segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A PARÁBOLA DOS DOIS IRMÃOS

A PARÁBOLA DOS DOIS IRMÃOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Dois irmãos diferentes e duas atitudes que merecem reflexão é o que Jesus apresenta numa de suas parábolas, todas elas tão ricas de ensinamentos (Mt 21,28-32. Um dos filhos a quem o pai mandou trabalhar na vinha disse que não queria ir, mas mudou de opinião e obedeceu à ordem recebida. Na atitude  humana diante de Deus há sempre ocasião de uma conversão, ou seja, uma metanoia, um arrependimento. Aí está um dos temas centrais de todo o Evangelho. Para todos   os seres humanos  há um tempo para mudar de mentalidade e fazer a vontade divina e não a própria pretensão. Num momento de reflexão é possível vislumbrar uma perspectiva diversa do próprio egoísmo que barra a adesão ao que Deus quer. Os recados do Senhor de tudo estão sempre envoltos em amabilidade, ternura. Como o Pai da parábola, ele diz suavemente;: “Filho, vai trabalhar na vinha”. Esta é uma realidade sublime ser filho predileto do Ser Supremo. São João proclamou magnificamente: “Vede que grande amor nos tem concedido o Pai, a ponto de sermos chamados filhos de Deus; e, de fato, somos filhos de Deus” (1 Jo 3,1); Se assim é, cumpre agir em consequência, pois tal pai nunca ordena algo que vá prejudicar aquele que ele ama tão ternamente. É necessário sempre uma filiação responsável que conduza inclusive a uma mudança de atitude errônea. A ordem de Deus  é dirigida individualmente, como se  pode notar nesta parábola, na qual o Pai se dirige a cada um dos dois filhos. Havia premência na obediência à determinação dada: “Vai hoje trabalhar na vinha”. .Há urgência no trabalho na vinha do Senhor, ou seja, na evangelização, na divulgação das mensagens deixadas por Cristo, visando a conversão dos que se acham longe dele. A vinha na Bíblia é a humanidade e cada um individualmente. Deus quer que haja empenho na construção do ser humano para que este se envolva na paz, na alegria estando apto a  possuir a vida divina. É levar a esperança àquele que está desesperando, infeliz por andar em caminhos tortuosos. Todos são chamados para o Reino de Deus, mas é preciso  haja quem trabalhe na vinha do Senhor, como fez o jovem da parábola que pensou e atendeu a decisão do pai. O outro filho disse que ia trabalhar e não foi. Deste procedimento fluem também lições preciosas. Diante do bem a ser feito é mais fácil querer do que fazer, falar do que agir. Este segundo filho desejou ir, mas não obedeceu ao pai. Deu um sim e não  atuou de acordo com o que dissera. . Queria praticar o bem, obedecendo, mas o mal estava junto dele e ele desobedeceu ao pai. Não basta na vida do cristão a boa vontade e isto é uma dificuldade bem real. São os que não contemplam claramente a felicidade de seguir em tudo a vontade de Deus e são, por vezes, agitados, tentados  por uma legião de demônios. É dramático não acatar os desígnios de Deus, dizendo a Ele na prática um não definitivo  que é a porta aberta para perda da felicidade eterna. Trata-se de uma situação crítica que pode se tornar irreversível. É verdadeiramente problemático quando alguém recusa o elã de vida que Deus propõe. Nesta parábola o filho que disse não e se arrependeu  foi trabalhar na vinha e isto sem outras intenções egoísticas. O trabalho na vinha do Senhor não pode ser motivado por temor, mas precisa ser fruto do amor de quem é chamado de filho bem amado do pai. A recompensa, a eternidade feliz, é uma consequência e não a razão última da obediência à lei de Deus. É preciso sempre total coerência na existência do cristão que não deve viver de aparências.  A fé interior de cada um não pode ser guiada por interesses pessoais, mas por um profundo amor ao Pai celeste. Não basta parecer cristão, mas sim ser verdadeiramente cristão. Deus não pede nunca o impossível. Na imagem do filho que pensou, voltou atrás e foi trabalhar na vinha  Deus mostra que o retorno é  possível. Ele não fecha nunca a porta para as almas, mesmo num momento de rebeldia. Se alguém quer retornar a Deus e mudar  de vida pode fazê-lo  e Deus o acolhera sempre de braços abertos. Somos o que praticamos. Deste modo, modo nosso amor se mostra de acordo com o cumprimento de sua vontade santíssima. É isto que a cada instante define e retrata seu verdadeiro filho. É arrepender-se e se esforçar por fazer esta sua vontade sapiente de Deus.   O  obediente sempre cantará vitórias” * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE VIÇOSA

DISCURSO DO CÔNEGO JOSÉ GERALDO VIDIGAL DE CARVALHO, PRESIDENTE HONORÁRIO DO IHGV NA SESSÃO SOLENE DA INSTALAÇÃO DESTE INSTITUTO DIA 21 DE SETEMBRO DE 2017.
Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal de Viçosa, Ângelo Chequer, demais ilustres membros desta Mesa, prezados amigos e amigas, cuja presença prestigia imensamente esta cerimônia.
Gratias agimus Deum  - Damos graças ao Senhor

21 de setembro, dia marcante para a História de Viçosa, data fulgente da instalação oficial de seu Instituto Histórico e Geográfico, “Casa de Alexandre de Alencar”. Fundado dia 10 de novembro de 2016, este Instituto tem por objetivo cuidar da preservação da História desta cidade universitária, dar incentivo a novos estudos de natureza histórica e geográfica, bem como a organização de documentos relacionados à origem e desenvolvimento de uma das mais importantes cidades do Brasil. Acabamos de diplomar o primeiro Presidente deste Instituto, o historiador Dr. Henrique Cruz Neto, que vai empossar os demais 26 membros efetivos, considerados fundadores. Serão também homenageados os sócios honorários e beneméritos, num total de 40 baluartes desta novel Instituição. Dia primeiro deste glorioso mês de setembro tivemos o prazer de receber na Casa da Praça do Rosário dois idealizadores deste Instituto, o sábio e incansável batalhador da cultura viçosense, José Mário Rangel; o consagrado Professor Dr. Vicente de Paula de Souza Castro, que o apoiou desde o início nos trabalhos de organização desta Instituição e o notável historiador Dr. Henrique Cruz Neto, já empossado como o primeiro Presidente. Fizeram-me então a comunicação de que este historiador e professor seria o Presidente Honorário deste Instituto. Título sumamente honorífico recebido com gratidão e profunda emoção por quem já pertence ao Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Cabe a todos os membros do Instituto Histórico e Geográfico de Viçosa mostrar os valores que, através dos tempos, tem feito desta cidade a pioneira na concretização dos mais vibrantes ideais cívicos, graças às atuações dos que aqui já viveram e atualmente vivem. Instituto Histórico e Geográfico, porque embora a História esteja relacionada com todas as demais ciências sociais, sua ligação com a Geografia é ainda maior. Com efeito, deste os tempos de Hecateu de Mileto e de Heródoto, este considerado o Pai da História, se associou a Geografia a esta ciência dos atos humanos do passado e dos fatores que neles influenciaram vistos na sua sucessão temporal. Chegou-se até a pretender englobar definitivamente a geografia humana à história, ficando a geografia física como um estudo à parte. Seja dito inclusive que Lucien Lebvre no seu livro La terre et l`évolution humaine traçou com muita pertinência a linha  mestra  de uma história geográfica. Ressalte-se que um Instituto como este, hoje aqui instalado, visa também incrementar o patriotismo a começar da cidade na qual se vive. Na verdade, a seiva desta terra viçosense circula em nossas veias, o granito de sua história  compõe o nosso caráter, a beleza de sua natureza  resplende em nosso modo de ser, suas entranhas irrompem em nossa existência, nela mergulha a raiz de nossa consciência cívica e religiosa. Com razão Byron lançou esta interrogação que nesta hora solene entusiasticamente repetimos:  “Não fazem estes céus, águas e serras, /   Uma parte de mim e eu parte delas”? Eis porque cumpre cultivar cada vez mais tudo que a esta urbe diz respeito, ou seja, sua origem, suas tradições, seu contributo para o progresso do Brasil, porque tudo isto nos repassa até o fundo de nossas vidas. Aliás, com todas as características do mineiro, criado geograficamente entre decantadas montanhas o que o torna um ser que pensa profundamente, assimilando o que é justo e verdadeiro, irradiando por toda parte sua peculiar iluminadora mundividência. A instalação deste Instituto Histórico e Geográfico de Viçosa é, portanto, um ato de amor a esta querida cidade e fará ainda mais exaltados seus heróis, os seus poetas, os seus sábios, porque eles traduziram e traduzem em seus feitos e em suas obras algo mais excelso que o gênio e a glória pessoal, dado que traduzem e sintetizam o gênio e glória de uma urbe que deu ao Brasil o melhor Presidente da República de todos