quarta-feira, 22 de junho de 2011

CORPUS CHRISTI
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
O motivo principal para a instituição desta festa foi a revelação que teve Santa Juliana de Mont Cornillon, em Liège na Bélgica. A ela deu-se uma aparição de um disco luminoso, com uma franja escura. A interpretação deste fato foi que o disco luminoso significava o ano litúrgico e a franja escura o vazio que se encontrava nele pela ausência de uma festa em honra ao Santíssimo Corpo de Cristo. Santa Juliana falou do acontecido ao seu confessor, que comunicou o fato a vários teólogos, a fim de darem seus pareceres. Entre eles se encontrava o provincial dos dominicanos, Hugo de Thierry, e o cônego de Liège, Jacques de Troyes. Este insistiu com o bispo Roberto para que a festa fosse estabelecida na diocese de Liège em 1246. Anos mais tarde Jacques de Troyes foi eleito Papa, com o nome de Urbano IV, o qual estabeleceu a festa do Corpus Christi em toda a Igreja. A procissão do Corpus Christi aconteceu mais tarde, sendo que as primeiras tiveram início em Colônia, na Alemanha. Ao princípio se levava o Santíssimo fechado na píxide. Aos poucos se queria contemplar a Hóstia Consagrada e assim apareceram as Custódias ou Ostensórios. Honrar públicas a Jesus Sacramentado, porque na Hóstia , como num abismo misterioso, se abre a fonte mesma de todas as graças divinas. Prolonga-se e se multiplica a presença do Deus humanado. Estende-se a Encarnação do Verbo nas almas remidas. Instala-se o penhor da ressurreição gloriosa. Fundamenta-se a unidade da Igreja. Em outros tempos. os hebreus se jactavam de sua importância entre todos os povos e eles se julgavam superiores a todas as nações da terra. Isto porque o poder de Javé os precedia no deserto e o Eterno assentado sobre a nuvem regulava seus destinos. Eram eles o povo escolhido porque a presença do Senhor tinha santificado a Arca da Aliança. Que excelência, que grandeza, que preeminência não deve ser a da Igreja possuindo a presença real de Cristo na Eucaristia, tendo por herança seu corpo, sangue, alma e divindade! Jesus com toda sua onipotência nada podia fazer que honrasse e distinguisse mais a humanidade do que deixando neste sacramento o memorial perene de sua dileção. Os israelitas, antes do Testamento Novo, foram nutridos com o maná, chamado nas Escrituras pão dos anjos. À sua Igreja, porém, seu Corpo Místico, foi dado o pão divino, Ele próprio em alimento das almas. A expressão é do próprio Cristo, quando assim falou aos judeus: “Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este pão é o que desce do céu para que não pereça quem dele comer” (Jo 6,50). Eucaristia, dique que suspende a torrente do mal, força que dispõe para os triunfos do bem e da virtude, manancial donde correm estas graças poderosas que, após longos desvarios, chama os pecadores aos caminhos da justiça. Além disto a Eucaristia revela o requinte da ternura divina. Na ordem da natureza Deus, em sua munificência infinita, oferece aos homens com o dom da vida tudo que é preciso para sua subsistência. É isto uma dádiva sublime de sua munificência. Na ordem da graça Ele comunica a todos os auxílios que são necessários à prática das virtudes. É isto uma oferta de sua misericórdia incomensurável. No sacramento do Altar, porém, Ele se dá a si mesmo. Eis aí o primor de sua bondade, a epopéia de seu afeto, assombro dos assombros, manifestação maravilhosa da dileção do Ser Supremo. Jesus toma um dos pães que estavam sobre a mesa espaçosa. Faz um instante de silêncio, momento de uma prece especial. Parte o pão e oferece um pedaço a seus discípulos, dizendo: “Recebei e comei: isto é o meu corpo”( Mt 26,26) Estes os aceitam das mãos do Mestre. O laço entre Aquele que dá e aquele que recebe é um elemento essencial, indispensável naquele instante solene. Foi um dar e um receber pessoal o que ocorreu entre Jesus e cada um dos doze. Todos tendo parte no mesmo pão divino distribuído individualmente pelo Redentor. Relação interpessoal entre Ele e seu epígono. Depois Ele “tomou um cálice e, dando graças, deu-lho dizendo: “ Bebei dele todos, pois isto é o meu sangue, o sangue da aliança, que é derramado por muitos para remissão dos pecados” ( Mt 26, 27). De novo se manifesta aqui o liame que prende ao Senhor cada um dos discípulos em particular e, simultaneamente, todos eles em conjunto. Todos entram em comunhão com Ele, presente sob as espécies de pão e de vinho. Naquele momento tão solene estava instituído o sacerdócio pelo qual Ele renovaria esta dádiva de amor. Suas palavras foram meridianamente claras: “Fazei isto em minha memória”( Lc 22, 19). É verdade que o sentido de uma reunião em torno de uma mesa para uma refeição já tinha sido exaltado entre os povos nas mais diversas épocas. Os convivas se ligam numa empatia profunda. Quantas decisões importantes têm sido tomadas nestes instantes de tertúlias amigas! Entretanto, nada se iguala ao que aconteceu na última ceia com todos estes pormenores que acabamos de recordar. Naquele momento solene e comovente entenderam os apóstolos a questão, um dia, levantada em Cafarnaum: “Como pode este dar-nos a comer a sua carne?”