JESUS NÃO TINHA ONDE RECLINAR A CABEÇA
Côn. José Vidigal de Carvalho
Nesta passagem de São Lucas (Lc 9,51-62) se percebe que tudo se punha em movimento e acelerava em torno de Jesus. Os acontecimentos se multiplicavam e são curtas, densas e rápidas as atitudes de Cristo. Pelo caminho o Mestre divino faz referência a Ele, asseverando que o Filho do homem não tinha onde repousar a cabeça. Cumpre segui-lo e colocar–se na trilha do Reino, eis o que mais importava. Os fatos que em torno dele se multiplicavam eram breves, incisivos. Segui-lo era se colocar na trilha do Reino num completo despojamento de si mesmo. A seus interlocutores Ele dizia claramente: “Tu vai anunciar o Reino de Deus” e alertava: “Aquele que põe a mão no arado e olha para trás não é digno do Reino de Deus”. Jesus ia para Jerusalém e lhe era necessária muita coragem para enfrentar os sofrimentos que O aguardavam na plena consumação de sua obra redentora. Era este o seu objetivo primordial. É isto que deve fixar o seu seguidor, pois é a isto que se liga essencialmente o plano redentor o qual exige sacrifício da parte daquele que deseja a regeneração pelo seu sangue redentor. Entrar no Reino no qual Cristo é o Rei requer, de fato, disponibilidade, pois a porta que leva a esta salvação é estreita e pede muita determinação e abnegação, como aconteceria com o próprio Filho de Deus. Cumpre viver em plenitude a realidade desta trajetória salvífica. Jesus foi claro: “Se alguém quer ser meu discípulo, renuncie a si mesmo tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24)). A existência do cristão supõe, portanto, renúncia e união com o Mártir do Gólgota. Tratava-se da realização do projeto de Deus. Jesus iria passar deste mundo ao Pai e para isso Lhe era preciso ir até o fim de sua obra de amor, enfrentando os lugares mais hostis, visitar os recônditos mais violentos e tenebrosos do coração humano. Imitá-lo não é fácil porque isto pede que reconheçamos as partes sombrias, débeis de nossas fraquezas O caminho foi áspero para Aquele que nos amou até o fim e será assim para aquele que deseja verdadeiramente amá-lo. Dentro destas considerações se compreende ainda melhor a recusa dos samaritanos e a reação de Tiago e João estes “filhos do trovão” que se inscreviam na tradição do profeta Elias (1Reis 18,20-40). Naquele momento o que acontecia com Jesus mostrou da parte dele a decisão firme, uma visão determinada, pois Ele visava manifestar que o amor não persevera senão na extrema disponibilidade com gestos e palavras de paz e de perdão. Portanto, que venha sempre sobre nós a doçura do Senhor nosso Deus! Colocar em prática todas estas lições do Mestre divino é deparar a paz interior, a tranquilidade, pois para que sejamos livres é que Jesus nos libertou por palavras e exemplos. Ser discípulo dele pressupõe agir sempre à luz de um amor absoluto às coisas espirituais, a entrega absoluta à evangelização. É isto que dá sentido à liberdade cristã. Esta leva à autentica felicidade e capacita o seguidor de Cristo a fazer os outros felizes. A liberdade à luz do amor de Cristo não consiste em fazer o que se quede, mas o que o Deus deseja seguindo os passos de Jesus que afirmou:” Eu desci do céu não para fazer a minha vontade, mas a vontade daquele que me enviou” (Jo 6,38). Esta liberdade não pode ser um pretexto para o egoísmo mas, ao contrário, deve levar, por amor ao serviço dos outros, na alheta de Jesus que pôde asseverar: “Eu não vim para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28). São João decodificou magnificamente estas palavras de Jesus ao dizer: “Eis como reconhecemos o amor: Ele, Jesus, deu sua vida por nós. Nós também devemos dar nossa vida por nossos irmãos” (1 Jo 3,16). Cumpre sempre reconhecer que o cristão foi feito para amar e se imolar numa dedicação integral ao serviço do Evangelho. Isto porque o batizado deve buscar ativamente sempre a felicidade do próximo e isto se dá procurando o reino de Deus e sua justiça, porque tudo o mais é dado por acréscimo (Mt 6,32-33). É de se notar que buscar o reino de Deus é em si um ato de fé e de confiança, é crer que da fidelidade ao Evangelho só pode resultar felicidade para si e para os outros. Em síntese, Jesus deseja que seu seguidor não se apoie em suas seguranças existência por amor, porque seu desejo é de fazer de nós filhos eleitos para a vida eterna. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.