os tempos, como foi a figura impoluta de Arthur da Silva Bernardes. Quer para a História, quer para a Geografia há necessidade, entretanto, de uma documentação adequada, organizada por um arquivista competente. O historiador tem sempre em mente o princípio basilar pas de document,  pas d`histoire - não há documento não há história. Donde a importância do Arquivo Histórico Municipal “Prof. Arduíno Bolivar”, bem com os documentos do Legislativo Municipal que se acham numa das dependências do prédio à Rua Arthur Bernardes, 95. Note-se ainda que há todo um trâmite sobre os Documentos do judiciário que se encontram no Fórum, dependendo do convênio com a Universidade Federal de Viçosa, onde funciona  um dos mais conceituados Cursos de História de todo o país. De acordo com a metodologia todos os documentos passam pela crítica interna e externa, sendo que a base do espírito histórico é caracterizado pela crítica metódica. Cabe ao historiador julgar o valor de cada documento. Não se pode depositar uma confiança ingênua em textos mal embasados. A crítica externa a verificar a origem do documento e a forma na qual se apresenta o que, é claro, obvia o perigo das falsificações. A crítica interna conduz à análise do conteúdo do documento. O historiador se torna então um hermeneuta para chegar a uma interpretação adequada do que é relatado. Por certo este Instituto Histórico e Geográfico de Viçosa batalhará para que técnicas ultramodernas estejam sendo empregadas pelos organizadores dos referidos arquivos. Perante uma documentação segura, o Historiador erudito, tudo situando num contexto geográfico, econômico e sociológico, poderá contribuir cientificamente para um conhecimento que ele trará a lume através dos recursos da tecnologia da informação. O grande objetivo dos historiadores se torna então possível e eles podem captar os fatos históricos, sabendo que um fato é histórico quando possui, conjuntamente, as qualidades de um evento passado, sendo portador de consequências. É que o fato histórico corresponde, incontestavelmente, à matéria-prima da História.  Ele é o objeto intelectual da pesquisa. Os fatos passados pertencem de modo especial à História, dado que oferecem ao  historiador o recuo na escala do tempo. Para conseguir, entretanto, escapar da insídia da seleção errônea dos documentos, a fim de se esquivar do perigo da falsidade e da manipulação das informações a que tem acesso, enfim para fazer uma apropriada e válida História, o historiador deve sair de si mesmo, necessita se tornar acessível, indo ao encontro da realidade. Este esforço histórico só é possível se há neste cientista social o desejo de atingir a verdade, de estar disponível a captar o que os documentos têm, de fato, a revelar, evitando projetar sobre eles idéias preconcebidas ou teorias preestabelecidas, eivadas de um subjetivismo deletério. O passado pode nos locupletar apenas se o procurarmos livres de qualquer tipo de posicionamento preconceituoso. Então, com uma boa documentação em mãos, bem trabalhada, o expert da ciência histórica é capaz de discernir os acontecimentos importantes e suas reais implicações. Revela-se desta forma um historiador abalizado. Desta maneira, se justifica e se torna até necessária a publicação de textos redigidos por parte dos membros deste Instituto, cuja produção histórica deverá chegar aos interessados inclusive através do site desta agremiação. Parte-se do princípio de que não basta que um fato tenha verdadeiramente existido numa época anterior para que sua existência seja histórica. É preciso que tal existência tenha sido manifestada. Daí ser imprescindível sua divulgação. Grande importância terão no site deste Instituto os boletins mensais relatando as pesquisas em andamento, textos bem elaborados, incentivando novos estudos. Caberá ao Presidente empossado, Dr. Henrique Cruz Neto, providenciar na web a hospedagem e o domínio do site deste Instituto o que será possível com o apoio e prestígio do Chefe do Departamento Municipal de Cultura de Viçosa e secretário-geral do Conselho Municipal de Política Cultural, José Mário Rangel. Crescerá deste modo o