segunda-feira, 31 de julho de 2017

Lições do episódio no Tabor

LIÇÕES DO EPISÓDIO NO TABOR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Jesus levou Pedro, Tiago e João ao monte Tabor onde fatos maravilhosos aconteceram (Mt 17,1-9). Transfigurou-se diante deles, quando apareceram Moisés e Elias. Um grande júbilo se apossou dos três apóstolos e Pedro exclamou: “É bom estarmos aqui”. Ao ouvirem, contudo, a voz do Pai “foram tomados de um grande medo”. É o que normalmente ocorre nas preces que cada um faz, entrando em contato mais profundo com a divindade. Por vezes a oração pode ser deliciosa e repleta de consolações espirituais, mas há momentos das sombras, das distrações, dos abatimentos, dos esmorecimentos ou desalentos. Como os Apóstolos no Tabor há instantes de luzes e de trevas. Isto aconteceu também com grandes santos. O principal é perseverar, pois Jesus sempre dirá o que falou a Pedro, Tiago e João: “Levantai-vos e não temais”. É que o Mestre divino, sempre fiel, recompensa continuamente os que nele confiam. Eis porque São Paulo aconselhou aos Efésios: “Por meio de todas as espécies de oração e de súplicas, orai incessantemente movidos pelo Espírito (Ef 6,18). Em qualquer circunstância se ouvirá a voz de Jesus: “Não tenhais medo” A presença dele é sempre reconfortante e dá coragem para nunca abandonar a oração. No Tabor a Boa Nova do amor do Pai se manifestou claramente em Jesus Cristo, mas foi dada uma ordem: “Escutai-O”. Cristo nos mostrará sempre o Pai das misericórdias que para salvação da humanidade sacrificará o seu Filho bem amado, cuja paixão, porém, anunciaria a vitória da vida divina sobre a morte corporal. Foi por isto que Jesus recomendou aos três Apóstolos  que não falassem a ninguém daquela visão até que o Filho do homem ressuscitasse da morte. Em Jesus se realizou plenamente a Nova Aliança do Deus clemente com os homens. Da Antiga Aliança dois personagens emblemáticos apareceram no Tabor, Eram representantes das duas fontes da revelação judaica, ou seja, a Lei e os Profetas, Moisés e Elias. Quando se escutou a voz do Pai, uma nova etapa da revelação se deu. Foi quando Moisés e Elias se afastam e Jesus, a plenitude da revelação, ficou só diante dos Apóstolos. O acontecimento da Transfiguração reorienta fundamentalmente a revelação da primeira Aliança. Agora a grande mensagem do Pai é uma Pessoa, a do seu Filho querido. Não mais uma nova lei ou uma nova profecia, mas a fé na obra salvífica operada em Cristo. Trata-se então da era cristã baseada na fé em Jesus. No sentido estrito, o Evangelho, a Boa Nova, estaria fundamentado no triunfo de Jesus sobre a morte. A vida de Cristo, seus exemplos manifestam o autêntico caminho da salvação eterna através de uma comunhão total com Deus, carregando cada  um de seus discípulos sua cruz de cada dia. Eis a base da  espiritualidade com que se acatam os sofrimentos para se chegar à luminosidade celeste. Aquele Jesus que os apóstolos contemplaram transfigurado em sua glória seria o mesmo Jesus que passaria por sua paixão dolorosa até o triste final no alto de um ignominioso madeiro. Donde o equívoco de Pedro de não querer mais descer do Tabor. A religião dos cristãos é uma religião da relação viva e atual com Cristo padecente e vitorioso, presente na vida de cada um de seus seguidores. Este episódio da Transfiguração de Jesus quer incutir coragem, pois Ele está a repetir: “Eu sou o vencedor do mundo” (Jo 16,33)..  Com Ele o cristão pode atravessar as provas e dificuldades da vida.  O Pai, porém, não nos abandona nunca. Cumpre finalmente pensar que vivemos num tempo de Transfiguração e de Desfiguração. Com efeito, o contexto atual mostra um mundo desfigurado pela violência, pela fome, pelos assaltos aos cofres públicos. Pela pobreza que campeia nos países do Terceiro Mundo, na África, na Ásia, na América latina. Contudo, tempo também de transfiguração com a ação dos verdadeiros cristãos que se empenham na luta por um mundo melhor, mais justo no qual haja uma distribuição equânime das riquezas, abominando os desonestos que deixam à mingua milhares de pessoas. Por tudo isto cumpre recolher todas as lições do Tabor, transfigurando-se cada um a ponto de poder repetir com São Paulo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” (Gl 12,20). Professor no Seminário de Mariana, durante 40 anos.

