ADESÃO À VONTADE DIVINA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A parábola dos trabalhadores da vinha inculca uma irrestrita adesão à vontade divina sem recriminações, porque Deus tem o direito de fazer o que quer. A virtude de cada um não depende de seu trabalho pessoal, mas da graça que o Senhor oferece e, apenas Ele, que, sendo bom, a distribui sem olhar o merecimento humano. É que apenas o Ser Supremo é capaz também de verificar o íntimo de cada coração e aquilatar o grau de correspondência à sua vontade santíssima. Chega-se ao Reino dos Céus não segundo os conceitos próprios, mas na medida em que se corresponde aos desígnios do Pai celeste. Apenas o critério divino leva que últimos sejam os primeiros e os primeiros os últimos (Mt 20,16). Faltou aos insurgentes da parábola dos trabalhadores convocados para o labor na vinha o discernimento desta verdade. Cristo, porém, deixou uma lição preciosa para seus seguidores. A complexidade das situações em que cada um é chamado a viver e agir para cumprir o plano de Deus a respeito de si mesmo e dos outros, impõe ao cristão atenta consideração dos impulsos e motivações que o induzem a determinadas atitudes perante o seu Senhor. O que é bom para um não é bom para outro e apenas Ele na sua sabedoria infinita e bondade sem limites pode fazer o que Ele bem entender e quiser. Deste modo, somente Ele tem capacidade para julgar a vitalidade existencial de cada um, constituída por pensamentos, sentimentos, atividades, tendências e relações com os outros. São Paulo captou magnificamente esta mensagem e afirmou aos Coríntios: “Eu nem sequer julgo a mim mesmo” (1 Cor 4,3). O que importa sempre na vida espiritual é a fé em Jesus Cristo e os dons do Espírito Santo a serem correspondidos sem ulteriores expectativas de recompensa. Eis porque a fé, a esperança e a caridade constituem a dimensão fundamental em que a existência cristã se manifesta, se realiza e cresce dentro do coração numa disponibilidade total sem preocupação com o julgamento daquele que tem uma medida muito acima das considerações humanas. O importante é estar atento para se perceber a vontade divina a cada instante, donde a diretriz de São Paulo aos Efésios: “Ponderai o que é agradável ao Senhor” (Ef 5,10). O Espírito divino estabelece com o espírito humano um diálogo misterioso, que obriga o ser pensante a confronto constante para dar resposta dócil que o leve ao dinamismo ininterrupto de transformação interior e de renovação capaz de permitir reconhecer a verdade que Deus traça e segui-la. Tudo depende da correspondência livre de cada um, por isto Jesus disse que os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros, dado que diante de Deus o que vale é a intensidade e perseverança do fervor. Portanto, o discernimento espiritual impõe-se como constante da vida do cristão, para possibilitar-lhe a passagem da idade ingênua da fé para a do batizado perfeito e maduro. Numa perspectiva mais ampla a sentença de Cristo significa que muitos cristãos medíocres que assim passaram a vida toda estarão depois daqueles que, ainda que convertidos nos últimos dias de vida, se projetaram numa total imersão na vontade divina. O Papa Bento XVI no seu livro-entrevista “Luz do mundo” afirma que vários que pensam estar dentro da Igreja estão fora, e muitos que estão fora, na verdade, estão dentro, pois, realmente, somente Deus pode sondar o íntimo de cada coração e aí verificar a sinceridade e seriedade de cada alma. O certo é , porém, que para a existência cristã poder se desenvolver em sua autenticidade, é preciso o confronto contínuo com as inspirações e a orientação do Espírito Santo que se revelam em Cristo, na Igreja e, de outro lado, os impulsos e estímulos das potências do mal que são contrárias aos desígnios divinos. A vida interior de cada um é complexa e nunca se pode manipular a vontade divina numa elaboração subjetiva. Entretanto, o cristão deve se manter em profunda tranqüilidade porque a todos é dado o dom do Espírito que se recebe radicalmente com a fé e o batismo e que habita em nós (Rm 8,9) e guia cada um fazendo-o viver como filhos de Deus (Rm 8,14). O alerta de Cristo de que os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros deve, contudo, levar a uma incondicional adesão à vontade divina sob a luz do Espírito Santo e a confiar sempre na graça, porque o principal será estar um dia no reino dos céus, seja entre os primeiros, seja entre os últimos. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
quarta-feira, 22 de junho de 2011
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