apreço à História em todos os seus aspectos e um destes aspectos é o que o referido Presidente deste Instituto, Dr. Henrique Cruz Neto, trabalha com rara sabedoria e perseverança que é a genealogia da família Lopes Carvalho e suas ramificações. Eis aí algumas reflexões metodológicas que a Instalação deste Instituto traz à baila. Adite-se a tudo isto que neste 21 de setembro se festeja também um grande historiador, ou seja, o Evangelista Mateus que nos legou lances maravilhosos e bem fundamentados da História de Jesus de Nazaré, o maior personagem de todos os tempos e lugares. Dentre os textos deste Evangelista se destaque o registro que ele fez do Sermão da Montanha. Este sermão é a carta magna da nova ordem fundada por Cristo. Proferido por Jesus numa colina próxima a Cafarnaum, entre a segunda Páscoa e o Pentecostes seguinte, tem como tema central a verdadeira justiça, ou seja, a perfeição ética, indispensável ao verdadeiro cidadão. Como bom historiador São Mateus também não inventa episódios como os escritos apócrifos que violam a realidade histórica com ficções literárias, no intuito de alimentar a fantasia de seus leitores. Mostra um personagem cujo ensinamento supera de muito a ciência dos filósofos e sábios deste mundo, porque suas palavras são espírito e vida jamais esgotados pela inteligência humana. É que Cristo e o homem são como a pergunta e a resposta, o problema e a sua solução. Quem acha nele a resposta de suas indagações e a solução de seus problemas está salvo e será um cidadão prestante. São Mateus e Jesus Cristo, haverão  eles, também, de iluminar os trabalhos deste Instituto. Além disto, hoje se comemora o Dia da árvore. Frondosas árvores nos lembram, igualmente, o caminho arborizado até à Universidade Federal de Viçosa que possui decantados bosques com seus ambientes silenciosos e aconchegantes. Pois bem, nesta cidade está sendo hoje plantada outra árvore frondejante que é esse Instituto.  Frutos históricos há de dar esta árvore, frutos opimos para a cultura viçosense cuja história bem estudada se constituirá um farol para as futuras gerações. Se plantar uma nova árvore significa produzir mais oxigênio, grande a responsabilidade dos integrantes deste Instituto cuja missão é também oxigenar, clarear, revigorar ainda mais a cultura histórica viçosense. Que esta árvore indique uma passagem segura para as regiões iluminadas do amor à História e à Geografia desta gloriosa Cidade de Viçosa. A exemplo do que se diz da histórica cidade de Mariana, também se pode afirmar “Viçosa docet” – Viçosa ensina e este Instituto Histórico e Geográfico estará confirmando ainda mais esta assertiva. Por tudo isto gratias agimus Deum – damos graças a Deus.  Dixi in fide sacerdotis et magistri

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O VALOR DO SER HUMANO

O VALOR DO SER HUMANO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Uma leitura superficial da Bíblia pode levar a uma visão errônea da pessoa humana. O homem e a mulher, realmente, nascem com o pecado original, inclinados para o mal. Entretanto, quando se penetra fundo nos desígnios de Deus, pelas Sagradas Escrituras, se pode perceber a suma dignidade daqueles que foram criados à imagem e semelhança divina, possuidores de uma alma espiritual, destinados à vida eterna, remidos que foram pelo sangue precioso do Filho de Deus. Este se encarnou para a todos redimir. O homem e a mulher dotados de inteligência possuem a faculdade de conhecer seu Criador, fonte inexaurível de todo o bem. A Ele, pela vontade iluminada pela fé, podem se unir de uma maneira inefável. Recebida no batismo a graça santificante, passam a ser o templo vivo do Espírito Santo, participantes da mesma vida divina. Podem aspirar então a estar mais intensamente sempre na presença do Ser soberano, infinito, único capaz de oferecer a verdadeira felicidade. Pulsa o coração humano com desejos recrescentes que somente no Senhor Todo-poderoso encontram resposta, jamais deparada longe dele. A alma, que é espiritual e imortal, tende para Aquele que existe desde toda eternidade e só nele encontra solução para todos os problemas