quinta-feira, 27 de julho de 2017

A IMPORTÂNCIA DA ESMOAL

A IMPORTÂNCIA DA ESMOLA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A doutrina sobre a esmola é tão antiga quanto a religião bíblica. Esta postula desde as origens o amor para com os irmãos e os pobres.  O pobre existe e é preciso atender ao seu apelo com generosidade (Dt 15,11) e delicadeza (Sl 18, 15 ss). Trata-se não de uma mera filantropia, mas gesto religioso. Este gesto tem um valor que atinge o próprio Deus, pois Jesus ensinou: ”O que fizerdes ao menor de vossos irmãos foi a mim que o fizestes” (Mt 25,40).
Privando-se de algum bem o cristão cria para si um tesouro. Declara o salmista: “Feliz de quem pensa no pobre e no desamparado” (Sl 41,2-4). Lemos no Livro de Tobias: “Jamais afaste o teu rosto dum pobre, e Deus não afastará o seu de ti  [...] Se tens muito, dá mais; se tens pouco, dá menos, mas não hesites em fazer a esmola [...] Quando fazes esmola, não haja pesar nos teus olhos“ (Tb 4,7-11. 16 s). São Paulo lembrou aos Coríntios: “Deus ama a quem dá com alegria” (2 Cor 9, 6). Eis porque assim como a água apaga o fogo, a caridade apaga o pecado.
Entretanto, o cristão precisa dar esmola com discernimento. Com efeito, é, sobretudo, através das obras de caridade tão numerosas em todas as Paróquias que se deve, na medida do possível, ajudar os mais necessitados. Destaque-se a atuação maravilhosa dos Vicentinos que precisam era ajudados para que possam ajudar os mais carentes.
 Por tudo isto não se deve dar esmola aos pedintes nas ruas, uma vez que eles devem se dirigir às associações preparadas para ampará-los. A esmola dada em dinheiro poderá servir inclusive para compra de drogas e para outros desvios morais.
Além disto, a esmola deve ser dada com discrição, pois Jesus foi claro: “Quando deres esmola, não toques trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Com toda a certeza vos afirmo que eles já receberam o seu galardão.  Tu, porém, quando deres uma esmola ou ajuda, não deixes tua mão esquerda saber o que faz a direita, para que a tua obra de caridade fique em secreto: e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará” (Mt 6,2-5).
 Quando alguém deixa de comprar o que é supérfluo ou até o que é prejudicial à saúde e reserva o que economizou para ajudar os pobres, grande é seu merecimento diante de Deus.

 * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 24 de julho de 2017

O VALOR DO REINO DOS CÉUS

O VALOR DO REINO DOS CÉUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Tesouro, pérola, peixe, coisas novas e velhas são imagens de extrema simplicidade empregadas com propriedade pelo Mestre Divino para falar do Reino dos Céus (Mt 13,44-52), A comparação com um tesouro precioso e com uma pérola rara faz rebrilhar o valor imenso da realidade divina, da vida abençoada, da glória eterna. Para tão faustoso fim da participação nesta existência venturosa junto do Criador todos são chamados, mas apenas os que perseverarem no bem gozarão das delícias da Casa do Senhor. Donde a necessidade de recolher os ensinamentos do Antigo e do Novo Testamento, pois Jesus não veio abolir a antiga Lei, mas integrá-la e aperfeiçoá-la com a nova Lei para conduzir os de boa vontade rumo à Jerusalém celeste. Tal o destino sublime daquele que foi batizado, ou  seja,  compartilhar por todo sempre do domínio supremo de Deus.  As figuras apresentadas por Cristo são aptas a despertar o cristão para uma marcha corajosa na busca dos tesouros perenes, olhos fixos nos acontecimentos futuros na mansão do Pai Todo-Poderoso. Para isto é preciso acolher os ensinamento desta Boa Nova que Cristo veio anunciar.  Como um tesouro escondido no campo o Reino dos Céus requer uma busca ininterrupta para ser encontrado através de uma fé inabalável. Pérola fina, este Reino exige a paciência do mercador que anda atrás daquela que é a mais valiosa entre todas as outras, isto é,  por entre os bens fictícios desta terra é preciso não confundir o bem com o mal, se apegando ao que não pode satisfazer os desejos mais recrescentes do ser humano. Do contrário, o homem se torna peixe indesejável, incompatível com os valores do Reino. As duas primeiras parábolas revelam o que o fiel deve fazer, dado que na terceira é Deus quem faz a escolha.  Grande, portanto a responsabilidade de quem foi batizado, pois deve preferir as normas do Evangelho a todo e qualquer outro bem terreno. A grande questão é, por entre as vicissitudes da caminhada por este mundo, colocar Cristo acima de tudo, deixando de lado as veleidades mundanas. O amor de Deus necessita sobrepujar tudo o mais, o que é demonstrado na prática pelo cumprimento cabal dos dez mandamentos, pelo procedimento correto, pela conduta ilibada. A Palavra de Deus é que deve ser o tesouro precioso, a pérola fina, pois é esta Palavra a lâmpada que ilumina os passos de quem, de fato, almeja o Reino eterno de Deus. A acolhida da Palavra de Deus na vida de cada um é o recebimento da obra divina de graças especiais oferecidas aos de boa vontade. Isto numa participação plena, radical, consciente. Trata-se do engajamento total no Filho de Deus, o Salvador, engajamento que entra na ordem do absoluto, de Deus que se situa na raiz do ser humano, no fundamento mesmo da vida de cada um. É deste modo que a existência cristã se torna uma abertura para a vida eterna feliz junto de Deus, porque a fé é uma dimensão fundamental no que diz respeito a uma ventura sem fim além da morte. Donde todo cuidado é pouco para não se cair no relativismo do mundo moderno, colocando as verdades sobrenaturais no mesmo nível das opções materiais, hedonistas. É o que acontece com quem se deixa levar pelos programas cheios de devassidão dos meios de comunicação social, pelos sites pornográficos, pelas bacanais dos impuros, dos peixes maus. Se é preciso hierarquizar os bons valores, tudo aquilo que contradiz o Decálogo deve ser, em consequência, corajosamente sempre abolido, afastado sob pena de não se chegar ao Reino dos Céus. Cumpre uma renúncia ao espírito do mundo e suas seduções malignas e viver numa atmosfera não poluída pelo pecado, numa abertura para a verdadeira felicidade que flui da relação contínua com o Ser Supremo. É um estilo cristão de vida que manifesta por toda pare que Jesus é, realmente, o Senhor da vida de quem caminha para o Reino dos Céus, gozando já nesta terra um pouco das delícias celestes. Supremo conforto para a esperança cristã a assistência paterna de Deus.  As graças divinas levam à vida eterna os que  sabem escolher o verdadeiro tesouro, a pérola preciosa, colocando-se em condições de entrar um dia no Reino dos Céus. * Professor no Seminário de Mariana, durante 40 anos.



