de um verdadeiro cristão. Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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