ATO DE FÉ ABSOLUTA EM
JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Uma
tempestade lançava ondas sobre o barco no qual estavam os discípulos e o Mestre
divino que se achava descansando. Apavorados os apóstolos O despertaram e, Ele
com seu poder, serenou a procela. Cristo, porém, chamou a atenção de seus
epígonos que estavam dominados pelo temor: “Porque estais com tanto medo? Como
ainda não tendes fé? (Mc 4,35-40) É que eles não haviam ainda abandonado a
maneira humana de conhecer Jesus para poder depositar um ato de fé incondicional
nele, o Salvador que ali estava. Cumpre um verdadeiro conhecimento de Jesus e
de sua capacidade que salva pela força e pela glória que lhe pertencem. Ao
acalmar o vendaval Ele demonstrou seu domínio sobre o vento e sobre o mar. Os
discípulos sem a fé, que lhes seria mais tarde fruto da manhã de Páscoa, se
apavoraram com a tempestade mesmo estando Jesus junto deles. Cristo
diagnosticou a causa de seus temores e, entre elas, a falta de absoluta
confiança nele. Viu neles pessoas de fé diminuta. É a fé profunda que
possibilita compreender toda a grandeza de Jesus no qual se deve inteiramente
confiar. Os apóstolos puderam ultrapassar de uma compreensão exterior dos atos
de Cristo a uma compreensão interior de sua divindade. Passaram com o tempo dos
gestos exteriores do Mestre, ao Jesus Redentor. Isto mostra que se limitar aos
gestos exteriores do Filho de Deus, ao Jesus da história pode impedir que se
chegue a um ato de fé verdadeiro. Eis uma das grandes lições a se tirar do
maravilhoso episódio da tempestade acalmada. Ainda como Cardeal, Ratzinger, o
Papa São João Paulo II, alertava sobre a tentação de se reduzir Jesus-Cristo, o
filho de Deus, a um simples Jesus histórico, a um mero homem, embora se
professando seu poderio extraordinário.
Ainda que não se negue abertamente a divindade de Jesus, cria-se um
Jesus à medida terrena, “um Jesus possível e compreensível segundo os parâmetros
da historiografia humana”. Advertia ainda o então Cardeal Ratzinger: “Este
Jesus histórico é um artefato, imagem de seus autores e não a imagem do Deus
vivo. Não é, porém, o Cristo da fé que
é um mito, mas o Jesus histórico que não passa de uma figura mitológica, auto
inventada por falsos intérpretes. Entretanto o Jesus fraco, fatigado e dormindo
e o Jesus forte que serena a tempestade são a mesma pessoa, o único Filho de
Deus, Redentor onipotente. Cumpre se tenha uma fé firme no Verbo encarnado
manifestada na observância integral de todos os seus ensinamentos e não apenas
recorrer a Ele nos instantes cruciais como se Ele fosse apenas um super. Homem”.
Pelo Evangelho de hoje Jesus quer nos falar desta fé verdadeira, integral que
leva os cristãos a ver sempre nele o Deus e homem verdadeiro e não apenas o
protetor nos momentos tempestuosos da vida. Jesus está então a interrogar: “Porque
estais com medo? Como ainda não tendes
uma fé verdadeira que envolva toda a vida em cada instante?” Nada, portanto, de
uma atitude eivada de ceticismo, de dúvida, de angústia, de medo, de falta de
coragem. A fé em Jesus, Deus e homem verdadeiro, deve dar ânimo total e, por
outro lado, está fé exige coragem para enfrentar os problemas da vida sem se
entregar a mórbidas agonias. A fé em Jesus, enquanto é um ato de confiança e
não de simples adesão intelectual, deve se refletir na conduta, no modo de ser
do cristão que nunca se deixa dominar pela tristeza, pela depressão, pelo
desânimo, pelo pavor. Quem tem fé verdadeira em Cristo sabe que não apenas Ele
caminha a seu lado e pode agir nos momentos tempestuosos da existência, mas
ainda que Ele deve ser a vida da vida de cada um, de seu seguidor que está
sempre disposto a fazer em tudo a vontade do Mestre divino e, assim, jamais se
deixa dominar pela angústia, pelo medo, pois repete sempre com São Paulo: “Eu
tudo posso naquele que é a minha fortaleza”. (Fil 4,13) Então, sim o. discípulo
de Cristo conhece o verdadeiro caminhar espiritual. Lá na barca Jesus viu o
interior dos apóstolos apavorados, pessimistas, dado que tudo estava perdido
para eles e, não obstante, ali estava quem era todo poderoso, não apenas para
amainar a ventania, mas que devia dar segurança absoluta, afastado todo o doentio
temor. Jesus não via então uma fé absoluta que impregnava inteiramente aqueles
apóstolos apavorados. Como hoje em dia tantos entregues a suas inseguranças
interiores, aos abatimentos, às amarguras por não depositar absoluta confiança em
Jesus presente na sua Igreja, ao lado de seu verdadeiro discípulo que nele pode
e deve inteiramente acreditar. Esta é a questão que Jesus oferece a seus
seguidores no coração das tempestades de suas vidas:” Por que ter medo se Ele
está junto deles”. O questionamento de
Jesus é importante porque a fé não consiste em dizer “eu creio” quando tudo vai
vem, mas em dizer “eu creio e confio em Ti” quando surgem as tormentas. A fé deve se apoiar em Cristo, impregnando
inteiramente o ser de seu discípulo, que deve viver todos os acontecimentos com
Ele e, portanto, sem vãos temores, pois Ele não abandona nunca quem deposita
nele total confiança. Jesus coloca em paralelo fé e destemor, confiança e
coragem. * Professor no Seminário de
Mariana durante 40 anos.
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