quarta-feira, 19 de julho de 2017

COMO VENCER AS DISTRAÇÕES NA ORAÇÃO

COMO VENCER AS DISTRAÇÕES NA ORAÇÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Segundo a clássica definição, “a oração é a elevação da alma a Deus”. Aí já está incluída uma luta, ou seja, o fiel se desprende do contexto material em que vive para subir com todo o seu ser rumo à esfera espiritual. Trata-se, portanto, de um combate. Os santos também tiveram que enfrentar esta situação, mas a sobrepujaram. Isto porque combater é uma questão de amor, visando uma união mais íntima com Deus, entrando na esfera das realidades sobrenaturais. É uma batalha que supõe antes disponibilidade do que força para afastar as desatenções. A questão é não capitular as aceitando passivamente Uma primeira postura profundamente decisiva é a confiança absoluta em Deus, pois, no fundo, os pensamentos que atravessam a prece são frutos de alguma preocupação. Esta provém de inúmeras fontes como algum problema pessoal, familiar, profissional ou até de algo menos importante vindo da insegurança interior. Aí um ponto capital será a atitude tomada por Abraão: Deus providebit – Deus providenciará. Não será a criatura que resolverá a dificuldade, mas o poder do Senhor Onipotente. O fato então de transferir para Ele a solução, além de ser um ato de valiosíssima confiança, imerge a pessoa numa tranquilidade que favorece seu contato com Ele, com a Virgem Maria, com os Santos e Anjos num clima de verdadeira transposição para além das coisas terrenas. Isto deve se dar com simplicidade sem se opor impetuosamente ao que leva à desatenção. Sem precisar repetir o que se rezou, se deve continuar calmamente a súplica ou a meditação em tela. Tal atitude vale inclusive, é claro, para a participação nas Missas. Se o agitamento se deu nesta ou naquela parte da celebração tal método ajudará muito para maior concentração a seguir. Distraiu-se, por exemplo, no Ato Penitencial, mais recolhimento íntimo para então ouvir as Leituras do dia e assim por diante. O mesmo deve acontecer com as demais orações, como na reza dos Terço. Esta, aliás, é uma das preces mais fáceis para se domar a imaginação, porque na medida em que os lábios pronunciam as palavras, o fiel solta a imaginação no mistério do momento, seja de qualquer passagem dos fatos gozosos, luminosos, dolorosos, ou gloriosos daquele dia. Pode-se passar a vida inteira percorrendo estes eventos bíblicos e nunca se esgotará a riqueza imensa que eles detêm em todas as suas peculiaridades. Em outras ocasiões uma boa tática é transformar a distração em súplica, pedindo o auxílio celeste exatamente para o problema que angustia e do céu virá a ajuda necessária para afastar a dificuldade que angustia. Se, porém, vem à tona acontecimento feliz, eis uma boa hora para um profundo agradecimento. No mais é lançar para Deus qualquer frustração que aborrece sem se deixar levar pelo imaginário. Com efeito, tantas vezes são ilusões que surgem e que não têm fundamento em si mesmas. Cumpre não derrapar para um cenário desfavorável e escapar da tristeza, da insegurança. Além do mais as distrações podem ser uma boa oportunidade para cada um se conhecer a si mesmo, apartando as trevas que envolvam sua alma. Tudo isto significa também um ato de humildade no reconhecimento das debilidades inatas ao ser humano. O que vale é a intenção sincera de orar e orar bem. Eis porque é de todo conveniente que haja também uma preparação  para que isto aconteça, a qual inclui inclusive a postura, o ambiente no qual se vai rezar, enfim tudo que colabore para uma perfeita concentração espiritual. Tais providências favorecem a libertação interior, levando a um saudável silêncio favorável ao contato com o mundo sobrenatural. É óbvio que é preciso, de fato, cooperar com as graças divinas, deixando campo aberto para a ação das luzes do Espírito Santo. A tomada de consciência da importância prioritária da oração leva à fidelidade, à perseverança, pois o pior seria abandonar o contato com Deus. O cristão programa então sua vida espiritual, deixando espaços especiais para as preces e nem se pode esquecer que uma das mais recomendáveis é a reflexão de algum texto bíblico, o qual oferece suporte para uma revisão de vida. É necessário, também que se lembre ser de vital importância saber escutar as inspirações divinas, não as sufocando com uma cachoeira de palavras lançadas a esmo. A paz do coração é essencial para captar os recados do Espírito Santo. Toda negligência precisa logo ser banida para que as divagações desapareçam e se possa degustar as preces. Todo cuidado com a fadiga patológica física ou mental, com o ativismo exagerado, é pouco para que se crie uma atmosfera favorável à oração. É conveniente também repetir a solicitação feita a Jesus pelos discípulos: “Senhor, ensinam-nos a orar” (Lc 11,1) e Ele fará com que cada um entre na prece “em Espírito e em Verdade” (Jo 4,23).  Com o salmista solicitar  sempre a Deus: Unifica meu coração para temer o vosso  nome. De todo o coração eu vos louvarei Senhor” (Sl 86,11-12). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 17 de julho de 2017

