SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS
Còn. José
Geraldo Vidigal de Carvalho*
No livro do Apocalipse São João se refere aos
eleitos e assevera que viu uma multidão incalculável de todas as nações,
tribos, povos e línguas de pé diante do trono e do Cordeiro, vestidos com
vestes brancas e com palmas na mão” (Ap 7,9). Sobretudo na solenidade de hoje, unimo-nos
ainda mais estreitamente à litugia do céu. Cada vez que os fiéis se reúnem para
celebrar os santos Mistérios da Salvação, oferecidos por Deus em seu Filho
Jesus Cristo, eles se unem a esta liturgia celeste que se desenrola diante do
Criador e perante Aquele que foi imolado no sacrifício do Calvário. Os
seguidores de Cristo se ligam àqueles que morreram, mas que se acham vivos na
presença do seu Senhor após terem passado pela porta da morte. Trata-se de uma
participação intensa na imolação do Filho de Deus que veio a este mundo para
salvar e remir todos aqueles que recebem com fé e amor o sacrifício redentor. A
manifestação da dileção de Deus, que ficou clara no fato da criação e refulgiu
também na Encarnação Redentora de seu Filho, deixou patente o desejo divino de
levar para junto dele lá no céu um número imenso daqueles que depararam a sua
salvação eterna, participando da vida sem fim que passa do Pai ao Filho e do
Filho ao Pai no dinamismo incessante, maravilhoso, do Espírito Santo. É nesta
felicidade sem fim que já se encontram todos aqueles que hoje são comemorados por
já estarem na glória eterna. Cada fiel no dia do seu batismo foi revestido com
uma vestimenta pura, santa, sendo purificado no sangue do Cordeiro Imaculado,
imerso no sacrifício salvador do Filho de Deus. Torna-se participante da sua
morte para ser também participante de sua gloriosa ressurreição. Eis por que
São Paulo chamou os cristãos de “santos” (Rm 1,7: Col 1,2: Ef 1,1). Esta
santidade desabrochará na cidade dos santos após a trajetória de cada um nesta
terra de exílio. É quando se dará o que São João escreveu na sua primeira
carta, dizendo que “quando o Filho de Deus aparecer, seremos semelhantes a Ele,
porque nós o veremos tal como Ele é” (1 Jo 3,2). Então a graça do batismo terá
se desenvolvida plenamente em cada um. É o que ensina o mesmo São João ao nos
levar a contemplar a grandeza do amor de Deus que cumula de graças o batizado de
tal forma que ele seja chamado seu filho em seu Filho único: “Somos filhos de
Deus, mas o que seremos não aparece ainda plenamente” (l Jo 3,2). Eis por que o
batizado renuncia continuamente ao pecado. Aí está o motivo pelo qual a festa
de todos os santos repleta de esperança aqueles que creem. Esperança fulgurante
de se tornar semelhante a Jesus Redentor para gozar dele por toda a eternidade.
A santidade que Deus quer de cada batizado vai se desenvolvendo através da vida
do cristão e desabrochará na ultravida. Desde esta terra, porém, Deus quer que
todo batizado seja bem-aventurado (Mt 5,3 e ss), feliz em todas os
acontecimentos e situações. As beatitudes não são simplesmente um código moral
ou um ideal irrealizável, ou uma sabedoria de vida. Elas são bênção de Deus sobre
nossa humanidade um vibrante apelo à esperança da posse um dia da vida eterna
junto de todos os santos. Entretanto, para
fazer parte um dia desta vida eterna feliz, todo batizado deve praticar a
pobreza do coração e a doçura, chorar e desprezar todo e qualquer pecado,
tornar-se misericordioso, ter fome e sede de justiça para poder viver a bondade
e a pureza de coração, passar pela contradição dos maus por causa de Cristo,
sendo assim também artesão da paz. A solenidade de hoje é um apelo a que cada
um se torne verdadeiramente “santo”. Não se trata, é certo de se tornar pessoas
perfeitas, mas cristãos que acolhem a vida de Deus e procuram se ajustar sempre
em tudo e em toda parte à vontade santíssima do Ser Supremo. Cada um, não obstante, é livre e pode recusar,
infelizmente, a adoção filial proposta pelo Senhor de tudo. É a triste condição
do pecador, dado que o pecado é a ruptura com a filiação divina. Foi o que
aconteceu com o Filho Pródigo da parábola contada por Jesus. O retorno à casa
paterna é sempre possível, porque a Casa dos Santos está sempre aberta graças à
misericórdia divina e oferece oportunidade para a vivência das
Bem-aventuranças. O amor do divino Redentor é sempre oferecido graças à
misericórdia de um Deus que quer a salvação de todos. É Jesus que leva à prática
das oito beatitudes e a participação na Eucaristia é o lugar basilar da união
com o Coração amoroso do Filho de Deus. Quem comunga com fervor não se apartará
da vida eterna junto com todos os eleitos. Todos os santos que hoje são
fervorosamente homenageados realizaram em suas vidas sua admirável vocação à
santidade e, como dizem os teólogos, se tornaram mestres de uma vida santa.
Todos eles, mas sobretudo os santos da devoção de cada fiel os levam a assegurar sempre a caminhada rumo ao céu, onde
estão à espera dos que na terra nele confiaram e os imitaram com perseverança. * `Professor
no Seminário de Mariana durante 40 anos.