sábado, 26 de janeiro de 2013

JESUS PERSEGUIDO EM NAZARÉ

JESUS PERSEGUIDO EM NAZARÉ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Os moradores de Nazaré que ficaram repletos de admiração por Jesus quando Ele lhes explicava as palavras do Profeta Isaías, se identificando com o Messias prometido, de repente se entregaram a um grande furor contra Ele (Lc 4,21-30). É que o Mestre divino não cedia à tentação de uma popularidade fácil, a um consenso superficial. Ele não faria na sua terra os prodígios que seriam feitos em outras regiões e citou o que ocorreu no tempo de Elias e de Eliseu.  Estes respectivamente haviam socorrido a uma viúva em Sarepta de Sidônia e a ao sírio Naamã. Os nazarenos queriam se aproveitar de privilégios exclusivos, de milagres especiais porque Jesus era um deles. Recusavam, porém, em crer nele porque não O conheciam profundamente. Para eles Cristo não passava do filho de José, o carpinteiro e, deste modo, desconfiavam da tarefa salvadora daquele que era o Salvador da humanidade e punham em dúvida sua missão redentora. Por isto não mereciam os sinais que Ele reservava para os que verdadeiramente cressem em suas palavras ainda que fossem de outras aldeias e cidades. Ergueram-se então os nazarenos e O lançaram fora e O levaram até a beira de um monte sobre o qual estava construída Nazaré e intentavam precipitá-lo no precipício. Mais tarde Jesus seria afastado da cidade de Jerusalém para ser crucificado e isto bem símbolo de outra  cruel rejeição. Em muitas passagens do Evangelho os evangelistas sublinham a agressividade dos que recusavam o Filho de Deus, mas também realçam a alegria dos que eram abertos a suas mensagens. São Lucas opõe a atitude dos conterrâneos de Jesus, os nazarenos, com a dos habitantes de Cafarnaum, cidade cosmopolita e em grande parte pagã, mas onde Jesus foi sempre melhor acolhido e aceito do que em Nazaré. Em Belém Cristo teve que nascer numa manjedoura porque não havia lugar para Ele na hospedaria, mas os pastores se rejubilaram diante do presépio. São Mateus opôs o rei Herodes e os doutores da Lei aos sábios vindos do Oriente que procuravam a Deus e se alegraram com o reaparecimento da estrela que os levou até Jesus. São João dirá mais tarde que Deus veio aos seus e os seus não O receberam, acrescentando que todos que O acolheram tiveram o poder de se tornarem Filhos de Deus (Jo 1,11). Lá no Calvário um dos que foram crucificados com o divino Sofredor se converteu e o outro nem junto do Filho de Deus se salvou. É sempre assim. O homem é livre para aceitar ou renegar Jesus. Todas estas considerações devem  então levar cada um a examinar sua própria vida e verificar se não há uma terrível dualidade, ou seja, ora se aceita Jesus, ora Ele é renegado, como acontece muitas vezes diante da televisão, dos sites pornográficos, dos  disseminadores de falsas idéias. No entanto, cumpre ao cristão verdadeiro ser discípulo de Jesus 24 horas por dia, sete dias em sete dias da semana, a toda hora, a todo instante, em qualquer circunstância da vida. É preciso que se viva sempre num ambiente de fé, de esperança e de muito amor mútuo.   Não é fácil ser autêntico cristão num mundo pluralista no qual se multiplicam ideologias que não se coadunam com o Evangelho. Neste universo pluridimensional as convicções do batizado são continuamente testadas, mas é preciso que se fique firme apesar das agressões à Igreja Católica, à religião em geral, aos bons costumes, a tudo que está no decálogo. Muitos, porém, deixam esvaziar o conteúdo religioso de sua postura perante o Redentor. O cristão deve ser epígono de Jesus em casa, no trabalho, nas diversões, seja onde estiver. Se não se quer imitar os nazarenos, é necessário defender sempre os valores que devem influenciar tudo que se é e tudo que se faz. É preciso evitar afastar Deus das atividades diárias, de tudo que se faz durante o decorrer das horas. Mister se faz viver a paz, a fraternidade, o perdão, a abertura às necessidades do próximo, evitar tudo que contradiz o que o Mestre divino ensinou e preceituou. Não se deve lançar Jesus fora para se acomodar ao que o mundo oferece de ilusório e diabólico. Deste modo o Evangelho de hoje é provocante e quer despertar do torpor espiritual os que se acham acomodados ao mundanismo sem uma existência verdadeiramente de acordo com o que Cristo falou. É preciso deixar que a Palavra de Deus penetre fundo no íntimo do coração e, ao invés, de expulsar Jesus, como fizeram os nazarenos, deixemos que Ele nos acompanhe em todos os momentos de nossa vida. Ele, e apenas Ele, deve ser o centro da existência de seu discípulo porque Ele, e unicamente Ele, é o bom amigo, fiel e poderoso para amparar, consolar e dar a vida eterna. Nele se pode confiar! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

CAMINHOS DA SANTIDADE

CAMINHOS DA SANTIDADE
Côn.José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Nada mais necessário ao cristão do que trilhar os caminhos da santidade de acordo com o preceito de Cristo: “Sede perfeitos, como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Muitos são aqueles que antevêem este projeto como uma meta praticamente irrealizável. Projetam um programa ascético que se torna impraticável, inexeqüível porque se esquecem que a santificação pessoal é um projeto de Deus sobre cada um e não uma trajetória elaborada pelo próprio batizado. Assim sendo, o primeiro passo é a disposição sincera de não se colocar resistência à graça divina, fazendo todo o esforço pessoal para bem cumprir o dever de cada dia numa adesão total aos preceitos revelados pelo Criador, compendiados na Sagrada Escritura.  Eis o segredo da caminhada impedindo que a luta cotidiana contra os defeitos levem ao desânimo ou a um perfeccionismo condenável. 
A maleabilidade à ação do Espírito Santo é deste modo o meio para ir sempre adiante, não obstante as falhas humanas. Apenas Deus é infinitamente santo. O salmista assim se expressou: “Se observades as nossas faltas, Senhor, quem subsistirá”? (Sl 130, 3)
Esta atitude já inclui em si a humildade e leva a se conviver com as imperfeições inevitáveis a seres contingentes, limitados. É desta maneira que se atrai a complacência de Deus, Pai amoroso, que não abandona nunca quem se dispõe a fazer em tudo sua santíssima vontade. O amor obstinado e perseverante ao Ser Supremo O torna, no dizer dos grandes místicos, prisioneiro da alma e o poder divino encontra um terreno fértil no qual produz maravilhas.
Eis porque este ideal de santificação é viável a todo batizado, participante que é da vida divina pela graça santificante.
Não se trata, portanto, de se elaborar um cronograma de etapas a serem ultrapassadas, mas cumpre simplesmente permitir a ação do Todo-Poderoso Senhor.  A preocupação com um modelo de perfeição leva fatalmente ao fracasso, pois em cada um Deus quer realizar uma obra prima peculiar. O exemplo dos santos deve apenas ser um incentivo, mesmo porque eles viveram em outros contextos e em outras circunstâncias.
É óbvio que há princípios basilares que valem para todos os seguidores de Cristo, ou seja, a prática constante de tudo que o Mestre ensinou. 
Ao lado disto, é preciso captar continuamente as inspirações do Alto que levam cada um a se moldar espiritualmente cumprindo plenamente as tarefas diárias sem pensar em ações mirabolantes, em penitências exageradas que podem até impedir a vida de oração.  
É necessário sempre ter paciência consigo mesmo diante das dificuldades naturais que surgem na ascensão até Deus.  
O importante é a perseverança e a fidelidade através do empenho efetivo nos pequenos atos de cada instante, porque, deste modo, o cristão se torna apto a enfrentar o que é mais penoso, quando o céu envia suas provações. Então se compreende que a graça é luz que ilumina a inteligência e força que robustece a vontade, dado que se pratica unicamente o que Deus quer.
Como, porém, reconhecer que uma inspiração vem de Deus?
Em primeiro lugar cumpre verificar se não há contradição entre a mesma e tudo que a Bíblia prescreve e a Igreja ensina. Depois é necessário examinar se são exigências coerentes com o dever do próprio estado de vida, se estão de acordo com as obrigações do mister que se exerce. Tudo isto leva à docilidade ao Espírito Santo, à renovação constante dos bons propósitos, à luta contra os pecados e as imperfeições, fazendo crescer a sensibilidade diante de tudo que é bom e virtuoso.
 Por tudo isto o Sacramento da Confissão é importante, pois o Confessor está apto para ajudar a discernir em tudo a vontade divina e vai acompanhando cada um na trajetória de sua santificação, ideal sublime que deve empolgar o autêntico discípulo do Filho de Deus. 
* Professor no Seminário de Mariana durante40 anos.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

COMBATE CORAJOSO DOS VÍCIOS

COMBATE CORAJOSO DOS VICIOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Nada mais necessário ao cristão do que prestar atenção ao que se passa no seu interior.
 Os mestres de espiritualidade, com notável argúcia psicológica, aconselham que se esteja atento aos pensamentos que surgem espontaneamente, quando alguém não se acha concentrado num trabalho mais absorvente ou em outra atividade absorvedora.
É o que ocorre quando se faz uma caminhada ou nos momentos de espera em alguma fila nos mercados ou em outras circunstâncias do dia a dia.
 São os pensamentos que surgem pouco antes de dormir ou quando há ocasião para devaneios. Aditem-se os que são denominados de distrações nas orações. 
Estas imagens são normalmente indicativas de um ou vários desvios que tendem a dominar a vida do ser pensante.
 São elas, no fundo, clara ou sub-repticiamente, atinentes à gula, à luxuria, à cupidez, à depressão, à irritação, à acídia, à vaidade.
 Ao se analisar cada um destes vícios se conclui que quem não se entrega a um sábio regime alimentar e vive fora do peso ideal tende a idealizar o que vai comer e as imagens dos mais variados petiscos lhe vêem à mente.
Quantos, além disto, se deixam envolver em representações obscenas ainda que agridam o sexto ou o nono mandamentos. Isto sustentado inclusive por todas as imprudências diante do que os meios de comunicação oferecem e nelas acaba se comprazendo o desavisado seguidor de Jesus. Multiplicam-se então o desejos sexuais que passam a habitar dentro coração imprudente.
Numa sociedade de consumo muitas vezes não se dá um basta aos anseios de comprar até o que é desnecessário e inútil. É o cristão que não contenta com o que tem e nem sabe usufruir o que já possui.  Quando tais imagens não são controladas fica aberto o caminho para a frustração que conduz à depressão, à tristeza crônica. São os vales que se tornam precipícios, se providências não são tomadas a tempo.
Acrescente-se que, para quem não procura frear suas fantasias, a irritação contra os outros fica aquecida e o remoer possíveis desatenções leva a horripilos sentimentos de ira. Estes podem até chegar ao ponto de se arquitetarem vinganças.
Outro aspecto do imaginário é a acídia ou preguiça. O indivíduo se entrega a sonhos mesmo irrealizáveis, se deslocando mentalmente das tarefas a serem cumpridas ou desejando férias paradisíacas nos mais encantadores lugares da terra. Esta atitude coincide com a indolência contra a qual se deve lutar a cada instante.
Finalmente, também a vaidade é fonte provocadora de distrações com  milhares de fantasias, visando sempre querer impressionar os outros através de uma ostentação fictícia. O intuito é atrair a atenção e caracteriza o frenesi de quem quer ser sempre o foco de todos e em tudo.
 Cumpre, portanto, por tudo isto, uma análise dos caprichos que se multiplicam e que são uma projeção das desordens interiores, um reflexo dos defeitos dominantes.
Todas estas ficções podem vir à tona, igualmente, para aqueles que aguardam, por exemplo, o resultado de uma loteria e se põem a imaginar o que fariam com a quantia que vierem a ganhar.
 É necessário, contudo, que cada um se liberte das aspirações insatisfeitas, dos desejos imoderados, das emoções não controladas.
Um auto-exame é o caminho para o triunfo sobre todas estas obsessões.
 Isto na alheta do que ensinou o Mestre divino no pedagógico conselho “sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito”.
 Aí está uma senda segura para a santificação pessoal com a correção dos vícios e a pratica das virtudes que tanto nobilitam o epígono de Cristo.
 * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

