segunda-feira, 20 de junho de 2022

    JESUS NÃO TINHA ONDE RECLINAR A CABEÇA 

Côn. José Vidigal de Carvalho

Nesta passagem de São Lucas (Lc 9,51-62) se percebe que tudo se punha em movimento e acelerava em torno de Jesus. Os acontecimentos se multiplicavam e são curtas, densas e rápidas   as atitudes de Cristo. Pelo caminho o Mestre divino faz referência a Ele, asseverando que o Filho do homem não tinha  onde repousar a cabeça.  Cumpre segui-lo e colocar–se na trilha do Reino, eis o que mais importava. Os fatos que em torno dele se multiplicavam eram breves, incisivos.  Segui-lo era se colocar na trilha do Reino num completo despojamento de si mesmo. A seus interlocutores Ele dizia claramente: “Tu vai anunciar o Reino de Deus” e alertava: “Aquele que põe a mão no arado e olha para trás não é digno do Reino de Deus”. Jesus ia para Jerusalém e lhe era necessária muita coragem para enfrentar os sofrimentos que O aguardavam na plena consumação de sua obra redentora. Era este o seu objetivo primordial. É isto que deve fixar o seu seguidor, pois é a isto que   se liga essencialmente o plano redentor o qual exige sacrifício da parte daquele que deseja a regeneração pelo seu sangue redentor. Entrar no Reino no qual Cristo é o Rei requer, de fato, disponibilidade, pois a porta que leva a esta salvação é estreita e pede muita determinação e abnegação, como aconteceria com o próprio Filho de Deus. Cumpre viver em plenitude a realidade desta trajetória salvífica. Jesus foi claro: “Se alguém quer ser meu discípulo, renuncie a si mesmo tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24)). A existência do cristão supõe, portanto, renúncia e união com o Mártir do Gólgota. Tratava-se   da realização do projeto de Deus. Jesus iria passar deste mundo ao Pai e para isso Lhe era preciso ir até o fim de sua obra de amor, enfrentando os lugares mais hostis, visitar os recônditos mais violentos e tenebrosos do coração humano. Imitá-lo não é fácil porque isto pede que reconheçamos as partes sombrias, débeis de nossas fraquezas O caminho foi áspero para Aquele que nos amou até o fim e será assim para aquele que deseja verdadeiramente amá-lo. Dentro destas considerações se compreende ainda melhor a recusa dos samaritanos e a reação de Tiago e João estes “filhos do trovão” que se inscreviam na tradição do profeta Elias (1Reis  18,20-40). Naquele momento o que acontecia com Jesus mostrou da parte dele a decisão firme, uma visão determinada, pois Ele visava manifestar que o amor não persevera senão na extrema disponibilidade com gestos e palavras de paz e de perdão. Portanto, que venha sempre sobre nós a doçura do Senhor nosso Deus! Colocar em prática todas estas lições do Mestre divino é deparar a paz interior, a tranquilidade, pois para que sejamos livres é que Jesus nos libertou por palavras e exemplos. Ser discípulo dele pressupõe agir sempre à luz de um amor absoluto às coisas espirituais, a entrega absoluta à evangelização. É isto que dá sentido à liberdade cristã. Esta leva à autentica felicidade e capacita o seguidor de Cristo a fazer os outros felizes. A liberdade à luz do amor de Cristo não consiste em fazer o que se quede, mas o que o Deus deseja seguindo os passos de Jesus que afirmou:” Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6,38). Esta liberdade não pode ser um pretexto para o egoísmo mas, ao contrário, deve levar, por amor ao serviço dos outros, na alheta de Jesus que pôde asseverar: “Eu não vim para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28). São João decodificou magnificamente estas palavras de Jesus ao dizer: “Eis como reconhecemos o amor: Ele, Jesus, deu sua vida por nós. Nós também devemos dar nossa vida por nossos irmãos” (1 Jo 3,16). Cumpre sempre reconhecer que o cristão foi feito para amar e se imolar numa dedicação integral ao serviço do Evangelho. Isto porque o batizado deve buscar ativamente sempre a felicidade do próximo e isto se dá procurando o reino de Deus e sua justiça, porque tudo o mais é dado por acréscimo (Mt 6,32-33). É de se notar que buscar o reino de Deus é em si um ato de fé e de confiança, é crer que da fidelidade ao Evangelho só pode resultar felicidade para si e para os outros. Em síntese, Jesus deseja que seu seguidor não se apoie em suas seguranças existência por amor, porque seu desejo é de fazer de nós filhos eleitos para a vida eterna. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

domingo, 5 de junho de 2022

 

