quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

As núpcias em Caná

AS NÚPCIAS EM CANÁ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Há no episódio das Bodas de Caná da Galileia peculiaridades que merecem atenção, como bem observou Gerard Reynaud. Trata-se do início dos milagres de Jesus e da manifestação de sua glória. Isto, porém, se dá não num lugar famoso, importante ou profundamente simbólico para o povo de Israel como seria o templo de Jerusalém. Jesus poderia ter optado pelo monte Garitzim, lugar sagrado para os samaritanos ou mesmo por Belém, a cidade onde nascera. Preferiu uma pequena urbe da Galileia, próxima de Nazaré. É de se notar que na Galileia havia uma mistura de estrangeiros com habitantes locais e era considerada pelos judeus e suas autoridades como uma terra pecaminosa, porque mesclada. Isto para a tradição hebraica era sinal de impureza. Os critérios do Mestre divino são surpreendentes para uma visão meramente humana e cumpre sempre penetrar fundo no significado de tudo que Ele fez e ensinou. São João apresenta na sua narrativa os personagens que participaram daquelas núpcias. Ali estava a Mãe de Jesus, mas seu nome não foi registrado pelo evangelista nesta narrativa. É interessante observar, porém, que Maria é a protagonista que abre e fecha o Evangelho de hoje. Como São João não menciona São José ele já deveria ter morrido. Note-se que Jesus se dirigirá a sua Mãe usando o termo mulher, termo que Ele usará no Calvário ao assim se dirigir a ela do alto da Cruz, referindo-se a João: “Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26-27). Por certo o intento de São João foi mostrar o lugar eminente que esta mulher teve na obra da salvação. Mãe de Jesus ela seria também a Mãe da humanidade remida por seu divino Filho. Sua mãe se tornaria a nova Eva sempre preocupada com as dificuldades de seus filhos, atitude que ela mostra claramente ao ver o vexame que passariam os noivos por faltar o vinho naquela solenidade em Caná. Ali, porém, a figura principal era Jesus, cujo nome São João repete quatro vezes nesta narrativa. Ele operaria o famoso milagre da mudança da água em vinho e anteciparia sua manifestação poderosa graças à influência de sua Mãe.  Ali estavam seus discípulos referidos três vezes pelo Evangelista. Estes seguidores de Jesus ali se mostravam discretos, não falam, não intervêm e João nem nos diz quantos eram. Entretanto, ao fazer o seu primeiro milagre, Jesus os visava, dado que ante esta manifestação de poder, diz São João “os discípulos creram nele”, sem se referir aos parentes de Jesus que lá estavam, ou aos serventes ou às outras pessoas que participavam daquela festa. Os serventes vão obedecer a uma ordem dada não pelo organizador da solenidade, nem mesmo pelo noivo, mas vinda diretamente de Jesus, o que patenteia ser Ele a figura central do que aí ocorria. Ele o esposo celeste da Igreja que Ele estabeleceria nesta terra. Os serventes estavam acostumados a obedecer às ordens recebidas e, por isto, não estranharam o fato da Mãe de Jesus lhes ter dito para fazerem tudo que este lhes ordenasse. Enchidas as seis talhas com água, Jesus mandou que o Mestre Sala provasse a água transformada em vinho. Bem podemos aquilatar a aflição deste personagem quando já faltava esta bebida, o que seria uma falha sem precedente e gravíssima perante os convidados que se sentiriam menoscabados. Maior foi sua surpresa ao degustar aquela bebida, fruto da intervenção de Cristo. Aí vem um fato notável observado por São João Crisóstomo, pois o Mestre Sala se dirige ao noivo com estas palavras: “Todos servem primeiro o vinho melhor e, quando têm bebido bem, servem então o inferior Tu, porém, pelo contrário guardaste o vinho bom até este momento”. É que aquele vinho prefigurava aquele que seria servido no Cenáculo, quando não a água seria transformada em vinho, mas este, sim, seria transubstanciado no sangue de Cristo, prefigurando o sangue redentor que correria durante a Paixão do Senhor. Finalmente, aqueles esposos, honrados com a presença de Cristo, protagonizaram núpcias símbolo do rito nupcial do banquete escatológico. O tema dos esponsais é fundamental na Bíblia e Jesus seria o fundador da aliança na qual o esposo verdadeiro era o Deus de Israel. Este sempre apresentado como o esposo de seu povo. Cristo viera estabelecer a Nova Aliança com os remidos por seu sangue, servindo não mais um vinho de uma alegria terrena, mas do júbilo que jorra para a eternidade com um caráter profundamente escatológico, ou seja, daquilo que acontecerá n fim dos temos. Vinho que estaria sobre os altares para ser transubstanciado no momento do banquete eucarístico, na hora da Consagração, na Missa, renovação incruenta do sacrifício do Calvário. Em Caná, Jesus anunciou sua missão de realizar a passagem do Antigo ao Novo Testamento. Os discípulos creram na sua divindade e Maria nos convida a fazer tudo que sue filho nos ensinou e que está compendiado no Evangelho. Assim é que se poderá ter parte no banquete do Reino prefigurado neste episódio das núpcias de Caná e tornado realidade na Eucaristia da qual participamos em todas as Missas. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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