A MÍSTICA DO SILÊNCIO

A MÍSTICA DO SILÊNCIO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O silêncio é necessário para que se possa penetrar na grandeza incomensurável do Ser Supremo. Supõe maleabilidade e acessibilidade às influências das moções divinas. Isto é condição basilar para atingir a maturidade espiritual que deve ser uma meta de todo aquele que tem fé. Um primeiro passo para se poder envolver inteiramente na luz celestial é evitar a dispersão, inimiga  peremptória da concentração. O bulício é óbice a um diálogo com Deus, pois “non in comotione Dominus", o Senhor não está na agitação. Quando se age longe do tumulto, esta atitude muito agrada a Deus. Os demais passos tornam-se mais fáceis. Entre o "mundo" e "Deus" o posicionamento de torna claro, radical e definitivo. Verifica-se o  sim verdadeiro de quem quer estar unido ao Pai celeste. Eis porque é preciso aprender a fazer silêncio para que seja viável o aprimoramento interior e, em conseqüência, a transformação de todo o ser. È possível a taciturnidade mesmo que não esteja dentro de um mosteiro. Encontrar um espaço para estar a sós com Deus é questão de opção. Criar um ambiente para a abertura ao contato com o Espírito Santo significa a disposição implícita de escutá-lo, já tendo, inicialmente, o cristão se proposto à observância sincera e perseverante dos mandamentos sagrados do Decálogo e se colocado numa atitude de profunda humildade. Dá-se, deste modo, a possibilidade da imersão no mistério do Deus três vezes santo. Desta maneira, as orações ganham sentido. O terço, por exemplo, se torna uma prece vocal e, ao mesmo tempo, mental pela contemplação atenta dos grandes episódios bíblicos. A leitura pausada de trechos da Sagrada Escritura passa a propiciar oportunidade ímpar para que o Espírito Santo fixe suas diretrizes as qual são então acatadas como resposta instantânea  ao seu Senhor. Ocorre, neste caso,  a admirável adaptação  da criatura a seu Criador. Eis um primeiro fruto do silêncio. Ele enseja ao cristão compreender que o estar com Deus não representa se alienar do que o rodeia numa fuga condenável das tarefas cotidianas e, também, do interesse pelo próximo. Ao contrário, revigorado com estes instantes de união com Deus o cristão compreende que silêncio sem apostolado é vão egoísmo e sem o cumprimento do dever de cada instante é fatuidade. Com efeito, aquele que se entrega a momentos de uma oração silenciosa coloca em ordem seu interior e quer, depois, irradiar paz, serenidade, tranqüilidade, imperturbabilidade em seu derredor, fazendo bem tudo que deve fazer a bem dos outros. Apenas assim se chega à sabedoria e à inteligência espiritual de que fala São Paulo aos Colossenses. Esta sabedoria conduz a um comportamento digno do Senhor, tudo transformando em pensamentos, desejos e ações agradáveis a Ele . É, assim, que a vida do cristão produz, de fato, frutos abundantes e o epígono de Cristo cresce continuamente no conhecimento de Deus numa sublime atitude  perseverante e paciente (cf Cl 1,9-11). É preciso, portanto, saber e degustar todas as alegrias de se sentir salvo amado por Aquele que é o oceano infinito de amor. Tudo que aconteceu no passado fica entregue confiadamente à Providência e ela lança o cristão jubilosamente para o futuro, como ensina o referido São Paulo (cf.Fl 3,14). O dia de Deus se torna o Deus sempre presente, duração viva, sem trevas, tristezas, fobias. É que os momentos de silêncio se convertem em  instantes felizes nos quais a alma como que inefavelmente toca o Infinito. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

JESUS NA SINAGOGA DE NAZARÉ

JESUS NA SINAGOGA DE NAZARÉ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A primeira pregação de Jesus na sinagoga de Nazaré é como uma síntese de toda sua missão de evangelizador (Lc 4, 14-21). O trecho de Isaías mostra que lhe foi dado o Espírito do Senhor que estava sobre ele e lhe conferiu a unção para uma obra de libertação, de luz e de misericórdia. Ao fazer o comentário Cristo diz claramente: “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura que acabais de ouvir”. É que Ele aplicou a si mesmo a palavra do profeta. Logo ele que os ouvintes conheciam como o filho do carpinteiro José se identificava com o Messias prometido e esperado! Todos tinham os olhos cravados nele e admiravam com sua mensagem, pois era a graça de Deus que Ele anunciava a todos. Bem sabemos que aquele arrebatamento.foi instantâneo, pois, quando Jesus afirmou que ele levaria a boa nova e seus milagres igualmente aos pagãos como no tempo de Elias e Eliseu, seus conterrâneos se enfureceram. Aí então uma primeira indagação que se deve fazer: “Qual é o ato de fé que Cristo-Messias pede a cada um, quando assim ele se manifesta como o Redentor que o Pai enviou a esta terra”? Ele quer que nos identifiquemos não a Ele, o profeta portador do Espírito, mas àqueles visados por Isaias, ou seja, os pobres, os cativos, os cegos e os oprimidos. Com efeito, é preciso verificar se não somos pobres de esperança e de alegria, mas repletos da certeza de que Ele veio para tirar esta mendicidade espiritual. Hoje é preciso mostrar a Ele as cadeias que prendem o coração, por não se acreditar completamente no perdão que Ele concedeu de todas as faltas passadas já anistiadas no Sacramento da Confissão. Ele quer retirar tudo que paralisa o amor no cotidiano, tudo que retém o élan da total confiança num futuro feliz graças à sua proteção. Ele deseja tirar qualquer cegueira que turva a caminhada rumo à pátria celeste e almeja iluminar os olhos de seus seguidores para reconhecerem os dons de Deus nos quais se acham envoltos. Aqueles que se acham oprimidos pelas paixões ou escravos de seus erros  que com sua graça poderosa possam obter total liberdade uma vez sua misericórdia é sem limites. Ele oferece a todos libertação por causa de sua dileção sem fronteiras a qual ninguém pode estancar. Tudo Ele oferece hoje, por que, segundo seus dizeres hoje se cumpre o que foi predito por Isaías. Uma condição contudo Ele estabelece: ter os olhos fixos nele como os nazarenos lá na Sinagoga. Tudo a ser feito com Ele, por Ele e nele, o grande Libertador. Apenas assim se penetra fundo no admirável sentido messiânico daquilo que Ele proclamou lá na Sinagoga de Nazaré. O hoje de Deus deve, portanto, ressoar sempre no íntimo dos corações que nele crêem. Ao cumprir a profecia de Isaías, Ele, o enviado do Pai, inaugurou, de fato, uma nova época na qual todos os homens podem conseguir  a extinção  de todos os seus males. Tudo porque Jesus não falou à maneira dos escribas e doutores da Lei que simplesmente comentavam as passagens da Revelação. Sua palavra, com efeito, era Ele mesmo, a Verdade Suprema. Não somente havia uma beleza nas suas explicações, depois compendiadas no Evangelho, mas sobretudo resplandecia uma força que perenemente fluía de sua pessoa. Seus conterrâneos admirados exclamavam: “Donde  lhe vem esta sabedoria?” No  começo de sua vida pública Jesus manifestou  deste modo uma inteligência das Escrituras e de Deus que Lhe advinha de sua filiação divina. Eis porque mais tarde Ele enfrentará com sapiência maravilhosa as agressões verbais e físicas que o conduzirão à Cruz, momento zenital da dor pela regeneração humana. Tanto isto é verdade que lá no Calvário, Ele o Messias, doce e humilde de coração, rico em misericórdia abrirá as portas do Reino dos céus ao bandido arrependido: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Cumpria-se plenamente o que Ele dissera na Sinagoga de Nazaré, aplicando a si as palavras de Isaías. Os pobres, os cativos, os cegos, os oprimidos Ele faria entrar na eternidade de Deus. Nele e por Ele, o hoje se tornaria o eterno presente de Deus, não já no paraíso perdido por Adão e Eva, mas no paraíso do Reino Novo por Ele instalado nesta terra. Para isto, como acontecia na Sinagoga de Nazaré, é preciso que  os olhos estejam fixos nele  Isto se dá quando o cristão dirige o olhar no mais profundo de seu coração e aí contempla a Sabedora, a Verdade do Filho único de Deus.Cumpre ver Jesus com os olhos da alma. Então o pobre em espírito se torna rico; quem estava preso a seus erros fica liberto; quem estava possuído pela cegueira espiritual, passa a enxergar as maravilhas de Deus e os que estavam oprimidos  pela tristeza deparam a liberdade dos Filhos de Deus. * Professor no Seminário de Mariana durante  40 anos.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O BATISMO DE JESUS

                        REFLEXÕES SOBRE O BATISMO DE JESUS
                                    Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A liturgia  convida hoje a celebrar o Batismo de Jesus e uma tal festa poderia parecer aos mais desavisados estranha e sem sentido. De plano uma questão se levanta: “Cristo tinha necessidade de ser batizado? É claro que não, mas, então, porque Ele quis ser batizado por João Batista? O batismo do Precursor era um ritual de purificação por meio da água, objetivando reduzir a distância entre o homem e Deus. Oferecia uma passagem para uma vida unida ao Criador, dispondo a receber o  seu perdão..Isto não era necessário para Jesus. No entanto, Cristo desejou este batismo, porque Ele quis se assemelhar aos pecadores e se mostrar um homem como os outros. O batismo que Ele instituiria seria no Espírito Santo e no fogo porque encheria os batizados de dons celestes e os purificaria da mancha do pecado original, outorgando-lhes a graça santificante.  Jesus, contudo, foi ao batismo de João  num gesto de humildade e para servir de exemplo aos que precisavam participar daquela cerimônia de penitência. Naquele instante Cristo santificava as águas e mais tarde promulgaria o sacramento da iniciação cristã. Após este episódio no Jordão teria início a vida pública do Redentor. É de se notar que nesta ocasião do batismo de Jesus se ouviu a voz do Pai: “Tu és o meu Filho amado, em ti eu me comprazo”. Mais tarde, porém, este mesmo Jesus pregado na Cruz, no final de sua trajetória redentora se sentiria inteiramente abandonado.  O Pai que havia reconhecido oficialmente o Filho de suas predileções se mostraria inteiramente silencioso. Jesus na sua passagem para a morte exclamaria: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste”. Palavras inteiramente diferentes. No rio Jordão veio a mensagem do Pai para manifestar a identidade do Filho no princípio de sua missão salvífica. No Gólgota palavras são pronunciadas pelo Filho desamparado pelo Pai no final de uma obra redentora, quando haveria de morrer ignominiosamente para depois ressuscitar imortal e impassível.  É entre estes dois momentos, entre estas duas realidades tão díspares  que Jesus vai viver sua vida pública. Ele quis deixar claro qual é a trajetória dos seus discípulos, dos que receberiam o seu batismo. Caminho de alegria, mas também de tensão, de sofrimentos, de crise. Ao receber o batismo de João, Cristo aceita a caminhada que vai terminar no Calvário e só depois conhecerá o triunfo da ressurreição. Assim seria a vida de seu seguidor neste mundo o qual deveria viver integralmente o sacramento do Batismo. Ele estaria no mundo, não seria do mundo, mas teria que enfrentar dificuldades, violências e turbulências do espírito maligno. A complexidade da vida cristã deveria ser encarada com coragem, determinação, vivendo o cristão todas as contingências de um exílio terreno, mas sem se deixar contaminar pelo espírito do mundo. A missão de todos os batizados seria a do fermento na massa, a da luz nas trevas. Os primeiros batizados entenderam isto perfeitamente como se pode ver na Carta de Diogneto, escrita por volta do ano 120 depois de Cristo. Hoje no mundo pós-moderno é o mesmo que deve ocorrer.  O referido documento mostra que “os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. [...] Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social. [...] Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os recém-nascidos. [...] Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. [...] São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo estão satisfeitos. [...] Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida. [...] Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está em todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo”. Eis aí a tarefa de quem foi batizado, devendo durante toda sua vida testemunhar a doutrina do Mestre divino, vivendo intensamente o seu batismo no qual ele morre para os vícios. Ressoam então as palavras de São Paulo: “Interessai-vos pelas coisas lá de cima, não pelas coisas terrenas, desde que vós morrestes, e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus (Col 3,2). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.