inerentes à caminhada neste mundo, Adite-se, porém, que, quando alguém entra dentro de si mesmo e percebe o anseio por uma ventura sem fim, intui claramente que há condições para se chegar a tal beatitude. Com efeito, o reto uso da liberdade, tendo como referencial o Decálogo, é imprescindível para se estar unido a Deus. Este precisa ser servido e amado sobre todas as coisas para que se possa gozar, já neste mundo, de paz e total imperturbabilidade. Por tudo isto, fica clara a importância do ser humano que tem possibilidade de alçar voos para a mais alta espiritualidade, se desprendendo das ilusões terrenas, não se deixando aprisionar na materialidade. A graça divina leva à vitória sobre as insinuações do espírito do mal. Então aquele que corresponde às inspirações que lhe vêm do céu nunca se deixa escravizar pelas paixões que degradam quem é chamado a possuir Deus neste mundo e por toda a eternidade. O cristão é um cidadão da pátria celeste e deve corresponder a sua sublime vocação. Ao meditar nos sofrimentos do Redentor, Deus e homem verdadeiro, é capaz de captar o quanto é terrível o pecado cuja reparação exigiu o sacrifício de Bem-amado do Pai. Além disto, em consequência, se percebe o valor incomensurável de uma alma. Ela mereceu que o Filho de Deus se humilhasse, se sacrificasse para a fazer eternamente feliz. Daí a luta constante contra o mal para não tornar inútil a dolorosa paixão e morte de Jesus. A perversidade dos ímpios é, portanto, de uma gravidade sem limites. O preço da salvação pago pelo divino Salvador da humanidade deve levar a todo aquele que reflete a valorizar o tesouro inestimável de uma redenção que conduz à glória eterna. O mau uso da liberdade leva por isto mesmo a horripilas consequências. Entretanto, o verdadeiro cristão confiado na graça divina nada terá a temer e marcha, perseverantemente, para a casa do Pai. Ai o aguarda a bem-aventurança eterna. A grandeza do ser humano é manifestada em inúmeras páginas da Bíblia. O salmo 138, por exemplo, Davi assim se dirige a Deus: “Fostes vós que plasmastes as entranhas de meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe. Sede bendito por me haverdes feito de modo tão maravilhoso. Pelas vossas obras tão extraordinárias, conheceis até o fundo a minha alma (Sl 138, 13-14). São João deste modo se expressou: “Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo que lhe deu seu Filho único para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna". Pois Deu não enviou o seu Filho ao mundo para condená-lo, mas para que o mundo seja salvo por ele (Jo 3, 16-18). Donde o clamor de São Leão Magno: “Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias da tua vida passada. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não te esqueças de que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz e para o Reino de Deus". É sempre necessário pensar em todas estas verdades. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

OPERÁRIOS DA VINHA

OPERÁRIOS DA VINHA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Trabalhadores contratados em diferentes horas para o mesmo serviço recebem do patrão da vinha o mesmo salário (Mt 20,1-16). Isto suscita reclamações e o contratante tem que se explicar, mostrando que pagava a cada um o que havia prometido, ou seja, um dinheiro por dia. Este estipêndio representa a vida eterna, dom precioso que Deus reserva para todos. Quando os últimos aceitam o convite para o trabalho oferecido, eles se tornam os primeiros, enquanto os primeiros corriam o risco de se tornar os últimos. Dentre as lições desta parábola aparece claro que o patrão não tolera a inatividade. Ele quer todos engajados no serviço. Magnífica a oportunidade dada aos primeiros, pois lhes era facultado trabalhar na vinha do senhor e se colocar a seu serviço colaborando com sua obra. Isto já era em si uma recompensa, não obstante todos os esforços. Entretanto, no que tange a vinha de Deus somente aquele que O ama e a seu reino compreende tal atitude. Quem é interesseiro e apenas quer servir a Deus pelo salário em si, jamais compreenderá o valor do chamado divino.  