FELIZES OS QUE TÊM ESPÍRITO DE POBRE
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho
No Evangelho de hoje
Jesus proclama: “Felizes os pobres de coração, os pobres em espírito” (Mt
5,1-12) Notemos inicialmente, como observam bons hermeneutas, que o Filho de
Deus não diz: “Felizes os que vivem na miséria, felizes as mães cujos filhos morrem
de fome, mas Ele diz: “Felizes os que têm um coração de pobre, porque na época
em que Ele pregou a palavra pobre tinha
já no seu povo uma longa história. Nos textos mais antigos o pobre era um homem
encurvado, oprimido, incapaz de resistir e de ter o rosto levantado, aquele que
devia sempre ceder aos poderosos. Acentuava-se menos a sua indigência do que
sua humilhação pelo fato de ser pobre. Eis porque a palavra tomou muito rapidamente
sua coloração religiosa e, assim, os opressores passaram a aparecer como orgulhosos,
os ímpios e o pobre fazendo figura do homem que coloca sua confiança em Deus,
esperando dele seu socorro. Assim sendo,
a primeira beatitude de Jesus não se dirige precisamente aos indigentes, mas a
todos que têm coração assaz pobre para se colocar pequeno perante Deus, as mãos
abertas para receber unicamente dele a força e a esperança. Jesus não diz “Vós
a quem tudo falta, ficai na miséria”!
Ele não prega um fatalismo mais ou menos resignado, não se trata para
Ele de frear a promoção humana e o pregresso social, mas Ele se dirige a todos
os homens, àqueles que possuem algo parra viver e aos que não têm mesmo o
mínimo para viver e lhes diz: “Guardai um coração de pobre”, diante de Deus e de vossos
irmãos. Diante de Deus que ignora as classes sociais, porque em todo homem Ele
contempla um filho que tem necessidade de ser amado, de ser perdoado, de ser
salvo. Os humanos julgam os sinais exteriores, sinais por vezes, enganadores de
riqueza ou de pobreza. Deus, porém, olha o coração, porque alguém pode ser rico
com um coraçAAAão de pobre e pobre com
um coração de rico É certo que a pobreza material, não a miséria,
predispõe à pobreza de coração. Somos nós que fazemos divisões, recusas e
exclusões. Em um mundo onde as relações
sociais são por vezes cruéis, a tentação pode nos vir ao fecharmos mais ou
menos a porta do Reino aos homens diferentes de nós e então estabelecemos barreiras lá onde Cristo
passou exatamente para as destruir, É preciso estar atentos pois no coação do
cristão a impetuosidade paralisa o desejo evangélico de justiça e liberdade. Por isto uma segunda beatitude vem precisar a
dos pobres de coração: “Felizes os mansos pois eles herdarão a terra
prometida”. Cumpre inicialmente notar que Jesus n]ao diz: “Felizes os incapazes, os ignorantes, felizes
os que têm medo de viver, os que
fogem diante de sua responsabilidade,
mas felizes os afáveis, os que recusam o
anseio do poder , os que aceitam combater sem ira, os que sabem não abusar de
suas forças os que deixam aos outros um
espaço no qual podem ser livres e possuir os meios de se superar, É a brandura
mesma de Crisso que pôde afirmar: “ Tomai sobre vós o meu jugo e
colocai-vos na minha escola porque eu sou doce e humilde de coação” Trata-se da suavidade mesma do Evangelho, ainda que
ela possa parecer terrivelmente exigente. Ela não nos conduz a uma situação
fácil e infantil, mas a uma espécie de realismo cristão, o realismo do
batizado, adulto confirmado pelo Espirito, o realismo que é o fundamento da
verdade interior, do acolhimento filial do que Deus faz e da misericórdia
incansável diante do mundo. Tudo isto nos mostra que, se não podemos viver sob
o signo da inocência, podemos, porém sempre viver uma graça de contínua
conversão. Assim sendo para todas as outras bem-aventuranças o termo feliz não significa
uma serenidade beatífica e inativa mas, pelo contrário uma maneira de viver
concretamente sua fé profunda no Espírito Santo e fortifica os batizados pela
prática do amor fraternal na vivência das mais grandiosas virtudes, numa
dileção fraternal irradiante. Compreende-se então que os pobres de espírito se
acham repletos de felicidade, os aflitos consolados, saciados os que têm fome e
sede de justiça, a visão de Deus se abrindo aos puros e a filiação divina os
envolvendo na paz, os prosseguidos por causa da justiça recebendo em a herança
o reino eterno e a recompensa dos profetas. Por tudo isto, tornar-se outro Cristo,
eis o significado de ser feliz. * Professor
no Seminário de Mariana durante 40 anos.