domingo, 23 de fevereiro de 2020

vENCER AS TENTAÇÕES


VENCER AS TENTAÇÕES
Côn.; José Geraldo Vidigal de Carvalho.
Estamos no primeiro domingo da quaresma que é este tempo de preparação para a solenidade da Páscoa, centro da fé cristã. A palavra quaresma vem do latim quadragesima significando quarenta. É o período de quarenta dias, subsequentes à Quarta-feira de Cinzas este ano até 9 de abril. Neste primeiro domingo do tempo quaresmal o Evangelho nos fala das tentações de Jesus no deserto (Mt 4,1-11). Isto vem lembrar que nenhuma vida humana se desenrola sem o combate contra o inimigo infernal. O texto de São Mateus se refere ao demônio que é o diabo, ou seja, aquele que divide, desune, rompendo a unidade do ser humano, o qual, sendo criatura, é induzido a se rebelar contra o seu Criador e a romper a união com os irmãos e irmãs. O Evangelista usa também o termo tentador porque o diabo procura seduzir para o mal. Jesus usa ainda a palavra satanás, porque o diabo é o pai da mentira, o acusador ou caluniador. Suas artimanhas visam suscitar nos seres humanos o ter, o saber e o poder, fora dos planos divinos. Às malignas insinuações do demônio Jesus opôs a Palavra de Deus. A seu exemplo o cristão assediado pelo demônio se apoia no seu Senhor para receber a força do Espírito Santo e se ajustar sempre à vontade divina a bem próprio e dos outros. O que Jesus recusou ao diabo Ele o faria para os outros. Com efeito, ele não quis sabiamente mudar as pedras em pão, mas depois multiplicaria cinco pães para saciar a fome de uma multidão que o seguia num lugar deserto. Na última Ceia transubstanciaria o pão em seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade para saciar pelos tempos afora a fome espiritual de seus seguidores, instituindo o Sacramento da Eucaristia. Ele descartou todo poder e glória terrestres propostos pelo demônio.  Revelaria, porém, sua realeza em todo seu esplendor, transformando a ignomínia da sua cruz em cruz vitoriosa e gloriosa, oferecendo a salvação a todos que O acatassem. Milhares que através dos tempos proclamariam que Ele é, de fato, o Rei imortal dos séculos. Uma multidão de discípulos que se revestiriam de seu incomensurável amor. Para ser um modelo para seus seguidores Ele não quis escapar à tentação. Ele foi tentado, mas desmascarou o tentador que não teve nenhum poder sobre Ele. Deu uma ordem peremptória ao inimigo infernal: “Vai-te satanás, pois está escrito: “Adorarás ao Senhor teu Deus e só a Ele prestarás culto”. Ele que ensinaria seus discípulos a pedir ao Pai: “Não nos deixeis cair em tentação”, havia ministrado uma lição de como não sucumbir às insinuações diabólicas. Ele estaria sempre ao lado de seus fiéis que estivessem dispostos a se libertar do pecado. Admirável, sem dúvida, a maneira pela qual Jesus quis afrontar as tentações, mostrando-se enquanto homem, vencedor do príncipe das trevas. Nesta cena das tentações seus discípulos poderiam vislumbrar como Jesus travou, enquanto homem, o combate espiritual, saindo triunfador no plano individual. O combate para cada cristão, seja qual fosse sua situação, haveria de passar pelo equilíbrio de sua postura interior e exterior, pois estaria sempre dentro de uma dimensão familiar, comunitária, social, profissional, política, Então as tentações variariam e poderiam ser desejos dos bens materiais, bem simbolizados no pão; o anseio da glória, tentando a Deus com súplicas insaciáveis de poder; ou estaria adorando satanás, desejando possuir todos os reinos do mundo. Deveria, porém, o cristão superar suas fragilidades com a proteção divina. Jesus foi claro com o demônio:” O homem deve viver de toda palavra que sai da boca de Deus”. Nada de sonhos fantásticos que  tiram da realidade, criando desconfortos desnecessários por força da ambição que agride a verdadeira riqueza de uma vida simples longe da  cascata de gastos que geram as situações mais aflitivas. As artimanhas de satanás encontram no atual contexto histórico campo fértil para fazer  os  homens caírem em suas armadilhas.  Numa sociedade marcada pelo consumismo,  grande a atualidade e universalidade das três tentações a que Jesus se submeteu. Elas são profundamente simbólicas e emblemáticas, mas não menos reais. Reina hoje em dia  a insatisfação porque muitos querem o que não precisam, e se precisam vão muito além do que necessitam. Muitos os gastos que nada agregam às reais precisões pessoais e familiares. Muitas vezes não se tem consciência do que é importante no que tange à qualidade de vida e o anseio de um padrão ilusório conduz à infelicidade. A quaresma deve então levar a racionalizar as opções de modo a evitar todo e qualquer excesso que impeça o crescimento pessoal. Uma atitude mais funcional e racional do consumo material, valorizando, isto sim, aquilo que leva cada um a se sentir espiritualmente mais rico e materialmente seguro. Trata-se de uma revisão de vida nesta preparação para a Páscoa. Cristo que venceu as tentações do demônio no deserto e com sua ressurreição triunfou sobre a morte, deve ser o referencial do verdadeiro cristão que com Ele sempre pode derrotar satanás e seus sequazes. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


pEREFEITOS COMO O PAI CELESTE


PERFEITOS COMO O PAI CELESTE
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A seus seguidores Jesus propôs um ideal sublime para o qual todos precisam tender sem esmorecimento. Claras foram as suas palavras: “Sede perfeitos como é perfeito vosso Pai celeste” (Mt 5, 38-48).  Trata-se da busca incessante da santidade existencial, vencendo cada um com galhardia as dificuldades naturais a criaturas humanas contingentes, finitas, limitadas.  Estas sem a graça divina nada de bom podem realizar nesta trajetória terrena. Ao dar a referida ordem o Mestre divino acentuou a singularidade filial dos seres humanos que, em consequência, tendo consciência desta filiação, devem se sentir irmãos. Aí o fundamento de toda fraternidade para com o próximo. Eis aí a maneira de ver e agir que Jesus propõe a seus discípulos que devem viver na mais absoluta fraternidade. Donde a razão de ser de sua determinação peremptória: “Amai vossos inimigos e rogai pelos que vos perseguem, para serdes verdadeiramente filhos do vosso Pai que está nos céus”. Cumpre imitar a imensa bondade deste Deus “que faz nascer o sol sobre maus e bons e chover sobre justos e injustos”. Quem assim procede acumula méritos para o céu que é o destino de todos os que praticam em plenitude a caridade. Jesus deu exemplo deste amor fraterno que inclui os inimigos. Condenado injustamente à morte ignominiosa da Cruz, Ele rogou ao Pai pelos seus torturadores: “Pai perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Este modo de proceder multiplica através dos tempos gestos magníficos a anistiarem os opressores, os perseguidores. Uma multidão que na alheta do Filho de Deus perdoa de coração seus malfeitores. Neles o verdadeiro cristão reconhece sempre irmãos e irmãs a serem indultados. Neles contemplam a dignidade de filhos e filhas de Deus. É que há em todo o ser humano, mesmo no pior dos inimigos, um valor, uma presença universal do Pai celeste que conduz acima de todos os condicionamentos de ofensas, inclusive de raça, ideologia, religião, ultrapassando todas as barreiras que possam impedir um amor generoso. É a esta atitude que deve levar uma fé profunda integrada no pensamento maravilhoso de Jesus cujo ensinamento ultrapassou a legislação mosaica. É esta fé que permite compreender o que o Mestre divino quis ensinar. Esta fé induz a viver em harmonia com todos. As atitudes dos seus discípulos devem ter uma tonalidade dignificante que apaga o ódio e toda e qualquer queixa de uns para com os outros. O Deus ao qual Jesus manda imitar é um Deus misericordioso, bondoso, sempre pronto a ajudar os que a Ele se ligam. Este Deus prioriza sempre a ternura, a compreensão. O cristão tem então a missão de espalhar por toda parte este amor divino pelo qual se deve agir em favor dos irmãos e irmãs. Todos os gestos do cristão precisam ser o reflexo do desvelo do Pai celeste. Mesmo vivendo num contexto agressivo como o atual o comportamento dos seguidores de Jesus precisa ser diferente num mundo tão hostil e violento. Cumpre não se deixar envolver pela mentalidade de hostilidade que os meios de comunicação social apresentam, incitando vingança e represálias de toda sorte. Cumpre priorizar menos nossos interesses pessoais, mas dar lugar aos interesses daqueles que são menos favorecidos que nós. É preciso agir mais com o coração do que com uma razão deturpada e desumana. É através dos bons sentimentos que Deus age em cada um e pelas atitudes gentis, cordiais é que o cristão se aproxima da perfeição divina. O apelo de Jesus é então que se integrem no amor de Deus todos os nossos comportamentos cotidianos, unida nossa vontade à vontade santíssima do Pai que está nos céus. Este Pai provoca sempre atitudes altruístas pelas quais Ele se faz presente nas relações mútuas dos verdadeiros cristãos. É deste modo que se contribui para que a sociedade evolua harmoniosamente dentro dos parâmetros indicados por Jesus em seu Evangelho. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

A IDENTIDADE DO CRISTÃO


A identidade do cristão
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A quem é verdadeiramente seu seguidor Cristo declarou com toda clareza: ”Vós sois o sal da terra [...] Vós sois a luz do mundo” (Mt 5,13-16). Dois elementos que identificam o cristão. Que enorme responsabilidade! Com efeito, assim como o sal preserva da corrupção e a luz ilumina, assim também cumpre a seu discípulo proteger o mundo da decomposição moral e aclará-lo com a salutar doutrina e as boas ações. Nem sempre se apreende a profundidade da excelência de quem foi batizado. Em um de seus sermões São Gregório Magno assim se expressou: “Reconhece, ó cristão, a tua dignidade. Uma vez constituído participante da natureza divina, não penses em voltar às antigas misérias com um comportamento indigno da tua geração. Lembra-te de que cabeça e de que corpo és membro. Não esqueças que foste libertado do poder das trevas e transferido para a luz do reino de Deus. O preço do teu resgate é o Sangue de Cristo”. Em consequência, grande é a parte do cristão em tudo de bom que há no mundo, mas também pode ser enorme sua culpa na maldade que campeia em seu derredor. Trata-se, portanto, de um profundo exame de consciência que Jesus exige de quem é seu sequaz. Isto não deve ser algo vago no espírito de cada um, mas uma realidade profunda na existência do cristão por ser um alerta fundamental do Mestre divino. Ser sal da terra e luz do mundo eis aí uma norma basilar para quem ostenta o honroso título de cristão, o qual deve demonstrar, onde quer que esteja, o amor do Pai e o que é o Reino por Jesus apregoado. Como sal o cristão a expor o gosto de viver tudo que Ele ensinou, tornando-se uma luz por entre as trevas dos erros mais abomináveis. Trata-se de uma questão de coerência e de gratidão, pois foi gratuitamente que cada um recebeu no batismo missão de tão grande repercussão mundo todo, mundo a ser preservado do pecado e transfigurado pela luz divina da qual deve ser portador cada um de nós. É a este ministério sublime que somos todos chamados por Jesus. Tarefa singular junto de uma humanidade ferida pela desordem moral e pelos desvios mais lamentáveis. O batizado é colaborador do divino Redentor na construção de seu reino de virtudes, alumiando os que se acham no reino das trevas. Eis porque o cristão vai buscar na Eucaristia, na sua união mais profunda com seu Senhor, a graça de ser sal que preserva e luz que fulgura. Nunca se medita demais sobre esta verdade: “O cristão é outro Cristo”! Donde a necessidade de se examinar bem o que faria Jesus nesta ou naquela ocasião. Certamente estaria Ele praticando a caridade, jamais Ele abriria sites pornográficos nem se exporia às ocasiões de pecado ou a qualquer desvio moral. Toda vez que o cristão sabe compadecer-se do sofrimento alheio e dá o bom exemplo ele está agindo como Jesus atuaria. O cristão tem esta incumbência de espancar as escuridões dos vícios, espiritualizando o ambiente no qual vive. A indagação de Jesus, porém, é clara: “Se o sal perde sua força com que se há de salgar”. O mesmo se dá quando não há luz que aclara. Daí a obrigação de seu seguidor de rever sempre seus conceitos e suas ações que, quer queira quer não, influenciarão para o bem ou para o mal. Cabe ao cristão ser verdadeiro sal da terra e luz do mundo, levando por toda parte o tempero da sabedoria e o archote da fé. Jesus é o Santo de Deus e é preciso segui-lo fielmente na justiça e na santidade ao longo de todos os dias nesta terra. É necessário então pedir ao Senhor que saibamos sempre oferecer o sabor espiritual à vida dos que estão em nosso derredor e a eles levar sem cessar a luz da verdade. A amplidão da tarefa a ser executada neste mundo poderá até desconcertar diante das dificuldades que surgem. Entretanto, para ser o sal ou luz para os outros cada um conta sempre com a graça divina. O essencial é ser testemunha de Jesus para que outros não se apartem dele. É preciso estar atentos porque por toda parte há pessoas frágeis, oprimidas que clamam por uma ajuda espiritual. É a hora em que se deve ser para o outro sal e luz. Trata-se de quebrar as cadeias de almas cativas. Tal atitude gera também para quem assim age a paz, a alegria. É que ser sal da terra e luz do mundo beneficia não somente os outros, mas também a si mesmo. Isto se dá porque todo o bem que se faz é fruto da ação do Espírito Santo. É Ele quem oferece às coisas da terra seu justo sabor e aos acontecimentos diários seu autêntico valor, tudo aclarando pela fé. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.