a lógica de Deus é diferente da dos homens. Pelo profeta Isaias Ele já dissera: “Vossos pensamentos não são os meus pensamentos e meus caminhos não são os vossos caminhos (Is 55,8)”. Notável o que aconteceu com São Paulo que depois dizia que era a graça de Deus que agiu nele. Esta graça o transformou de perseguidor da Igreja em apóstolo das nações. Ele compreendeu que trabalhar para o Senhor é de si uma recompensa. O importante, portanto é saber sempre escutsar e atender os apelos do Senhor e poder perceber a felicidade de trabalhar generosamente para o Reino dos Céus. Muitos que são chamados por último, por vezes, são mais eficientes e realizam uma obra mais admirável do que aqueles que por mais tempo laboram na seara de Deus, A iniciativa do chamado ao Senhor pertence. Através dos tempos Ele sai à procura de operários, de profetas, que queiram se colocar à sua disposição. Trata-se da instauração da mensagem do Evangelho no mundo, no coração dos homens. Isto para o bem de toda a humanidade. Ele quer generosidade e o fato de O servir já é um grande prêmio. Os notáveis missionários de todos os tempos enfrentaram a fadiga, o calor, o sofrimento, mas com olhos fixos na glória eterna e não em bens terrenos. É lá no céu que cada um, de acordo com o empenho na evangelização, perceberá o valor de sua disposição em se entregar a um apostolado consciente e eficiente O principal é deixar o julgamento de qualquer atividade evangelizadora ao Senhor. Trata-se de uma questão de absoluta confiança nele. Ele é o proprietário da vinha que espera a cooperação de cada batizado que precisa lhe dar o que tiver de melhor a seu alcance. Primeiros ou últimos todos somos iguais diante de Deus, mesmo porque o salário a que se refere a parábola é a salvação eterna. Esta pode ser obtida até na última hora como aconteceu com o Bom Ladrão lá no Calvário. Muitas vezes há um grave equívoco no que tange o viver mal e se converter no fim da vida, porque quem por mais tempo vive de acordo com os preceitos divinos e pratica as virtudes já degusta nesta terra uma porção da felicidade perene do céu. Aquele que está imerso no pecado não é nunca feliz e amarga uma existência sem a paz da consciência. Prazeres mundanos, orgias nunca trazem a verdadeira ventura para o coração. Deste modo, os operários da primeira hora já são recompensados por estarem a serviço do Reino de Deus. Trata-se de uma questão de fé e não de compromisso meramente social de um contrato de trabalho. Deste modo, o velho princípio grego não é infligido, pois “a cada um é dado segundo seu procedimento”. Muito merecimento há em si mesmo no serviço de Deus.. Numa parábola se deve, portanto, ir ao significado mais profundo da mesma e ao que ela quer ensinar. Além de tudo que foi dito, muito lamentável foi a atitude egoísta dos que reclamaram do seu patrão, mostrando que a solidariedade não estava em seus corações. Toda inveja necessita ser banida, porque o amor afasta sempre qualquer inveja. O amor fraterno é sem limites e exige muita generosidade. No caso desta parábola o dono da vinha não fez nada de ilegal, mas cumpriu o que prometera a cada um. Deus dá a todos oportunidade para atender o seu chamado e sabe recompensar.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

A MÍSTICA DO SILÊNCIO

A MÍSTICA DO SILÊNCIO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O silêncio é necessário para que se possa penetrar na grandeza incomensurável do Ser Supremo. Supõe maleabilidade e acessibilidade às influências das moções divinas. Isto é condição basilar para se atingir a maturidade espiritual que deve ser uma meta de todo aquele que tem fé. O primeiro passo para se poder envolver inteiramente na luz celestial é evitar a dispersão, inimiga peremptória da concentração. O bulício é óbice a um diálogo com Deus, pois “non in comotione Dominus" - o Senhor não está na agitação. Quando o cristão age longe do tumulto, esta atitude muito agrada a Deus. Os demais passos tornam-se mais fáceis. Entre o "mundo" e "Deus" o posicionamento se torna claro, radical e definitivo. Verifica-se o sim verdadeiro de quem quer estar unido ao Pai celeste. Eis porque