A INCREDULIDADE
DOS NAZARENOS
Côn. José Geraldo
Vidigal de Carvalho*
Em Nazareth Jesus ficou decepcionado com a descrença
de seus concidadãos e lhes dizia: “Um profeta não é desprezado senão em sua
terra” (Mc 6,1-6). Como mestre Ele já havia deixado lições magníficas,
ensinando as multidões inclusive através de significativas parábolas. Como Deus
poderoso que era, numerosas as curas que operava, mostrando-se o grande
Profeta, taumaturgo onipotente, a quem os espíritos imundos obedeciam. Seus
ouvintes ficavam admirados e exclamavam: “Uma doutrina nova ensinada com
autoridade” (Mc 1,27). Entretanto, indo a sua terra Ele percebeu que lá sua
missão não fora decodificada “e não podia fazer ali nenhum milagre”. Hoje, como
outrora, Jesus vem a cada um, mas Ele não se impõe, não força ninguém a acatá-lo
como Messias e único salvador. Está escrito no Apocalipse> “Eis que estou à
porta e bato. Se algum ouve a minha voz e abre a porta, eu entrarei e tomarei a
refeição com ele e ele comigo! (Ap. 3,20),. Ele exige uma abertura do coração,
um acolhimento cordial. Ele não observa em cada pessoa o seu coração. Se este está disposto a
recebê-lo se dá o que ocorreu um dia com Zaqueu: “hoje a salvação chegou a esta
casa”.(Lc 19,9). Em Nazaré muitas portas se fecharam para Jesus É o que ocorre
com quem não crê na redenção de Deus, na sua ternura, na sua misericórdia, no
seu amor. Ficam, como os nazarenos, fechados na sua incredulidade. Somente aos
que o acolhem escutam o que foi dito a São Paulo: “Basta-te a minha graça, pois
é justamente na fraqueza que a força da graça mostra sua potência” (2 Cor
12,9). Na existência do cristão surge muitas vezes o conflito entre a visão da
fé e a vida cotidiana; entre o desejo de Deus e o peso dos hábitos; entre a
liberdade oferecida por Cristo e o apego às coisas materiais; entre o que Jesus
ensina e o que se faz, se diz e se pensa. Trata-se de uma tensão que tantas
vezes atordoa o fiel, mas este pode reagir com sucesso por entre as tarefas de
cada hora. É no cerne de nossas obrigações que cumpre louvar e servir a Deus,
guardando sempre um tempo para Ele a quem se deve consagrar tudo que se faz.
Assim como Jesus foi a Nazaré, ele vem a cada coração e deixa o apelo de nossa
conformidade com a vontade divina, com tudo o que Ele ensinou. É em sua vida
concreta que o cristão precisa reconhecer Cristo num ato de profundo amor. Eis
porque é tão importante viver na presença de Deus. Jesus fará então que cresça
o entusiasmo pelo progresso espiritual na certeza de que podemos amá-lo onde estivermos, tais como
somos, com todas as nossas energias apesar de todas as misérias do corpo de da
alma. Isto numa luta perseverante porque os sentimentos humanos são muito
flutuantes. Os habitantes de Nazaré pensavam que conheciam Jesus, mas, de fato,
não o reconheciam somente como o carpinteiro, um concidadão como outro
qualquer. No entanto Ele já se apresentava num contexto muito maior, contexto
anunciado pelos profetas. Por isto, ele foi embora de Nazaré sem aí fazer
grandes coisas. Continuou em outros lugares sua missão no encontro com pessoas que nele creriam e por Ele seriam
salvas. Num outro horizonte um encontro maravilhoso para multidões que
apinhoariam em seu derredor e proclamariam que Ele era o Filho de Deus. Em
Nazaré sua mensagem estava bloqueada. Esta situação de incompreensão ou de não
aceitação do Evangelho seria vivida por muitos através dos tempos. Muitos que
diante das aflições, dos problemas na família, no trabalho, na sociedade em
geral haveriam de desprezá-lo. Jesus foi a Nazareth e foi recusado. Isto serve de alerta, pois bem se expressou Santo Agostinho:
“Temo a Jesus que passa e pode não voltar”. Cumpre que sempre percebamos Jesus
passando às portas de nosso coração que só se abre por dentro, dado que Ele
respeita a liberdade de cada um. Cristo não arromba a porta, mas bate
suavemente. Pede acolhida e quer um diálogo amigo, salvador, mas exige muita
sinceridade da parte de cada um. Ele deseja que tenhamos sempre a disposição e
a maleabilidade à graça de sua presença. A Deus que vem até nós é preciso dizer
com Davi: “Fazei-nos ver, Senhor, teu amor e dai-nos vossa salvação” (Sl 84,8).
Segundo o salmista, “o que Ele diz é a paz para seu povo e seus fiéis e que
eles não voltem nunca a sua loucura” (Idem, v 9).”. Não se pode,
realmente, nunca deixar passar a hora de Deus que continuamente distribui suas
mensagens salvíficas. Não é necessário realizar grandes coisas para que Jesus
nos convide a estar com Ele. É preciso saber captar suas inspirações e segui-las
com fé e prontidão. O importante é saber acolher sua misericórdia infinita com
alegria e perseverança. Ofereçamos a Ele nossa disposição de progredir sempre
mais espiritualmente e ele fortificará o nosso espírito, solidificará nossas
resoluções e nos cumulará de graças maravilhosas que não lhe foi possível dar
aos habitantes de Nazaré. * Professor no
Seminário de Mariana durante40 anos.
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