( Jo 6,53) Por certo os discípulos que acharam naquele dia dura a linguagem de Cristo, bendisseram não terem, também eles, se desligado dele. Jesus fora franco naquela oportunidade, vendo que muitos o abandonavam. Dissera claramente aos Doze: “Quereis vós também retirar-vos?”(Idem, ibidem, v.10) Eles, porém, fizeram um ato de fé nas palavras de Jesus, e somente agora as entendiam perfeitamente. A fidelidade deles estava recompensada! Graças e louvores se dêem a todo momento ao Santíssimo e Diviníssimo Sacramento! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

O SORRISO DE JESUS

O SORRISO DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O sorriso é um elemento da comunicação não verbal entre os seres inteligentes. Os animais irracionais não sorriem. Entre os homens ele traduz um sem número de expressões interiores como a alegria, o acolhimento, o humor e, até mesmo, uma ponta de incredulidade. Traduz ainda a condescendência, a ironia, podendo também manifestar desprezo. O sorriso como o olhar reflete a personalidade de cada um. Observe-se, porém, que a maioria dos retratos de todas as épocas que se encontram nos museus apresentam fisionomias sérias. Como o sorriso é fugaz, surge e logo desaparece e, quando se quer manter o sorriso, ele deixa de ser significativo, talvez por isto, ele quase não aparece na arte do retrato. É que o modelo era incapaz de o sustentar durante o tempo em que o artista o retratava. Com a arte fotográfica um campo novo apareceu e se multiplicaram as fotos de pessoas sorrindo, sobretudo vedetes de showbizz, de políticos interessados em agradar seus adeptos, tendo em vista seus votos nas urnas. Entre as obras de arte, porém, célebre ficou o sorriso da Joconda do Museu do Louvre da autoria de Leonardo da Vinci, o qual pintou Lisa Maria Gherardi num momento fugitivo no qual o sorriso se esboça, intrigando os analistas e os cinco milhões de visitantes anuais que visitam o referido museu parisiense. O olhar algo interrogativo e sonhador da Mona Lisa contribui para uma secular admiração. Muitos preferem, porém, do mesmo Leonardo da Vinci o sorriso de Santa Ana que não atrai pelo mistério, mas pela profundidade da meditação interior da qual é reflexo visível. Entretanto, se pode dizer que o sorriso não é um lugar comum na pintura religiosa. A arte dos ícones por mais antigos que sejam é sem sorriso. Um certo respeito religioso pode bem explicar tal fato. Há, contudo um hino grego muito ântico, talvez do século IV que se dirige a Cristo, chamando-O de “Luz sorridente do Pai”, mas das figuras de Jesus o sorriso está ausente. É certo que na Renascença italiana surgiram as pinturas de Maria ou dos anjos sorrindo, como se pode ver no Museu do Louvre. São sorrisos delicados, comedidos, que não fazem escapar um toque ligeiro de tristeza que os envolve. No que tange a Cristo, bem poucas são as representações do mesmo sorrindo. Há uma representação de Jesus sorrindo numa Igreja subterrânea da China, mas se percebe algo forçado, até mesmo espalhafatoso e, de si, não transmite aquela paz que se poderia esperar da mesma (foto 1). Bem diferente é o Cristo sorridente na Cruz que se acha em Navarra, na Abadia de Lérins (foto 2). Este oferece uma verdadeira lição de fé. Mostra que a cruz se leva com a força do amor, na confiança, sob o olhar complacente do Pai. Jesus ensina então que no coração da amargura há lugar para a alegria, a serenidade e a imperturbabilidade. É assim que a cruz pode então se tornar gloriosa. Trata-se de uma experiência na qual o Redentor convida seu seguidor a deixar para trás o que freia o progresso espiritual e impede a adesão à vontade divina. A cruz é um caminho para a autêntica liberdade. Aliás, o próprio Cristo aconselhou: “Tu quando jejuais não andeis tristes como os hipócritas, os quais desfiguram o rosto para mostrarem aos homens que jejuam” (Mt 6, 16). É preciso, de fato, ser adulto na fé. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

Foto 1 Foto 2
A INTERCESSÃO DOS SANTOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Há esta passagem do Evangelho quando Jesus disse a Tomé: “Eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim. (Jo 14,6). Lemos em São Paulo: “Não há senão um só Deus, um só é também o mediador entre Deus e os homens, o homem Cristo Jesus que se entregou a si próprio por todos.”(1 Tm 25).
