A MÍSTICA DO
SILÊNCIO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O silêncio é necessário para que se
possa penetrar na grandeza incomensurável do Ser Supremo. Supõe maleabilidade e
acessibilidade às influências das moções divinas. Isto é condição basilar para
se atingir a maturidade espiritual que deve ser uma meta de todo aquele que tem
fé. O primeiro passo para se poder envolver inteiramente na luz celestial é
evitar a dispersão, inimiga peremptória da concentração. O bulício é óbice a um
diálogo com Deus, pois “non in comotione
Dominus" - o Senhor não está na
agitação. Quando o cristão age longe do tumulto, esta atitude muito agrada a
Deus. Os demais passos tornam-se mais fáceis. Entre o "mundo" e
"Deus" o posicionamento se torna claro, radical e definitivo.
Verifica-se o sim verdadeiro de quem quer estar unido ao Pai celeste. Eis
porque é preciso aprender a fazer silêncio para que seja viável o aprimoramento
interior e, em consequência, a transformação de todo o ser. É possível a
taciturnidade mesmo que não se esteja
dentro de um mosteiro. Encontrar um espaço para estar a sós com Deus é questão
de preferência. Criar um ambiente para a abertura ao contato com o Espírito
Santo significa a disposição implícita de escutá-lo, já tendo, inicialmente, o
cristão se proposto à observância sincera e perseverante dos mandamentos
sagrados do Decálogo e se colocado numa atitude de profunda humildade. Dá-se,
deste modo, a possibilidade da imersão no mistério do Deus três vezes santo.
Desta maneira, as orações ganham sentido. O terço, por exemplo, se torna uma
prece vocal e, ao mesmo tempo, mental pela contemplação atenta dos grandes
episódios bíblicos. A leitura pausada de trechos da Sagrada Escritura passa a
propiciar oportunidade ímpar para que o Espírito Santo fixe suas diretrizes as
quais são então acatadas como resposta instantânea ao seu Senhor. Ocorre, neste
caso, a admirável adaptação da criatura a seu Criador. Eis um primeiro fruto do
silêncio. Ele enseja ao cristão compreender que o estar com Deus não representa
se alienar do que o rodeia numa fuga condenável das tarefas cotidianas e,
também, fuga do interesse pelo próximo. Ao contrário, revigorado com estes
instantes de união com Deus o fiel compreende que silêncio sem apostolado é vão
egoísmo e sem ele o cumprimento do dever de cada instante é fatuidade. Com
efeito, aquele que se entrega a momentos de uma oração silenciosa coloca em
ordem seu interior e quer, depois, irradiar paz, serenidade, tranquilidade,
imperturbabilidade em seu derredor, fazendo bem tudo que deve fazer em proveito
dos outros. Apenas assim se chega à sabedoria e à inteligência espiritual de
que fala São Paulo aos Colossenses. Esta sabedoria conduz a um comportamento
digno do Senhor, tudo transformando em pensamentos, desejos e ações agradáveis
a Ele. É, deste modo, que a vida do cristão produz, de fato, frutos abundantes
e o seguidor de Cristo cresce continuamente no conhecimento de Deus numa
sublime atitude perseverante e paciente. É preciso, portanto, saber e experimentar
todas as alegrias de se sentir salvo amado por Aquele que é o oceano infinito
de amor. Tudo que aconteceu no passado fica entregue confiadamente à
Providência divina. O futuro o cristão jubilosamente o confia a Deus. O dia de Deus se torna o Deus sempre
presente, duração viva, sem trevas, tristezas, fobias. É que os momentos de
silêncio se convertem em instantes felizes nos quais a alma como que
inefavelmente toca o Infinito. Portanto, nunca se cultiva demais o silêncio
interior. São João da Cruz explicou que o silêncio do ser humano não se esconde
atrás de sua própria vida e ele não é o que se crê procurar em um lugar inacessível,
quando a fadiga, as decepções nos esmagam e nos afligem. O silêncio leva a
perceber a vida na fonte de toda felicidade que é Deus, o único que pode lançar
em nós uma porção de uma ventura infinita. Segundo o citado São João da Cruz o silêncio é
o imenso espaço interior onde a presença de Deus procura a nossa presença, onde
nossas vidas se mergulham numa infinita, inexprimível e divina estabilidade,
Viver intensamente no silêncio a presença de Deus é difícil, mas não é
impossível para qualquer cristão. Como ocorreu com o Profeta Elias, Deus passa
como uma brisa ligeira (1 R 19,12). É preciso estar vigilante para escutar as
inspirações divinas que indicam o caminho da intimidade com Deus num inefável
recollhimento. Jesus advertiu Marta: “Marta, Marta tu te inquietas e agitas por
muitas coisas, entretanto é preciso pouco, uma só é necessária. É Maria que
escolheu a melhor parte, ela não lhe será tirada” (Lc 10,41-42). Trata-se de
uma questão de opção reservar instantes de um maior contato com a divindade e então
o coração já pode degustar deste modo nesta terá um pouco da ventura do céu. O
silêncio com Deus é uma adesão a Ele num oferecimento total de si mesmo, numa
adoração sincera, envolta num amor sem limites. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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