O CRISTO DE DEUS

Côn. Jose Geraldo Vidigal de Carvalho*

Jesus tinha plena consciência de seu mistério e que isto se tratava de uma questão fundamental para seus seguidores. Então lançou aos apóstolos esta interrogação: “Vós quem dizeis que eu sou? (Lc 9, 18-24). Respondeu Pedro:” O Cristo de Deus” Esta questão está verdadeiramente no coração da existência cristã. É algo principal para os batizados.  Cumpre então a cada um saber quem é Jesus para ele. Responder a esta questão é mais vital, essencial, para um discípulo de Cristo, pois define sua postura diante da vida e da morte, do bem ou do mal, do sofrimento e da felicidade. Esta questão   é mais importante do que aquela de saber quem sou eu, dado que é em Jesus Cristo que que se pode descobrir verdadeiramente aquele que faz de nós um membro de seu Corpo, aquele a cuja imagem   nós fomos criados para sermos filhos de Deus. Esta verdade é mesmo primeira em relação à da existência de Deus, porque é em Jesus Cristo    que conhecemos verdadeiramente a Deus e Jesus foi claro: “Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14,9b). Jesus, de fato, pergunta a cada um de nós: “Quem dizeis que eu sou”? Pode se satisfazer com aquela referida por São Pedro e completá-la pela formulação dada no Evangelho de São Mateus: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus. o Filho do Deus vivo”. A resposta de Pedro é a primeira expressão da confissão da fé da Igreja. Sob este aspecto ela é também de sumo valor. Entretanto, ela resta insuficiente pela fato mesmo de sua objetividade, porque ela deixa escapar a força de uma interpretação pessoal. Ela pode não engajar em profundidade a maneira pessoal, pois a questão não se trata de saber, ela requer uma adesão de cada um, um “sim” que supõe uma identidade tal qual contemplamos na expressão de São Paulo, ou seja, tu és o Cristo de Deus e, por isto, já não sou eu quem vive, é Ele quem vive em mim. Eis porque Jesus prosseguiu com o anúncio de sua Paixão, de sua morte e de sua ressurreição. Não se tratava, portanto, de uma pergunta escolar, porque a resposta devia impregnar totalmente a existência do cristão no Cristo de Deus até sua morte na Cruz. O próprio Jesus foi claro: “Aquele que quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Lc 9, 23-26) A resposta é uma adesão total como fez Pedro que se sacrificou para deixar claro que Jesus era o Filho de Deus.  Pedro martirizado pela sua fé em Cristo, como que a formulou deste modo: “Senhor tu és aquele que eu quis seguir até o fim”, até as últimas consequências, ainda que aconteça estar incluida toda sua existência nesta decisão. Deste modo é que melhor se compreende o sentido da questão posta por Cristo: “Para vós quem dizeis que eu sou “? Ele é aquele cuja vida dada até o fim no alto de uma cruz solicita de nossa parte uma resposta que inclui nossa própria vida a seu exemplo, porque é deste modo que se entrega a própria vida imersa na vida do Mestre divino, mostrando um amor tão grande quanto o que Ele nos demonstrou. Isto supõe contemplar seu coração transpassado na Cruz. É aos pés da Cruz que recebemos esta certeza do amor que livra nossa consciência do peso de suas faltas. Então se pode fazer brilhar uma confiança absoluta no amor de Deus por nós, esta certeza   que nos vivifica e nos torna capazes de crer na palavra de Jesus. Para salvar sua vida o cristão precisa estar disposto a sacrificá-la. Sob o ponto de vista meramente racional uma tal afirmação pode parecer absurda.  Entretanto, ela se torna uma evidência para aquele que quer, de fato, demonstrar o verdadeiro amor a Jesus. Trata-se do risco da confiança na fidelidade e no respeito de Cristo até o esquecimento de si mesmo. Esta verdade não se prova, ela se vive no seguimento daquele que de fato se ama, na dinâmica de um amor total. Seguir Jesus, o “Cristo de Deus” é colocar nossa vida inteira sob a luz da sua Palavra e se entregar inteiramente ao seu espírito de amor. Deste modo é que se torna cada um herdeiro das promessas do Filho de Deus. É descobrir em Jesus, o “Cristo de Deus”, a própria identidade, de filho de Deus pelo batismo. Tudo isto pode parecer uma grande exigência, mas é suave como o desejo de amar que nos conduz então a seguir o Mestre divino em tudo e por tudo. Jesus está a nos convidar a fazer uma opção vital de suma importância. Trata-se de uma resposta sincera, vinda lá do interior de cada um de seu seguidor que verdadeiramente sabe quem Ele, realmente, é. É o olhar interior que leva a uma união, penetrando-se no seu grandioso mistério. Quem bem compreende esta verdade conhece a total libertação cristã e se vê imune das artimanhas do mal, dado que tudo centra na figura excelsa do Redentor. Trata-se da libertação que é a salvação de Jesus, que é uma relação profunda entre Ele e seu seguidor. Não se trata de pensar nele, mas de ser, de existir, com Ele. É o que São Paulo advertiu aos Gálatas: “Vós pertenceis a Cristo” (Gal 3,27). Eis porque celebramos a Eucaristia para poder entrar mais profundamente no mistério de Jesus.

*Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

quinta-feira, 2 de junho de 2022

 

27 TUDO QUE O PAI TEM É MEU

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Pela inteligências o ser humano pode atinar com a existência de Deus. Entretanto, somente pela revelação podemos saber e crer que nesta unidade há três pessoas realmente distintas, ou seja, o Pai e o Filho e o Espírito Santo. Isto aparece claramente também no Evangelho de hoje (Jo 16, 12-15). Trata-se do mistério íntimo de Deus, mistério de reciprocidade, mistério da luz divina que tem seu reflexo em Deus mesmo, mistério de amor, de um Deus Trindade. Jesus afirma que o Espírito Santo, que viria para glorifica-lo, porque receberia do que era dele para anunciar a todos. Afirmou ainda que tudo que o Pai tem é dele. Este mistério trinitário é anterior ao mundo e aos homens e se revela sempre no que Deus faz para o mundo e para os homens. O circuito de amor que parte do Pai volta ao Pai, mas, a cada passo de nossa adoração, o Espírito nos leva a redizer que, de fato, Deus é Uno. Ele é Uno antes do tempo, Ele é Uno quando se revela como Trindade e será Uno num hoje eterno. O melhor caminho para deparar o Deus Uno é meditar o agir distinto de cada uma das Pessoas e ao mesmo tempo a ação de cada uma das pessoas só tem a plenitude de seu sentido senão na referência à unicidade divina. Jesus foi claro: “Tudo que o Pai tem é meu” e que viria o Espírito Santo para guiar para a plenitude da verdade. Assim sendo, podemos orar: “Vinde Espírito de Des com o Filho e com o Pai, inundar a nossa mente, nossa vida iluminar”. Isto faz parte daquelas coisas que Deus ocultou aos sábios pretenciosos e aos que se julgam super. inteligentes, mas que Ele patenteia aos humildes. Quando alguém se julga confuso perante as dimensões divinas do Ser Supremo é por causa da fraqueza da fé e da debilidade da esperança. Robustecida, porém, a fé e aumentada a esperança, os humildes se imergem no fundo do mistério trinitário e sabem conviver com o Deus Uno e Trino. No projeto de Deus, contudo, tudo isto deve nos pôr em marcha espiritual. O temor do mistério, o medo de Deu que podem impedir o cristão de entrar corajosamente nas profundezas divinas são afastados. Deus, com efeito, não quer o temor, mas a imersão confiante no seu imenso amor. Deus Uno e Trino sabe bem que seu mistério de unidade e ação estão acima da capacidade humana, mas a finitude humana desapare3ce desde que se aceite viver como filho, pois o Espirito, Ele mesmo, se ajunta ao nosso espírito para atestar que somos criaturas racionais muito amadas do Criador de tudo. É nesta experiência espiritual, percebida ou não, que é preciso estabilizar a vida do cristão que se entrega filialmente nas mãos do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Este Espírito Santo é quem nos introduzirá no seu ritmo, na plena realidade divina. Eles nos fará perceber até que ponto o Pai é a plenitude da Verdade e que o Filho e Ele são a mesma substância, embora diferentes no modo de agir.  Percebe-se então que o Filho é a glória do Pai e isto sob a as luzes do Espírito Santo que tudo esclarece. O importante é viver em função do reino do Pai, da redenção Filho e da iluminação do Espírito Santo   com seus devotamentos, suas solicitudes e suas inspirações, guardando nosso coração aberto ao mistério de nosso Deus maior que tudo, que cuida de cada um para lhe dar a vida em abundância. Todo o louvor, portanto, a Cristo Salvador, a Deus Pai o Criador e ao Espírito Santo santificador. Ao meditar sobre o mistério trinitário compreende-se melhor que Deis é amor. O Evangelho de São João começa com estas palavras:” Deus tanto amou o mundo que Ele lhe deu seu Filho único”. No fundo, o que o mesmo evangelista nos diz é que Deus se dá ele mesmo pelo dom do Filho e este dom não existe senão em função da salvação do mundo. Diz ainda São João:” Assim, todo homem que crê nele não perecerá jamais, mas obterá a vida eterna”, porque “Deus enviou seu Filho no mundo não para julgar o mundo, mas para que por Ele o mundo seja salvo” * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.