LIÇÕES DO EPISÓDIO NO TABOR
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus levou Pedro, Tiago e João ao monte Tabor onde
fatos maravilhosos aconteceram (Mt 17,1-9). Transfigurou-se diante deles,
quando apareceram Moisés e Elias. Um grande júbilo se apossou dos três
apóstolos e Pedro exclamou: “É bom estarmos aqui”. Ao ouvirem, contudo, a voz
do Pai “foram tomados de um grande medo”. É o que normalmente ocorre nas preces
que cada um faz, entrando em contato mais profundo com a divindade. Por vezes a
oração pode ser deliciosa e repleta de consolações espirituais, mas há momentos
das sombras, das distrações, dos abatimentos, dos esmorecimentos ou desalentos.
Como os Apóstolos no Tabor há instantes de luzes e de trevas. Isto aconteceu
também com grandes santos. O principal é perseverar, pois Jesus sempre dirá o
que falou a Pedro, Tiago e João: “Levantai-vos e não temais”. É que o Mestre
divino, sempre fiel, recompensa continuamente os que nele confiam. Eis porque
São Paulo aconselhou aos Efésios: “Por meio de todas as espécies de oração e de
súplicas, orai incessantemente movidos pelo Espírito (Ef 6,18). Em qualquer
circunstância se ouvirá a voz de Jesus: “Não tenhais medo” A presença dele é
sempre reconfortante e dá coragem para nunca abandonar a oração. No Tabor a Boa
Nova do amor do Pai se manifestou claramente em Jesus Cristo, mas foi dada uma
ordem: “Escutai-O”. Cristo nos mostrará sempre o Pai das misericórdias que para
salvação da humanidade sacrificará o seu Filho bem amado, cuja paixão, porém,
anunciaria a vitória da vida divina sobre a morte corporal. Foi por isto que
Jesus recomendou aos três Apóstolos que
não falassem a ninguém daquela visão até que o Filho do homem ressuscitasse da
morte. Em Jesus se realizou plenamente a Nova Aliança do Deus clemente com os
homens. Da Antiga Aliança dois personagens emblemáticos apareceram no Tabor,
Eram representantes das duas fontes da revelação judaica, ou seja, a Lei e os
Profetas, Moisés e Elias. Quando se escutou a voz do Pai, uma nova etapa da
revelação se deu. Foi quando Moisés e Elias se afastam e Jesus, a plenitude da
revelação, ficou só diante dos Apóstolos. O acontecimento da Transfiguração
reorienta fundamentalmente a revelação da primeira Aliança. Agora a grande mensagem
do Pai é uma Pessoa, a do seu Filho querido. Não mais uma nova lei ou uma nova
profecia, mas a fé na obra salvífica operada em Cristo. Trata-se então da era
cristã baseada na fé em Jesus. No sentido estrito, o Evangelho, a Boa Nova,
estaria fundamentado no triunfo de Jesus sobre a morte. A vida de Cristo, seus
exemplos manifestam o autêntico caminho da salvação eterna através de uma
comunhão total com Deus, carregando cada
um de seus discípulos sua cruz de cada dia. Eis a base da espiritualidade com que se acatam os
sofrimentos para se chegar à luminosidade celeste. Aquele Jesus que os
apóstolos contemplaram transfigurado em sua glória seria o mesmo Jesus que
passaria por sua paixão dolorosa até o triste final no alto de um ignominioso
madeiro. Donde o equívoco de Pedro de não querer mais descer do Tabor. A
religião dos cristãos é uma religião da relação viva e atual com Cristo
padecente e vitorioso, presente na vida de cada um de seus seguidores. Este
episódio da Transfiguração de Jesus quer incutir coragem, pois Ele está a
repetir: “Eu sou o vencedor do mundo” (Jo 16,33).. Com Ele o cristão pode atravessar as provas e
dificuldades da vida. O Pai, porém, não
nos abandona nunca. Cumpre finalmente pensar que vivemos num tempo de
Transfiguração e de Desfiguração. Com efeito, o contexto atual mostra um mundo
desfigurado pela violência, pela fome, pelos assaltos aos cofres públicos. Pela
pobreza que campeia nos países do Terceiro Mundo, na África, na Ásia, na
América latina. Contudo, tempo também de transfiguração com a ação dos
verdadeiros cristãos que se empenham na luta por um mundo melhor, mais justo no
qual haja uma distribuição equânime das riquezas, abominando os desonestos que
deixam à mingua milhares de pessoas. Por tudo isto cumpre recolher todas as
lições do Tabor, transfigurando-se cada um a ponto de poder repetir com São
Paulo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” (Gl 12,20). Professor no Seminário de Mariana, durante
40 anos.