Muitos pensam que estas assertivas dispensam a intercessão dos santos. Em primeiro lugar, é preciso saber que Jesus, realmente, quis dizer a Tomé que Ele é a única via para se ir ao Pai, por ser ele o nosso único mediador, como reiterou São Paulo e isto quer dizer que Ele possui a mesma natureza do Pai e por isso está no Pai, como o Pai está nele. Quem conhece a Jesus, sua doutrina e suas obras, que são doutrina e obras do Pai, pode e deve, pela fé, conhecer também o Pai. Ele é o mediador nato, porque apresentou a Deus satisfação adequada pelos pecados de todos os homens, oferecendo sua vida e isto com o fim de redimi-los.
No sentido estrito da palavra mediador somente Jesus que foi capaz de alcançar a reconciliação com Deus. Há, porém, uma mediação subordinada participada da mediação de Cristo.
O mediador subordinado é sempre dependente do Redentor. Explica o Concílio Vaticano II na Constituição dogmática “Lúmen Gentium”: “O consórcio com os Santos nos une também a Cristo, do Qual como de sua Fonte e Cabeça promana toda graça e a vida do próprio Povo de Deus. Convém portanto sumamente que amemos esses amigos e co-herdeiros de Jesus Cristo, além disso irmãos e exímios benfeitores nossos, rendamos devidas graças a Deus por eles, “os invoquemos com súplicas e que recorramos às suas orações, à sua intercessão e ao seu auxílio para impetrarmos de Deus as graças necessárias, por meio de Seu Filho Jesus Cristo, único Redentor e Salvador nosso”. Pois todo o genuíno testemunho de amor manifestado por nós aos habitantes do céu, por sua própria natureza, tende para Cristo e termina em Cristo, que é “a coroa de todos os Santos”, e por Ele em Deus que é admirável nos seus Santos e neles é engrandecido”. A eficácia da mediação subordinada dos santos, sobretudo, da Virgem Maria, Mãe de Jesus, descansa solenemente na mediação única de Cristo.
Com relação a Maria, no mesmo Documento ensina o Vaticano II: “As varias forma de piedade para com a Mãe de Deus, que a Igreja aprovou dentro dos limites da sã e ortodoxa doutrina, segundo as condições dos tempos e lugares e a índole e capacidade dos fiéis, fazem com que enquanto se honra a Mãe, o Filho por causa de Quem tudo foi criado (Col 1,15-16) e no qual por agrado do Pai eterno reside toda a plenitude (Col 1,19) seja devidamente conhecido, amado, glorificado e que sejam guardados seus mandamentos”. Célebre o axioma de São Bernardo: “Ad Jesum per Marian” – ir a Jesus por meio de Maria.