A SEMENTE BOA E O JOIO

A SEMENTE BOA E O JOIO
              Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
   Com sua sabedoria insuperável Jesus vendo como o joio pode ser semeado no meio do mais belo trigal narrou uma parábola surpreendente (Mt 13,24-43).  O homem trabalhador semeou a boa semente, mas o inimigo na calada da noite lançou o joio. Jesus deixa uma mensagem de paciência, ou seja, deixar para extirpar o joio num momento oportuno a fim de não danificar o trigo a ser ceifado com prudência. Deixa então o Mestre divino uma lição de tolerância. Cumpre dar tempo ao tempo para que se evitem ações precipitadas que só poderiam gerar situações agravando os problemas diante dos erros alheios. Não se trata de admitir ações condenáveis, mas de uma conduta sábia para contornar faltas cometidas pelo próximo ou por si mesmo. Cortar o errado no momento certo, endireitando caminhos sem provocar transtornos prejudiciais. Nem sempre se vai ao cerne das questões e das ocorrências mais adversas. Há sempre uma atitude correta para se atingir um resultado plausível. O joio é bem o símbolo do mistério do mal diante do qual é preciso a compreensão de tudo, como falou São Paulo a Timóteo (2 Tm 2,7). Jesus explica donde vem o joio e mostra que o inimigo é quem o semeia, aproveitando-se das trevas noturnas, ou seja, dissimuladamente, porque o espírito mau é o pai da mentira. Dele provém todo tipo de tentação que leva para o caminho trevoso do pecado. O joio resulta da atuação do diabo, especialista em enganar os incautos. Jesus fala claramente a seus ouvintes e mostra que o mundo é desnorteado pelo Adversário, atravessado por influências nefastas. Aos Romanos São Paulo dizia: “Porque segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus, mas vejo nos meus membros outra lei que batalha contra a lei do meu entendimento e me prende debaixo da lei do pecado que está nos meus membros (Rm 7, 22-23). É uma rude experiência que experimentaram também os santos. O bem, porém, é anterior ao mal. Eis porque São Pedro deixou esta advertência: “Sede sóbrios, vigiai, porque o diabo, vosso adversário, anda em derredor de vós como um leão a rugir buscando a quem devorar”. Dá, porém, a solução: "Resisti-lhe, firmes na fé, sabendo que as mesmas aflições se cumprem entre os vossos irmãos no mundo (1 Pd 5,8-9). O fiel está deste modo advertido e fazendo de sua parte , orando, fugindo das ocasiões de pecado, confiando na graça divina, será sempre um triunfador. Os bons discípulos de Cristo representam a boa semente. Jesus se fez o Redentor e fortifica os que nele confiam e buscam as energias espirituais para vencer sempre os embustes de satanás. Quando, porém Cristo diz para não arrancar o joio, extirpando ao mesmo tempo o trigo Ele legou outro precioso ensinamento espiritual. Com efeito, a melhor maneira de evitar o mal ou fazer com que ele não prospere é praticar o bem. É o que São Paulo decodificou ao afirmar: “Não te deixes vencer pelo mal, sede vencedor do mal pelo bem” (Rm 12,23). Muitos com todas as suas forças cominam os erros, as imperfeições, os defeitos dos outros e até clamam contra os seus próprios desvios, mas se esquecem de fazer amadurecer o bom grão em suas vidas. Cumpre, isto sim, vencer o mal com o bem, crescendo nas virtudes, perseverando nas veredas da Luz. A santidade consiste menos na eliminação das ações diabólicas do que no acolhimento sincero do amor de Deus. É preciso dar tempo para a conversão dos outros e para a própria conversão, tendo que conviver com tantas imperfeições, pois só Deus é perfeito. O processo de crescimento espiritual dura a vida toda de cada um nesta trajetória terrena. De tudo isto se deduz como é importante a paciência com as falhas próprias e alheias, não desanimando nunca perante as aliciações do mal com as quais o cristão tem que conviver, enquanto estiver nesta terra. Portanto não arrancar o joio não significa pactuar com o mal, ou deixar o campo livre ao demônio. Trata-se, isto sim, de se converter incessantemente para Deus e cultivar o bem na vida familiar, comunitária, profissional, fazendo florir a justiça, a retidão, a paz. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.



