DEUS UNO E
TRINO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Nunca se reflete por demais no mistério de um Deus
uno e trino, verdade que Jesus trouxe do céu à terra. Ele inclusive ao ordenar
que todos fossem batizados em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo,
remetia o batismo ao magno mistério divino (Mt 28,19). Gregório Naziazeno,
notável teólogo do século quarto, assim se expressou: "Adoramos o Pai, o
Filho e o Espírito Santo, distinguindo três pessoas e unindo a divindade, sem
reduzir os três a um só para não incorrer no erro de Sabélio: nem os separamos
e dividimos em três coisas diversas e estranhas, para não incorrer no erro e
loucura de Ario". Sabélio, heresiarca do século terceiro, negava, com
efeito, a distinção das três pessoas divinas e Ario, outro herege daquele
século, combatia a unidade e consubstancialidade das três pessoas e afirmava
que o Verbo, tirado do nada era muito inferior ao Pai. Os concílios de Nicéia e de Constantinopla
expuseram a doutrina correta sobre a Trindade, fulminando os erros que iam
sendo disseminados. Foi rechaçada tanto a redução viciosa, como a divisão, mais
absurda que a primeira. Gregório Naziazeno doutrinava, porém, que não se deve
investigar com mera curiosidade a vida íntima de Deus ou seja como o Filho
procede do Pai e como o Espírito Santo, procede do Pai e do Filho. Quem se põe
a mirar de frente os raios do sol fica com a vista obscurecida pelo excesso de
claridade, vencendo o astro a força da visão. Com muito mais forte razão,
aturdida fica a inteligência humana se quiser abarcar a luz infinita do Ser
Supremo, Transcendente, Realidade que tudo determina, Criador todo-poderoso.
Deus é aquele para além do qual nada de mais elevado se pode pensar, como
ensinou Anselmo de Cantuária (Prosl.2) À razão humana, entretanto, lhe basta
saber que não há absurdo no mistério trinitário. O Filho é, com efeito, o
Pensamento increado, eterno, consubstancial ao Pai e o Espírito Santo é o amor
increado, eterno do Pai para com o Filho e do Filho para com o Pai, três
pessoas distintas na unidade da substância divina. O principal, entretanto, é
colher os frutos desta fé na Trindade. Não se trata de uma verdade meramente
especulativa, mas profundamente dinâmica, exigindo atos vitais e distintos,
envolvendo toda vida natural do ser racional.
Cumpre, em primeiro lugar, adorar a Trindade num ato de fé que imerge o
cristão na união mais beatificante por contemplar no Pai, o Criador de tudo; no
Filho, o Salvador e no Espírito Santo, o santificador, que ilumina, consola,
cura e salva a fraqueza humana. Disto resulta um grande amor às Pessoas
divinas, pois, como muito bem diz o adágio popular "amor com amor se
paga". Coincide a adoração a Deus com uma profunda dileção para com este
Ser Subsistente. É preciso, além disto, que se imite a Trindade, mistério
sublime de unidade. O desejo de Jesus tem que ser realizado: "Que todos, ó
Pai, sejam um, como Tu e eu somos um" (Jo 17,22). A união perfeita dos
cristãos entre si é, nas ações de cada hora, uma grande homenagem ao Deus Uno e
Trino. Viver em função da Trindade deve ser o lema do verdadeiro crente. Este
Deus que mora lá no íntimo de cada coração (Jo 14,23), instrui pela palavra,
sobretudo quando os cristãos estão reunidos numa assembleia litúrgica. Pela
graça Ele ilumina, fortalece e sustenta quem com Ele convive. Pela Eucaristia
faz crescer a participação na Sua vida divina. Pela esperança enche de júbilo a
existência dos que Lhe são fiéis. Para isto cumpre estar continuamente em
tertúlia com Ele, cuja presença é sempre fonte de vida e de luz. Encontramos,
de fato, a Deus Uno e Trino no reconhecimento e no agradecimento por tudo que
Ele, minuto a minuto, concede a cada um. É a integração entre fé e vida. É a
seriedade da auto experiência pessoal que se passa a ter do Criador que chama sem
se impor, mas que beatifica quem livremente O procura e nele encontra a razão
de ser de sua existência. Na sua infinita bondade ele oferece ao homem
participação na vida do seu mistério. Este Deus Uno e Trino é, na verdade, o
Emanuel, o Deus conosco, mas é mister que se viva plenamente esta realidade que
traz perspectivas realmente faustosas.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos
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