SALVE A UNIVERSITÁRIA CIDADE DE VIÇOSA!
Dia 30 de setembro próximo a universitária Cidade de Viçosa completa 142 anos e reproduzimos o texto que foi composto ao ensejo dos 90 anos desta urbe, orgulho dos mineiros e de todos os brasileiros. Como a universitária cidade de Juiz de Fora e outras cidades importantes que foram elevadas a Vila na época do império, Viçosa comemora o glorioso 30 de setembro de 1871.
90 ANOS DA ELEVAÇÃO DE VIÇOSA A VILA
“Cantate Dominum canticum novum”1
Cantai ao Senhor um cântico novo.
Oração Gratulatória na Missa de Ação de Graças, na Igreja Matriz de Santa Rita de Cássia de Viçosa, ao ensejo da comemoração dos noventa anos de elevação desta cidade à categoria de Vila, dia 30 de setembro de 1961.
Retrospectiva luminosa
Aos trinta dias do mês de setembro do ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil oitocentos e setenta e um, qüinquagésimo da Independência, sendo imperador do Brasil D. Pedro II, Pio IX, papa da Santa Igreja Católica, D. Antônio Ferreira Viçoso, bispo da diocese de Mariana, pela lei nº 1817, Viçosa foi elevada à categoria de Vila, data faustosa do início de sua organização jurídica.
Noventa anos depois, se reúne a comunidade aos pés da mesma portentosa Padroeira, Santa Rita de Cássia, para exaltar a terra bem-amada.
Que então “sit laus plena, sit sonora, sit jucunda, sit decora mentis jubilatio”2 - seja este louvor completo e sonoro, jucunda, digna a alegria de todos ao celebrar data tão significativa.
Solenidade expressiva que muito honra os idealizadores de tão oportunas quão esplêndidas festividades. Este é um momento de se reviver as glórias passadas e de uma tomada de consciência para que o porvir desta cidade bendita seja sempre fulgurante. É sumamente frutuoso o contato com o passado. Paul Claudel em Le soulier de Satin proclamava: “Oh, ce sont ces morts-là, qui m’ont appris à regarder les vivants marcher” - foram os antepassados que me ensinaram a ver os vivos caminhar.
Estas recordações históricas acentuam, radicam, incentivam e insuflam o amor e a dedicação, o culto e a estima, o carinho e o interesse pela Cidade. Sentimentos nobres e dignificantes, consagrados pelo próprio Cristo que tanto amava Jerusalém, a capital querida de sua pátria, que, um dia, ao contemplá-la de longe, ante a visão terrível de sua destruição futura, Ele, o grande patriota, chorou comovido. Relata o Evangelista: “videns civitatem flevit super illam”3 - contemplando a cidade, chorou sobre ela.
Hoje, Viçosa, numa retrospectiva, revive noventa anos de grandezas. Nelas busca não só a inspiração para novos feitos, mas também renovada motivação para, jamais, romper com uma gloriosa tradição de patriotismo e religiosidade herdada de ancestrais ilustres.
Tarefa sublime, que se torna venturosamente fácil, estar aqui a cantar loas a urbe tão cheia de glórias. Nestas nove décadas os títulos mais belos, que honram e exaltam, se tornaram patrimônio de Viçosa.
Heroísmo que lembre Esparta?
Que se percorram os capítulos da guerra do Paraguai. Rebrilha a participação ativa dos habitantes da antiga Santa Rita do Turvo. Daqui partiram, sob as bênçãos do Pároco, Pe. Manuel Filipe Neri, os voluntários na companhia de Francisco de Paula Galvão. Autoridades civis e pessoas gradas se fizeram presentes à partida dos aguerridos soldados com palavras de estímulo e aplauso. Francisco de Paula Galvão, pacífico mestre-escola do povoado, foi logo incorporado como Tenente ao 17o Batalhão de Voluntários da Pátria. Na épica Retirada da Laguna, Galvão se fez figura singular. A batalha de Nhandipá, a 11de maio de 1867, por sua conduta heróica, lhe consagrou os méritos. Títulos e honrarias proclamaram seu valor. Fez-se merecedor da medalha concedida pelo Decreto nº 3.926, de 7 de agosto de 1867, pois brilhara em território inimigo. Cavalheiro da Ordem de Cristo, pelo Decreto de 19 de agosto do mesmo ano, já tinha sido antes nomeado Cavalheiro da Ordem da Rosa. Foi sempre um soldado a serviço da pátria e repleto de merecimentos, pois “passando a servir no 5o Batalhão de Guardas Nacionais, em Paconé, foi louvado pela subordinação, inteligência e zelo que revelou e por haver cooperado em manter a disciplina e apagar a discórdia que ameaçava esse batalhão”4. Símbolo do civismo da cidade de onde partira, ei-lo, pelo Decreto de 2 de março de 1870, nomeado Capitão Honorário do Exército brasileiro.