é preciso aprender a fazer silêncio para que seja viável o aprimoramento interior e, em consequência, a transformação de todo o ser. É possível a taciturnidade mesmo que não  se esteja dentro de um mosteiro. Encontrar um espaço para estar a sós com Deus é questão de preferência. Criar um ambiente para a abertura ao contato com o Espírito Santo significa a disposição implícita de escutá-lo, já tendo, inicialmente, o cristão se proposto à observância sincera e perseverante dos mandamentos sagrados do Decálogo e se colocado numa atitude de profunda humildade. Dá-se, deste modo, a possibilidade da imersão no mistério do Deus três vezes santo. Desta maneira, as orações ganham sentido. O terço, por exemplo, se torna uma prece vocal e, ao mesmo tempo, mental pela contemplação atenta dos grandes episódios bíblicos. A leitura pausada de trechos da Sagrada Escritura passa a propiciar oportunidade ímpar para que o Espírito Santo fixe suas diretrizes as quais são então acatadas como resposta instantânea ao seu Senhor. Ocorre, neste caso, a admirável adaptação da criatura a seu Criador. Eis um primeiro fruto do silêncio. Ele enseja ao cristão compreender que o estar com Deus não representa se alienar do que o rodeia numa fuga condenável das tarefas cotidianas e, também, fuga do interesse pelo próximo. Ao contrário, revigorado com estes instantes de união com Deus o fiel compreende que silêncio sem apostolado é vão egoísmo e sem ele o cumprimento do dever de cada instante é fatuidade. Com efeito, aquele que se entrega a momentos de uma oração silenciosa coloca em ordem seu interior e quer, depois, irradiar paz, serenidade, tranquilidade, imperturbabilidade em seu derredor, fazendo bem tudo que deve fazer em proveito dos outros. Apenas assim se chega à sabedoria e à inteligência espiritual de que fala São Paulo aos Colossenses. Esta sabedoria conduz a um comportamento digno do Senhor, tudo transformando em pensamentos, desejos e ações agradáveis a Ele. É, deste modo, que a vida do cristão produz, de fato, frutos abundantes e o seguidor de Cristo cresce continuamente no conhecimento de Deus numa sublime atitude perseverante e paciente. É preciso, portanto, saber e experimentar todas as alegrias de se sentir salvo amado por Aquele que é o oceano infinito de amor. Tudo que aconteceu no passado fica entregue confiadamente à Providência divina. O futuro o cristão jubilosamente o confia a Deus.  O dia de Deus se torna o Deus sempre presente, duração viva, sem trevas, tristezas, fobias. É que os momentos de silêncio se convertem em instantes felizes nos quais a alma como que inefavelmente toca o Infinito. Portanto, nunca se cultiva demais o silêncio interior. São João da Cruz explicou que o silêncio do ser humano não se esconde atrás de sua própria vida e ele não é o que se crê procurar em um lugar inacessível, quando a fadiga, as decepções nos esmagam e nos afligem. O silêncio leva a perceber a vida na fonte de toda felicidade que é Deus, o único que pode lançar em nós uma porção de uma ventura infinita.  Segundo o citado São João da Cruz o silêncio é o imenso espaço interior onde a presença de Deus procura a nossa presença, onde nossas vidas se mergulham numa infinita, inexprimível e divina estabilidade, Viver intensamente no silêncio a presença de Deus é difícil, mas não é impossível para qualquer cristão. Como ocorreu com o Profeta Elias, Deus passa como uma brisa ligeira (1 R 19,12). É preciso estar vigilante para escutar as inspirações divinas que indicam o caminho da intimidade com Deus num inefável recollhimento. Jesus advertiu Marta: “Marta, Marta tu te inquietas e agitas por muitas coisas, entretanto é preciso pouco, uma só é necessária. É Maria que escolheu a melhor parte, ela não lhe será tirada” (Lc 10,41-42). Trata-se de uma questão de opção reservar instantes de um maior contato com a divindade e então o coração já pode degustar deste modo nesta terá um pouco da ventura do céu. O silêncio com Deus é uma adesão a Ele num oferecimento total de si mesmo, numa adoração sincera, envolta num amor sem limites. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos. 

