segunda-feira, 8 de março de 2021

 

A CRUZ. SALVADORA

Côn. JoséGeraldo Vidigal de Carvalho*

No colóquio com Nicodemos Jesus, para explicar o mistério da Cruz, lembrou um fato marcante do Antigo Testamento, visando fixar o desvelo misericordioso de Deus para com seu povo.  Do mesmo modo que Moisés elevou a serpente no deserto, assim teria que ser elevado o Filho do homem para que todo que nele cresse tivesse a vida eterna (Jo 3.14-21).  Uma visão dualista incluindo cenas de abatimento e elevação, morte e vida, trevas e luz. A recordação da cena do Antigo Testamento, que ostentava os que sofriam a olhar para uma serpente colocada no alto de um poste sendo salvos de terrível flagelo, seria então uma imagem esclarecedora do mistério da Cruz redentora de um Deus sempre rico em misericórdia. Outrora os que eram mordidos pelas serpentes deveriam levantar os olhos para uma serpente de bronze para logo serem salvos.  Agora, afirma Jesus, bastaria olhar para a Cruz na qual se operaria a salvação da humanidade ferida pelo pecado, para que fosse recebida a graça do perdão divino. Ao contrário dos fariseus, Cristo não proporia uma redenção ao retorno de uma observância escrupulosa dos preceitos, mas convidaria aos ditosos que cressem nele a acolher gratuitamente a vida nova que Ele oferecia da parte do Pai. Segundo Jesus, seria pela graça que os fiéis, de graça, receberiam a vida nova, fruto da fé inabalável nele.  Isto seria não pelo poder humano, mas sim um dom de Deus. Ninguém seria justificado pela prática da lei, mas pela fé no filho de Deus como bem ensinaria São Paulo (Gl 2,16). A lei mostra a incapacidade humana em corresponder aos apelos de Deus. Ela em si não permite realizar o bem ou evitar o mal, pois isto vem da luz e da força do Espírito Santo, da crença inabalável em Deus, da fé que cura e salva. O cristão iluminado pelas virtudes teologais tem o coração reforçado   que lhe permite produzir os verdadeiros frutos de justiça e santidade. É deste modo que o Espírito Santo pode em cada cristão realizar uma obra de recriação para formar o homem novo à imagem de Cristo Jesus pela Cruz que regenera e salva. Então as obras do discípulo de Cristo são feitas segundo Deus. Portanto, quem crê em Jesus não será condenado porque acolheu o Espírito Santo no batismo, e cuja presença é renovada a cada Comunhão eucarística, a cada Confissão numa participação renovada na vida divina. Esta vida divina que anima o mais íntimo do seguidor de Cristo tende então a se manifestar exteriormente, irradiando em torno do fiel a presença divina. Esta é a dinâmica da salvação na qual quem age segundo a verdade vem à luz, para que suas obras sejam reconhecidas como obras de Deus. Eis porque grandes santos fizeram e fazem obras maravilhosas com toda humildade, porque nunca deixaram de reconhecer que é a graça divina é que opera maravilhas. O cristão verdadeiro reconhece sempre sua fraqueza e atesta o que Jesus declararia: “Sem mim nada podeis fazer”. Incapacidade total de praticar o bem sem o auxílio divino, sempre olhando para a Cruz redentora, da qual vem a misericórdia celeste, que supera toda miséria humana É preciso, contudo, saber viver a misericórdia que vem da Cruz salvadora, reconhecendo a própria fraqueza para poder degustar a força que jorra da Trindade Santa. Aí está a razão pela qual quem crê no Crucificado tem a vida eterna (Jo 3,16). Não se trata de uma realidade vinda não se sabe de onde e em que ela consiste, nem de uma recompensa vindo coroar meros esforços terrenos. Ela não é eterna porque duraria indefinitivamente, mas é um favor de Deus que ultrapassa os limites do homem, penetrando, porém, todas as possibilidades de quem vive em função da potencialidade de uma Cruz que confere vida eterna. O cristão possui então uma qualidade de vida que supera a realidade da morte, vencido o “último inimigo” de que fala São Paulo (1Cor 15,26).  Vida eterna que a sombra da morte não pode paralisar nem inquietar. Jesus, porém, daria a vida eterna e quem vive e crê nele não morreria jamais (Jo 11,26). Nascer e receber a vida eterna é uma graça do amor de Jesus crucificado. A misericórdia e a dileção divinas são ofertas da bondade infinita de Deus, o qual quer que tenhamos a vida e a tenhamos em abundância (Jo 10,10). Deste modo, a fé conduz a nossa trajetória humana a uma vida eterna. São João nos lembra:” Nisto consiste o amor: não fomos nós que amamos a Deus, mas foi Ele que nos amou e nos enviou o seu Filho em expiação dos nossos pecados” (1Jo 4,10). Este perdão consiste na libertação da morte que pairou sobre a humanidade e a paralisou. Da cruz de Cristo, porém, jorrou a libertação do ser humano. É preciso saber encontrar nela a total libertação. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

 

 

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