Cultura que recorde Atenas?
Erga-se a plêiade de literatos e homens de ciência aqui nascidos ou criados. São inúmeros nas províncias da erudição a ostentar o borbulhar do gênio. Escolhamos um. Logo surge ante nós Dr. Arthur da Silva Bernardes, o jurista, o político, o estadista. Seus discursos revelam vastos conhecimentos sobre os assuntos mais relevantes. Os problemas agrícolas, as questões sociais, os temas econômicos, os assuntos internacionais foram por ele sempre abordados com total conhecimento de causa. Firmando os foros culturais de Viçosa, ele criou a Escola Superior de Agricultura e Veterinária aqui instalada em 1922. Hoje incorporada à Universidade Rural de Minas Gerais, juntamente com as escolas que foram surgindo, faz desta cidade uma das principais urbes universitárias da América, para gáudio de quantos amam Viçosa, na qual pontilham outros estabelecimentos de ensino que enaltecem o sistema educacional do Brasil.
Religiosidade que memorize Roma?
Aí está o espírito de fé do viçosense. O notável fervor de uma gente que cresceu à sombra da Cruz. A fidelidade de um povo à verdade do Evangelho e à Igreja Católica. Tão logo das regiões auríferas de Ouro Preto, de Mariana, de Piranga afluíram os primeiros colonizadores, aqui a Religião cintilou. A 8 de março de 1800, o Pe. Francisco José da Silva obtinha de D. Frei Cipriano de S. José a licença para erigir uma ermida, sob a invocação de Santa Rita, no pequeno povoado. A gloriosa santa, desde os primórdios, a presidir os destinos desta região. Em 1876, elevada a cidade, a vila de Santa Rita do Turvo passa a se denominar Viçosa de Santa Rita, em homenagem ao santo bispo marianense D. Viçoso. Ruas e praças públicas homenageiam Cristo, Maria e os Santos. O mês de maio, com suas tradicionais coroações, marca a alma viçosense. Na rocha firme da verdadeira Igreja, Viçosa contempla hoje noventa anos de bênçãos divinas e aparece como nume adorável da crença, tutelar zelosa do culto à divindade, sentinela avançada da Religião. Ela transmite às festas litúrgicas luzimentos ímpares, sobretudo em suas famosas Semanas Santas e nas solenidades da Padroeira. Soleníssimas comemorações que agermanam, numa mesma fé, milhares de corações.
Tradição que sugira Lisboa?
Aí está o patrimônio valiosíssimo, que as famílias aqui radicadas guardam e enriquecem através dos anos. A sociedade vale o que valer a família. A decadência desta fere mortalmente a civilização. Todas as grandes urbes se ufanam de suas famílias que projetam os traços prismáticos da genuína grandeza. Viçosa orgulha-se destes pilares e sua grandeza, alicerces de suas conquistas, sua gente. Bernardes, Freitas, Araújo, Carvalho, Gouvêa, Lopes Faria, Pacheco, Sant’Ana, Souza Lima, Rodrigues, Jacob, Vaz de Melo, Costa Val, Ferreira da Silva, Alencar, Castro, Comastri, Torres e tantas outras famílias ilustres. Delas saíram um Benjamim Araújo, um José Lino de Castro, um Verano Lopes Faria, um Joventino Octávio Alencar, treze sacerdotes, vinte e cinco religiosas e todo um batalhão de homens dignos, honrados, semeadores do bem, construtores de uma ordem social humana, profetas da verdade.
Rainha circundada de esplendor
Eis assim Viçosa, nesta data de seu nonagésimo aniversário, qual Rainha circundada de esplendor.
“Cantate Dominum canticum novum”. Junto do Altar de Deus cantemos um hino novo ante estes noventa anos nos quais se construiu a glória deste rincão bendito.
Viçosa, celeiro de heróis, guarida do saber, pórtico da fé, monumento vivo de famílias ilustres, sociedade modelar! Tudo isto aumentando a responsabilidade dos que iniciam uma nova década rumo ao centenário que, por certo, há de assinalar um novo magnífico encontro dos que fazem o progresso viçosense.