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terça-feira, 11 de julho de 2017

O CRISTÃO E A PALAVRA DE DEUS

O CRISTÃO E A PALAVRA DE DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A Parábola do Semeador narrada por Jesus nunca é demais analisada e refletida (Mt 13,1-23). O semeador é o Filho de Deus, a semente é sua Palavra e esta Palavra é a Boa Nova que Ele veio trazer do céu à terra. Esta terra na qual é lançada a semente é coração de cada um. Não basta, contudo, que a semente chegue até o íntimo do ser humano para que possa frutificar. Uma condição basilar é que a terra seja boa. Um tríplice entrave impede o desabrochar da Palavra. Primeiro, não procurar compreender a mensagem divina o que permite ao Inimigo arrebatá-la. Em segundo lugar, a falta de profundidade que obsta a força desta mensagem. Enfim, o apego às coisas terenas que a sufocam. Afastados estes três percalços surge a terra boa que produz frutos opimos.  Para isto é preciso então abrir a mente e o coração à dimensão sobrenatural.  Porque criado à imagem e semelhança de Deus, sendo um ser espiritual por possuir a graça santificante, o cristão evita tudo que possa impedir seu progresso interior. É a luta contra as forças do mal que matam a semente lançada pelo Redentor. Quando o seguidor de Cristo abre as portas de seu coração à Palavra e a acolhe com alegria realidades maravilhosas acontecem para a própria santificação e do mundo em seu derredor. Entretanto, todo cuidado é pouco para oferecer as melhores condições de crescimento da semente divina dentro de si. Cumpre estar atento porque o processo de conversão pessoal é ininterrupto para o cristão. Há muitos que se julgam perfeitos e não diagnosticando seus defeitos impedem os influxos benéficos da semente lançada por Deus dentro de si mesmos. A Palavra é de uma riqueza infinita e aí está a razão pela qual quem a recebeu nunca pode parar a obra de seus aperfeiçoamento sob pena de se tornar um terreno inóspito.  Batalha sem tréguas contra as ervas daninhas que sem cessar procuram predominar sobre a boa planta. É necessário para o cristão um trabalho de vigilância e fidelidade. Quem observa os bons jardineiros sabe com que esmero eles cuidam das plantas proporcionando a elas todas as condições para crescerem, florirem e frutificarem. Grandes são também as exigências da vida espiritual. Trata-se de um trabalho de libertação interior que leva a uma fuga corajosa de tudo que pode impedir o desabrochar da graça de Deus lançada através de sua Palavra. Extirpar o que há de mal dentro do coração como a sedução dos bens terrenos, a soberba, a indolência, a maledicência, a exposição aos programas licenciosos dos meios de comunicação social, a não rejeição imediata de tudo que pode conspurcar a consciência. É um trabalho de dimensão dolorosa porque é um labor espiritual de purificação do pecado. A Palavra de Deus age na vida de cada um e a transforma na medida da disponibilidade à ação do Espírito Santo. O estabelecimento do Reino divino dentro de cada um é uma obra diuturna. Deus, porém, é paciente e misericordioso e não deixa de distribuir suas graças apesar da malevolência humana. Cada vez, porém, que o cristão responde e corresponde às inspirações celestes, receba ainda mais energia para se tornar sempre uma terra boa. Eis aí a capacidade de resposta daquele que quer corresponder aos dons de Deus e penetrar nos seus desejos salvíficos. É de notar, porém, que o Semeador divino lança suas sementes não apenas para aqueles que imediatamente a recebem em terra fértil, mas, pacientemente, continua semeando e não faz distinção de pessoas. Muitos são aqueles que percebendo a graça divina começam a refletir e passam a entender os recados celestes. Outros retiram as pedras do orgulho, da inércia, da preguiça espiritual e a semente pode então frutificar. Há ainda aqueles que arrancam os espinhos da fascinação das riquezas, das insinuações hedonistas  e a graça de Deus então faz prodígios dentro desta alma corajosa e que se abre num momento de pulcra inspiração para as benesses de Cristo. A tudo isto se acrescente o trabalho evangelizador dos que deixam as luzes celestes iluminar sempre suas vidas e se tornam também semeadores, ajudando a obra redentora de Jesus. Pela oração, pelos conselhos oportunos, pelo bom exemplo a Palavra de Deus é a semente que opera maravilhas. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.