Os hinos de ação de graças que são elevados a Ela e aos santos, desde o início do cristianismo, por tantas graças obtidas, são uma prova de quão poderosa é intercessão deles junto do trono de Cristo.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

ADESÃO À VONTADE DIVINA

ADESÃO À VONTADE DIVINA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A parábola dos trabalhadores da vinha inculca uma irrestrita adesão à vontade divina sem recriminações, porque Deus tem o direito de fazer o que quer. A virtude de cada um não depende de seu trabalho pessoal, mas da graça que o Senhor oferece e, apenas Ele, que, sendo bom, a distribui sem olhar o merecimento humano. É que apenas o Ser Supremo é capaz também de verificar o íntimo de cada coração e aquilatar o grau de correspondência à sua vontade santíssima. Chega-se ao Reino dos Céus não segundo os conceitos próprios, mas na medida em que se corresponde aos desígnios do Pai celeste. Apenas o critério divino leva que últimos sejam os primeiros e os primeiros os últimos (Mt 20,16). Faltou aos insurgentes da parábola dos trabalhadores convocados para o labor na vinha o discernimento desta verdade. Cristo, porém, deixou uma lição preciosa para seus seguidores. A complexidade das situações em que cada um é chamado a viver e agir para cumprir o plano de Deus a respeito de si mesmo e dos outros, impõe ao cristão atenta consideração dos impulsos e motivações que o induzem a determinadas atitudes perante o seu Senhor. O que é bom para um não é bom para outro e apenas Ele na sua sabedoria infinita e bondade sem limites pode fazer o que Ele bem entender e quiser. Deste modo, somente Ele tem capacidade para julgar a vitalidade existencial de cada um, constituída por pensamentos, sentimentos, atividades, tendências e relações com os outros. São Paulo captou magnificamente esta mensagem e afirmou aos Coríntios: “Eu nem sequer julgo a mim mesmo” (1 Cor 4,3). O que importa sempre na vida espiritual é a fé em Jesus Cristo e os dons do Espírito Santo a serem correspondidos sem ulteriores expectativas de recompensa. Eis porque a fé, a esperança e a caridade constituem a dimensão fundamental em que a existência cristã se manifesta, se realiza e cresce dentro do coração numa disponibilidade total sem preocupação com o julgamento daquele que tem uma medida muito acima das considerações humanas. O importante é estar atento para se perceber a vontade divina a cada instante, donde a diretriz de São Paulo aos Efésios: “Ponderai o que é agradável ao Senhor” (Ef 5,10). O Espírito divino estabelece com o espírito humano um diálogo misterioso, que obriga o ser pensante a confronto constante para dar resposta dócil que o leve ao dinamismo ininterrupto de transformação interior e de renovação capaz de permitir reconhecer a verdade que Deus traça e segui-la. Tudo depende da correspondência livre de cada um, por isto Jesus disse que os primeiros serão os últimos e os últimos os primeiros, dado que diante de Deus o que vale é a intensidade e perseverança do fervor. Portanto, o discernimento espiritual impõe-se como constante da vida do cristão, para possibilitar-lhe a passagem da idade ingênua da fé para a do batizado perfeito e maduro. Numa perspectiva mais ampla a sentença de Cristo significa que muitos cristãos medíocres que assim passaram a vida toda estarão depois daqueles que, ainda que convertidos nos últimos dias de vida, se projetaram numa total imersão na vontade divina. O Papa Bento XVI no seu livro-entrevista “Luz do mundo” afirma que vários que pensam estar dentro da Igreja estão fora, e muitos que estão fora, na verdade, estão dentro, pois, realmente, somente Deus pode sondar o íntimo de cada coração e aí verificar a sinceridade e seriedade de cada alma. O certo é , porém, que para a existência cristã poder se desenvolver em sua autenticidade, é preciso o confronto contínuo com as inspirações e a orientação do Espírito Santo que se revelam em Cristo, na Igreja e, de outro lado, os impulsos e estímulos das potências do mal que são contrárias aos desígnios divinos. A vida interior de cada um é complexa e nunca se pode manipular a vontade divina numa elaboração subjetiva. Entretanto, o cristão deve se manter em profunda tranqüilidade porque a todos é dado o dom do Espírito que se recebe radicalmente com a fé e o batismo e que habita em nós (Rm 8,9) e guia cada um fazendo-o viver como filhos de Deus (Rm 8,14). O alerta de Cristo de que os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros deve, contudo, levar a uma incondicional adesão à vontade divina sob a luz do Espírito Santo e a confiar sempre na graça, porque o principal será estar um dia no reino dos céus, seja entre os primeiros, seja entre os últimos. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.