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

A CARIDADE FRATERNA

A CARIDADE FRATERNA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

A correção fraterna abordada por Jesus é um dos temas mais delicados e mais importantes o qual precisa ser bem compreendido (Mt 8,15-20). Se em todas as relações humanas há necessidade de tato, bom senso e suma delicadeza, em se tratando da caridade entre irmãos um cuidado maior se deve ter. Há o perigo de se resvalar na rigidez insensata ou num moralismo indesejável. Isto é tanto mais complexo quando se vive num contexto paradoxal, pois de um lado há um lamentável relativismo, de outro um laxismo inteiramente condenável. Cada um quer impor sua verdade e no plano moral se lançou o slogan tendencioso: “É proibido proibir”. Este mote, embora contraditório, pois já é em si uma proibição, tende a fixar a ideia de que cada um pode proceder como quiser, sem normas morais que regulem a conduta pessoal ou social.  Os meios de comunicação social favorecem a desconstrução de toda ética. Deste modo se torna ainda mais difícil a correção fraterna preconizada por Cristo, cuja orientação traz luz preciosa para questão tão intricada. O ponto de partida para entender o que Jesus ensinou é o conselho que Ele deu ao jovem rico: “Se queres entrar na vida eterna, observa os mandamentos”. Portanto, nada de relativismo nem de laxismo. Trata-se de uma conduta que leva à salvação eterna. Há uma responsabilidade individual e coletiva para que todos atinjam a vida perene no Reino dos Céus. Existe um projeto divino que leva à felicidade perene na outra vida. É aí que entre a caridade fraterna para mostrar aos que se extraviam a importância da revisão de vida. Não se trata de julgar os outros, mas de exortar, de advertir, mostrando o caminho da perfeição cristã, da lei da santidade recomendada pelo Evangelho. Eis a ordem de Deus: “Tu advertirás de minha parte!” como se lê no Profeta Ezequiel (Ez 33,7-9). O Legislador e o Juiz é o Senhor Onipotente. Os bons cristãos são os guardas estabelecidos por Ele para orientar os irmãos e irmãs, como registrou o Profeta Isaias (Is 62,5). Conselhos oportunos e sábios para que se fuja do caminho da perdição (Sab 5,7). Esta atitude está longe de um moralismo acusador, por ser uma advertência cautelosa, precavida, reservada. .É mostrar com diplomacia ao outro que o pecado conduz à ruina e que o caminho da santidade leva à paz e ao céu. Uma ação cheia de humildade, de firmeza, de suavidade na qual resplandece o amor fraterno que deseja simplesmente ajudar. Uma conversa amigável, a sós, não na praça pública ou nos meios de comunicação social. Quem age conforme as normas estabelecidas por Cristo e traz outros para o bom caminho e com eles se põem a rezar, a promessa de Cristo é maravilhosa: “Onde estão dois ou três reunidos em meu nome eu estou no meio deles”. É que amar os irmãos é estar cioso de seu bem verdadeiro e de sua redenção, tornando-se cada um apto para entrar, após a morte, na Casa do Pai. Interessar-se pelos outros porque Deus quer agir através de seus fieis seguidores no interesse do destino feliz dos outros, pois fora da Lei divina só campeia a desilusão, o desespero e todo tipo de desgraça. Amar para Deus significa salvar. O amor a Deus e ao próximo é ter consciência do apelo da vida divina da qual todos devem participar.   Eis porque o verdadeiro amor fraterno abre as portar de uma corresponsabilidade para o bem do próximo. Isto se patenteia pela sugestão dada no momento certo, de maneira correta, conduzindo os outros ao amor verdadeiro que é o próprio Deus. Bem se diz que ninguém entrará no céu sozinho, dado que a solidariedade cristã conduz à preocupação com a salvação do próximo. Este nunca deve, é certo, ser manipulado, mas guiado, orientado com toda prudência. Qualquer intervenção só em casos específicos, tudo começando com um diálogo criterioso. Foi o que São Paulo compendiou com estas sábias palavras: “Se porventura alguém for surpreendido nalguma falta, vós os espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão; e, tu, acautela-te a ti mesmo, não venhas também a cair na tentação (Gl 6,1). Aliás, Cristo também deixou esta norma: “Tira primeiro a trave do teu olho e então verás bem para tirar o argueiro do olho de teu irmão” (Mt 7,5). “* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.