PREPARAR
O CAMINHO DO SENHOR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
É preciso com confiança prosseguir na
marcha para o Natal, ou seja, “ Preparai o caminho do Senhor” (Lc 3,1-6). À maneira
bíblica, como notam os intérpretes da Sagrada Escritura, São Lucas, situa o
ministério do profeta Jesus, referindo-se aos reis e príncipes contemporâneos.
Estes dados históricos que são confirmados pelas inscrições e crônicas da
antiguidade servem sobretudo para precisar em que clima político e espiritual
vão ressoar a mensagem de João Batista e, depois, a mensagem de Jesus. Os
tempos são outros e a Judéia, depois de vinte anos, não é mais senão uma
província do império romano. Tibério, o imperador, está longe, mas o prefeito Põncio
Pilatos administra então o país com mão de ferro. Quanto a Caifáz, o sumo sacerdote judaico,
indicado pelos romanos para o cargo no qual está depois de dez anos, foi com
sua diplomacia e sua astúcia que ele conservou sua posição mais política do que
religiosa. Na Galileia, como em Jerusalém,
as manifestações nacionalistas eram severamente reprimidas e os filhos de
Israel pressionados, humilhados pelo ocupante e isto sem um futuro político e,
assim somente em Deus podiam colocar sua esperança. Uma espécie de sede
espiritual crescia em certos grupos daqueles que criam no Ser Supremo.
Escutava-se mesmo falar, na época de João Batista, de comunidades quase monásticas,
reunindo homens, mulheres e jovens que eram criados, aqui e ali, não longe do
Mar Morto e que guardavam as tradições ascéticas dos Essênios, movimento
judaico antigo do segundo século antes de Cristo. Foi então que a palavra de
Deus se fez ouvir a João, filho de Zacarias, no deserto, onde o Espírito Santo
o havia conduzido. João deixou seu longo retiro no deserto e se pôs a pregar na
região do Jordão, novamente populoso, e as multidões chegavam até ele para se
fazer batizar. O rito do batismo não era, naquela época, uma novidade absoluta.
Diversos movimentos religiosos o praticavam, por exemplo, na comunidade de
Qumram, às margens do Mar Morto. Banhos
cotidianos reservados aos membros dos essênios que exprimiam seu ideal de
pureza moral no aguardo de uma purificação radical que deveria vir. Em muitos
aspectos o batismo proposto por João se modelava segundo os usos correntes. Entretanto
era oferecido a todos e não somente aos membros mais meritórios de uma seita e
não era recebido somente uma vez, como último preparativo ao batismo no
Espírito Santo que somente o Messias poderia ofertar. Além disto, o batismo do
Jordão era ministrado pelo jovem profeta João em nome de Deus que o havia
enviado. Sobretudo a seus olhos a conversão era pressuposto indispensável, pois
os discípulos não deviam se contentar em proclamar seu ideal pelas abluções
rituais. Era-lhes necessário se afastar de sua vida pecadora e se orientar
resolutamente para Deus para fazer sua vontade e se preparar para o perdão dos pecados,
desde que o Reino de Deus fizera irrupção no mundo. A força de convicção de
João Batista era tal que ela evocava irresistivelmente uma outra grande voz
profética ouvida cinco séculos antes e que trazia, da parte de Deus, uma
mensagem de esperança e de conversão:” Desimpedi no deserto o caminho do
Senhor. E aplainai na estepe a estrada para o nosso Deus (Isaias 40,3). Esta
rota de que fala o profeta era rumo a Jerusalém a terra dos ancestrais. Era um
itinerário para os pobres, para que Deus viesse a eles. Tratava-se de um
caminho especial que Deus mesmo iria percorrer com seus pobres. Deus com eles
vai atravessar o deserto, Deus com eles vai entrar no pais e sua gloria vai se
revelar. Passando no deserto pela estrada de Deus os pobres de Israel
encontrariam o caminho de sua própria liberdade. É exatamente isto que João
Batista então anunciava. Note-se que ele não diz “Convertei-vos para
possibilitar a vinda do Messias que haveria de vir”, mas “Convertei-vos porque
Ele vem!” Isto é certo, é iminente e é necessário se colocar a caminho com Ele.
É bem este o sentido do Advento que estamos vivendo com toda a Igreja. É
preciso se preparar para o Natal para festejar o Filho de Deus que veio, que vem
sem cessar no meio de nós. Acolher Jesus, o Messias de Deus, recebê-lo como
Salvador é resolver partir com Ele; é tomar com Ele o trajeto salutar, porque
Ele vem entre nós para nos conduzir ao pais da glória, isto é, do amor do Pai
que deve ser o objetivo do mundo e da história dos homens. Jesus, o Filho
de Deus, vem entre nós para compartilhar conosco em nossa caminhada com Ele,
atravessando o deserto de nossa história coletiva ou de nosso percurso pessoal.
* Professor no Seminário de Mariana 40
anos.