Que os jovens idealistas, que aqui acorrem em busca de uma sólida formação, continuem a deparar os padrões que marcam o autêntico desenvolvimento. Isto porque todas as instituições sociais, civis, políticas, religiosas, ajudando as qualidades naturais, aprimoram a inteligência, refinam os sentimentos, sobredouram os talentos para a edificação deste ser incomensurável em seus anelos que é o homem, cuja vocação no universo o coloca nos extremos limites do mundo natural e sobrenatural.
Tal o destino de Viçosa: continuar sempre a revestir de pompas incomparáveis as manifestações patrióticas. Laurear, sem desmaios, os triunfos imarcessíveis do trabalho. Ostentar a muitos as veredas da auto-realização. Progressista por excelência, avantajada em todas as empresas úteis e fecundas perante a consciência pública, sem tréguas, ser uma propulsora dos princípios que levam às paragens da ventura e da paz.
Então, sempre, se poderá dizer que “labore et virtute civitas floret” - pelo trabalho e pela virtude esta cidade floresce. Os dias de sua fúlgida história continuarão marcados por pedras brancas, pois esta será sua sina: “albo lapillo notare diem”5. As gerações vindouras a haverão de cantar ainda mais vibrantemente, pois aqui se realizará o dito virgiliano: “carpent tua poma nepotes”6.- Teus netos colherão os frutos. O amor e a fé estarão incrustados nas obras de quantos viverem neste recinto abençoado e se poderá repetir através dos tempos: “claret amor factis, non secus atque fides” - a dileção e a crença se vêem nas obras do viçosense. Este, alimentado por esta “alma mater” - mãe agraciada e rica, ostentará, por toda a parte, têmpera invulgar. A quantos nesta cidade viverem, se aplicará a frase horaciana: “crescit occulto velut arbor aevo”7 - cresce insensivelmente com o tempo, como uma árvore. Este será um título que todos quererão reter e do qual se blasonarão: sou viçosense, sou nascido ou criado numa terra que transmite ideais sublimes. De fato, “hoc nomem in fronte scribendum, quia “honor”; in manu ferendum, quia “gladius”; in corde retinendum, quia “gaudia” - Este nome deve ser escrito na fronte, porque é honra; trazido nas mãos, porque é uma espada; conservado no coração, porque é alegria. Como, porém, “honos habet onus”, as honras pesam, trazem responsabilidades, por certo, quantos se vangloriarem de ser viçosenses preservarão totalmente as tradições que esse qualitativo encerra. Esta será a melhor maneira de mostrar gratidão para com a cidade que tanto enobrece seus filhos. No que tange a Viçosa, por tudo que foi rememorado, a ingratidão seria inominável. Não ser honrado é negar valores aqui hauridos. Não ser útil e justo é não dar retorno às benesses recebidas. Deixar de a louvar é um esquecimento indesculpável. Sêneca, com razão, afirmou: “ingratus est qui beneficium accepisse se negat quod accepit, ingratus qui non reddit, ingratus qui dissimulat, ingratissimus omnium oblitus est”8 - ingrato o que nega haver recebido o benefício, ingrato o que não lhe dá retorno, ingrato o que dissimula, o mais ingrato, porém, é o que dele se esquece.
Unidos na mesma fé, na mesma grandeza comum, os viçosenses de hoje reeditarão os triunfos passados, erguendo os monumentos do futuro e apontando aos cidadãos do porvir a mesma rutilante meta.
Sob a égide de Santa Rita de Cássia, caminhemos repletos de alegria, certos de que é um privilégio viver sob estes céus, é uma glória mourejar nesta terra que há noventa anos constrói uma pátria forte e altaneira.
Para nós e para muitos, Viçosa será, através das gerações, “civitas omnium optima” - a cidade que beatifica e realmente ilustra.
Notas
1 Isaías 42, 10.
2 Santo Tomás de Aquino, Missa da Festa do Ssmo. Corpo de Deus, Seqüência, in D. Beda Keckeisen O.S.B., Missal Quotidiano, Salvador, Tipografia Beneditina Ltda., 1957. p. 550.
3 Lucas 19, 41.
4 Alexandre de Alencar, Fatos e Vultos de Viçosa, Belo Horizonte, Estabelecimentos Gráficos Santa Maria S.A., 1959. p. 77.
5 Os romanos tinham o branco como símbolo da felicidade.
6 Virgílio, Écloga IX, v. 50.
7 Horácio, Odes, Livro I, ode XII, v. 45 in Oeuvres d’Horace, Paris, Librairie Hachette et Cie., 1917. p. 30.
8 Sêneca, De beneficiis, livro.3. cap. I.
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