segunda-feira, 3 de julho de 2017

EU VOS ALIVIAREI

EU VOS ALIVIAREI
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus insuflou total confiança em seus seguidores: “Vinde a mim todos os que estais afadigados e sobrecarregados e eu vos aliviarei” (Mt 11,25-30).  Palavras admiráveis unicamente registradas por São Mateus. Elas patenteiam o Coração amabilíssimo de Jesus, fonte de toda misericórdia, de todo o bem.  Para quem nele confia tudo se torna suave. Toda a Bíblia nos ensina a certeza da clemência divina.  Assim se dirige o salmista a Deus “Tem piedade de mim ó Deus, tem piedade de mim porque a minha alma se refugia em ti. E à sombra de tuas asas me acolho, até que passe a calamidade” (Sl 56,2). Afiança o Eclesiástico que quem confia em Deus não será nunca abandonado (Ecl 32,28). O profeta Jeremias proclama: “Bem-aventurado o homem que confia no Senhor, e de quem o Senhor é a esperança” (Jr 17,17). É que “os que confiam no Senhor (são firmes) como o monte de Sião que não é abalado, permanecendo para sempre”. (Sl 124,1). Daniel assevera também que jamais são confundidos os que confiam em Deus (Dn 3,40).  Se assim era no Antigo Testamento, com a vinda de Cristo a esta terra a virtude da confiança ficou ainda mais embasada, porque as manifestações do Filho de Deus inspiram a mais total segurança. Tanto isto é verdade que São Paulo pôde declarar: “Sei em quem pus minha confiança, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até este dia” (1 Tm 1,12). Estas outras  palavras do Mestre aos discípulos são definitivas para mostrar o quanto Ele preza a total e absoluta entrega a ele: “Tende confiança, sou eu, não temais” (Mt 14,27).  Ao proferir esta assertiva o Salvador mostrou o resultado faustoso desta disposição interior, a saber, a ausência do medo, da intranquilidade, da incerteza. É que a confiança gera uma convicção profunda, inabalável naquele que tudo pode e tanto ama suas ovelhas. Imperturbável transcorre então a existência de quem deposita em Jesus todas as suas preocupações. Ainda que em seu derredor se amontoem as ruínas de sua felicidade, quem confia em Cristo permanece na serenidade mais inebriante. Firmeza interior confere esta virtude e, então se podem repetir os dizeres paulinos: “Eu estou certo que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem a força, nem a altura, nem a profundidade, nem outra criatura nenhuma nos poderá separar do amor de Deus, que está em Jesus Cristo Nosso Senhor” (Rm 8,38).  Instalada no Coração de Cristo, mais senhora de si que o sábio da antiguidade, a alma do justo jamais vacilará.  Apoia-se em Cristo com tanto maior segurança quanto mais precários, frágeis e insuficientes são os auxílios humanos, certo do dito de Jeremias: “Maldito o homem que confia no homem” (Jr 17,5). Nas estradas da vida, muitas vezes repletas de imprevisíveis contratempos, quando nuvens negras lançam suas tenebrosas sombras, obnubilando as mais lisonjeiras perspectivas, a confiança no Redentor faz atravessar potente seu raio de luminoso alento, envolvendo o ser em fagueiras expectativas, mimoseando-o com íntimo beatífico sossego. Aquele que penetra dentro do Coração divino de Jesus degusta sua infinita misericórdia e dulcíssima bondade .Sabe que Ele intervirá nos instantes mais desesperadores e sustentará aquele que nele confia. Se Ele afirmou: “sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5) é óbvio que com Ele tudo é possível. É esta certeza que, na luta cotidiana contra o mal físico e moral, outorga ao cristão aquela serenidade que o faz imbatível. Jesus  que vaticinou aos seus epígonos: “Haveis de ter aflições no mundo”, logo acrescenta: “Mas tende confiança, eu venci o mundo” (Jo 16,33). É por isto que Ele declarou: “Vinde a mim todos os que trabalhais e vos achais carregados e eu vos aliviarei” (Mt 11,28). A confiança em Jesus é assim estrela luminosa que guia sempre para os páramos beatíficos da paz porque está sempre a mostrar o Pastor carinhoso e todo poderoso. Para isto é necessário imitá-lo, pois Ele disse: “ Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim que sou manso e humilde de coração” (Mt 11,29). Apenas a estes o Pai revela as maravilhas de sua bondade ( Mt 11,25). É preciso pedir sempre a Cristo que aumente nossa confiança nele e que Ele faça que nos aproximemos dele com muita humildade. Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos..