AS NÚPCIAS EM CANÁ
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
Há no episódio das Bodas de Caná da Galileia peculiaridades
que merecem atenção, como bem observou Gerard Reynaud. Trata-se do início dos
milagres de Jesus e da manifestação de sua glória. Isto, porém, se dá não num
lugar famoso, importante ou profundamente simbólico para o povo de Israel como
seria o templo de Jerusalém. Jesus poderia ter optado pelo monte Garitzim,
lugar sagrado para os samaritanos ou mesmo por Belém, a cidade onde nascera.
Preferiu uma pequena urbe da Galileia, próxima de Nazaré. É de se notar que na Galileia
havia uma mistura de estrangeiros com habitantes locais e era considerada pelos
judeus e suas autoridades como uma terra pecaminosa, porque mesclada. Isto para
a tradição hebraica era sinal de impureza. Os critérios do Mestre divino são surpreendentes
para uma visão meramente humana e cumpre sempre penetrar fundo no significado
de tudo que Ele fez e ensinou. São João apresenta na sua narrativa os
personagens que participaram daquelas núpcias. Ali estava a Mãe de Jesus, mas
seu nome não foi registrado pelo evangelista nesta narrativa. É interessante
observar, porém, que Maria é a protagonista que abre e fecha o Evangelho de
hoje. Como São João não menciona São José ele já deveria ter morrido. Note-se
que Jesus se dirigirá a sua Mãe usando o termo mulher, termo que Ele
usará no Calvário ao assim se dirigir a ela do alto da Cruz, referindo-se a
João: “Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26-27). Por certo o intento de São
João foi mostrar o lugar eminente que esta mulher teve na obra da salvação. Mãe
de Jesus ela seria também a Mãe da humanidade remida por seu divino Filho. Sua
mãe se tornaria a nova Eva sempre preocupada com as dificuldades de seus
filhos, atitude que ela mostra claramente ao ver o vexame que passariam os
noivos por faltar o vinho naquela solenidade em Caná. Ali, porém, a figura
principal era Jesus, cujo nome São João repete quatro vezes nesta narrativa.
Ele operaria o famoso milagre da mudança da água em vinho e anteciparia sua
manifestação poderosa graças à influência de sua Mãe. Ali estavam seus discípulos referidos três
vezes pelo Evangelista. Estes seguidores de Jesus ali se mostravam discretos, não
falam, não intervêm e João nem nos diz quantos eram. Entretanto, ao fazer o seu
primeiro milagre, Jesus os visava, dado que ante esta manifestação de poder,
diz São João “os discípulos creram nele”, sem se referir aos parentes de Jesus
que lá estavam, ou aos serventes ou às outras pessoas que participavam daquela
festa. Os serventes vão obedecer a uma ordem dada não pelo organizador da
solenidade, nem mesmo pelo noivo, mas vinda diretamente de Jesus, o que
patenteia ser Ele a figura central do que aí ocorria. Ele o esposo celeste da
Igreja que Ele estabeleceria nesta terra. Os serventes estavam acostumados a
obedecer às ordens recebidas e, por isto, não estranharam o fato da Mãe de
Jesus lhes ter dito para fazerem tudo que este lhes ordenasse. Enchidas as seis
talhas com água, Jesus mandou que o Mestre Sala provasse a água transformada em
vinho. Bem podemos aquilatar a aflição deste personagem quando já faltava esta
bebida, o que seria uma falha sem precedente e gravíssima perante os convidados
que se sentiriam menoscabados. Maior foi sua surpresa ao degustar aquela bebida,
fruto da intervenção de Cristo. Aí vem um fato notável observado por São João
Crisóstomo, pois o Mestre Sala se dirige ao noivo com estas palavras: “Todos
servem primeiro o vinho melhor e, quando têm bebido bem, servem então o
inferior Tu, porém, pelo contrário guardaste o vinho bom até este momento”. É
que aquele vinho prefigurava aquele que seria servido no Cenáculo, quando não a
água seria transformada em vinho, mas este, sim, seria transubstanciado no
sangue de Cristo, prefigurando o sangue redentor que correria durante a Paixão
do Senhor. Finalmente, aqueles esposos, honrados com a presença de Cristo,
protagonizaram núpcias símbolo do rito nupcial do banquete escatológico. O tema
dos esponsais é fundamental na Bíblia e Jesus seria o fundador da aliança na
qual o esposo verdadeiro era o Deus de Israel. Este sempre apresentado como o
esposo de seu povo. Cristo viera estabelecer a Nova Aliança com os remidos por
seu sangue, servindo não mais um vinho de uma alegria terrena, mas do júbilo
que jorra para a eternidade com um caráter profundamente escatológico, ou seja,
daquilo que acontecerá n fim dos temos. Vinho que estaria sobre os altares para
ser transubstanciado no momento do banquete eucarístico, na hora da Consagração,
na Missa, renovação incruenta do sacrifício do Calvário. Em Caná, Jesus
anunciou sua missão de realizar a passagem do Antigo ao Novo Testamento. Os
discípulos creram na sua divindade e Maria nos convida a fazer tudo que sue
filho nos ensinou e que está compendiado no Evangelho. Assim é que se poderá
ter parte no banquete do Reino prefigurado neste episódio das núpcias de Caná e
tornado realidade na Eucaristia da qual participamos em todas as Missas. * Professor
no Seminário de Mariana durante 40 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário