terça-feira, 29 de outubro de 2019

Teologia da vida religiosa


TEOLOGIA DA VIDA RELIGIOSA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A Igreja é teocêntrica, ou seja, ela se caracteriza por ser humana e ao mesmo tempo divina, visível, mas portadora de dons invisíveis, ativa  na ação e constante na contemplação
.            Nela o humano se ordena ao divino e a ele se subordina; o visível ao invisível; a ação à contemplação e o presente ao futuro lá na Jerusalém celeste.
As congregações de vida ativa se dedicam à ajuda à Igreja e ao próximo nos campos do apostolado, da saúde, do ensino, das missões estrangeiras, dos migrantes, dos pobres. Por exemplo,  a Congregação dos Lazaristas fundada por São Vicente de Paulo, o qual é co-fundador das Filhas de Caridade.
Há o predomínio da vida ativa sobre a vida contemplativa.
Nas congregações de vida contemplativa há a preponderância da oração sobre a ação, da vida meditativa sobre a vida apostólica.
Daí os mais notáveis místicos e místicas da Igreja como São João da Cruz, Santa Gertrudes.
Os mosteiros de vida contemplativa se destinam aos religiosos ou religiosas que no silêncio escutam a Palavra de Deus, fazem uma verdadeira experiência do amor divino, e centram o coração no essencial que é o Ser Supremo.
Reproduzem a relação íntima que Jesus teve com o Pai, atualizam a vida de Maria que, como está na Bíblia, “tudo guardeava e meditava no seu coração”. Há uma renúncia total aos bens materiais, recusando tudo que impeça a união com Deus.
Trata-se de uma comunhão profunda  com este Deus  a qual vai se tornar realidade plena na vida futura. A visita de Jesus à casa de Marta e Maria oferece elementos para se refletir sobre a contemplação e a ação (Lc 10, 38-42).
Marta representa as pessoas que sabem ser eficientes, que fazem tarefas úteis. Maria é bem a figura dos contemplativos que sabem ter tempo para escutar Jesus, recebendo as luzes da palavra divina.
Muitos são mais inclinados para os bens materiais imediatos, outros para as riquezas espirituais mais valiosas com relação à vida eterna.
Por toda parte há ativos e contemplativos, mas o certo é conciliar a ação com a contemplação.
O mesmo Jesus que elogiou a atitude de Maria que O escutava atentamente, várias vezes louvou a caridade ativa, quando, por exemplo, Ele afirmou: “Nem todo que me diz – Senhor, Senhor entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt, 7,21).
Logo, ao enaltecer Maria, Ele não estava menoscabando a refeição preparada por Marta.
 É, aliás, de se notar que Jesus repreende Marta não porque ela agia, mas porque estava agitada. * Professsor no Seminário de Mariana durante 40 anos


segunda-feira, 28 de outubro de 2019

FELIZES OS SANTOS


FELIZES OS SANTOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na comemoração de todos os santos recordamos as oito bem-aventuranças que mostram como os seguidores de Cristo devem pautar a sua vida (Mt 5, 1-12). Elas constituem o código da verdadeira felicidade. È um caminho a ser trilhado em contraste com o espírito e a maneira de viver do mundo com suas falsas ilusões É preciso apreciá-las sob as luzes divinas e, sobretudo, praticá-las. Na festa de todos os santos não se trata apenas de venerar aqueles que nos deixaram e fizeram o bem aqui na terra. Entre eles inúmeros foram e serão canonizados e cujos exemplos magníficos os fiéis procuram imitar. Há, porém, milhares de outros desconhecidos que encarnaram na sua existência virtudes extraordinárias. Além disto, existe nesta terra um sem número de batizados nos quais resplandece uma santidade eminente. São aqueles que, imersos na espiritualidade do Deus três vezes santo lutam tenazmente contra o pecado, vivendo intensamente a graça santificante. É uma solenidade que lembra a comunhão maravilhosa dos santos, homens, mulheres e crianças de todas as línguas, história e cultura, os quais cultivam o despego das coisas materiais, são mansos e humildes de coração, têm fome e sede de justiça, são misericordiosos, puros de coração, irradiam a paz, muitas vezes são perseguidos pelos maus e injustos, mas têm os olhos voltados para o céu, a cidade eterna dos bem-aventurados. Assim os que já lá se acham e aqueles que ainda estão nesta terra são um convite a viver e a crescer na perfeição todos os dias pela paciência, simplicidade, compaixão, perseverança na luta constante contra as insídias diabólicas e as insinuações perversas dos meios de comunicação social.  Estes oferecem, as mais das vezes, uma felicidade artificial e armam ciladas aos incautos. Através das bem-aventuranças Jesus convida a todos para entrarem no mistério da verdadeira alegria, da autêntica ventura. Entretanto, não é fácil percorrer as sendas desta riqueza espiritual, crescendo sempre na culminância existencial como os que já chegaram à Casa do Pai, os quais cultivaram as bem-aventuranças em todas as suas dimensões. Contudo no atual contexto erotizado é necessário mentalizar, sobretudo, esta bem-aventurança: “Bem-aventurados os puros, porque eles verão a Deus”, conscientizando-se da necessidade de não se deixar persuadir pelas mensagens deletérias que chegam a cada um, vindas da falta de modéstia, das aberrações sexuais transmitidas pela televisão e pela imprensa em geral. Àquele que repele os absurdos que vão frontalmente contra o sexto e o nono mandamentos é que foi prometida a visão beatífica de Deus. É necessário nunca se esquecer de que os olhos são as lâmpadas do corpo e que os olhares puros tornam o cristão luminoso, imune da perversidade do pecado. Está claro no salmo 36 que é pela luz que nós vemos a luz (Sl 36,9). O contrário também é verídico, ou seja, é pelos olhos que o batizado se deixa tantas vezes se manchar. Trata-se, portanto, de permitir que entre em si a luz da fé que eleva o fiel àquele nível que o torna capaz de já usufruir da união com Deus neste mundo e, depois, digno de contemplá-lo face a face na eternidade. Para os santos crer significa ver já neste mundo as realidades sobrenaturais nas quais encontra a verdadeira bem-aventurança. O olhar do batizado se purifica na medida em que ele se deixa impregnar da esperança. Então ele vive intensamente a expectativa da vida eterna e tem o seu coração limpo, afastando corajosamente tudo que denigra sua alma, através das paixões deletérias. Os santos que chegaram à visão beatífica tiveram sempre um olhar repleto de fé, esperança e amor a Deus e ao próximo, um olhar verdadeiramente teologal. Trata-se de um processo contínuo de transformação na luta perseverante contra o mal. Para isto é preciso que a santidade de Deus penetre no mais profundo do ser humano. Como diz o salmista é aquele que tem o coração puro e mãos inocentes é quem subirá à montanha do Senhor, procurando continuamente a face de Deus. Ninguém pode ser santo se não deixar Cristo reinar nele. Do mesmo modo que a multidão dos santos lavaram suas vestimentas no sangue do Cordeiro, participando de suas provações, é que se pode aspirar a uma santidade que leva à vivência das bem-bem-aventuranças, procurando cada um se purificar e santificar pelo olhar puro em todas as circunstâncias. Então quando o Filho de Deus aparecer, seremos semelhantes a Ele, porque nós O veremos tal como Ele é (1 Jo 3,2). Quem cultiva as bem-aventuranças pode repetir com São Paulo: ”Já não sou eu quem vive é Cristo quem vive em mim" (Gl 2,20). O cristão valoriza o seu batismo, cada vez que renuncia ao mal, pois, de fato, quem adere ao pecado expulsa a Deus de seu coração. Quem vive as bem-aventuranças, tendo sempre um olhar puro por entre as mazelas deste mundo, possui a garantia de que, um
Dia contemplará a Deus face a face. Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


segunda-feira, 21 de outubro de 2019

EGOCENTRISMO CONDENADO E HUMILDADE EXALTADA


01 EGOCENTRISMO CONDENADO E HUMILDADE EXALTADA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Com a parábola do fariseu e do publicano Jesus mostrou como diante de Deus é abominável o egocentrismo e louvável a humildade (Lc 18, 9-14). Naquele tempo se podia identificar o fariseu pela prática de uma piedade ostensiva, um formalismo hipócrita, aquele que acreditava encarnar em si a perfeição moral e cujos julgamentos sobre o comportamento dos outros eram severos. O fariseu era obcecado por virtudes que julgava possuir em alto grau. O publicano, coletor de impostos, era tristemente associado aos pecadores (Mt 9,11). Jesus, porém, entrava em contato com eles, aceitava inclusive tomar com eles refeição (Mt 9,9-13). Chamou Mateus, um deles, para ser um dos doze apóstolos. Atitudes surpreendentes para os fariseus, cujo ritual de purificação merecia o repúdio de Cristo que dirá claramente que não era pelo exterior que alguém se purifica, mas pelo seu interior. Jesus apresenta um publicano como exemplo. O Deus do publicano era um Deus clemente que perdoa. Em cada um de nos hiberna um fariseu ou um publicano, mas a lição dada por Jesus é clara: “Quem se eleva será humilhado; quem se humilha será exaltado”. Na prece do fariseu pairava um desprezo com todas as suas agressividades, julgando que eram os escolhidos de Deus, sendo os outros excluídos do amor divino. Para eles o coração de Deus era assaz pequenino para amar até pecadores arrependidos. Enquanto o fariseu se gloria de sua religiosidade meramente exterior, o publicano fazia de Deus o confidente de sua miséria. Não ousava levantar os olhos porque sabia que Deus era o oceano de amor, mas amor que ele não merecia. Reconhecia a necessidade do perdão que o imergiria na compaixão sem limites do Criador. Não se julgava melhor do que os outros. Não se comparava com ninguém, mas sondava a si mesmo para poder reencontrar a bondade do Ser que é a benignidade infinita, três vezes santo. Diante de Deus ter senso do pecado não consiste em manifestar uma atitude de um arrependimento artificial, mas reconhecer humildemente as próprias falhas sem deixar que a falsidade esteja instalada no íntimo de si mesmo, impedindo um arrependimento sincero dos erros porventura cometidos, verificando até onde se deixou de praticar os mandamentos divinos e, sobretudo, de amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo. Esta atitude leva à verdadeira conversão, afastando todo resquício de orgulho, fazendo cada um autêntico perante o Ser que tudo conhece. Então fica aberto o caminho da paz, situando-se o cristão diante de seu Senhor como criatura limitada, responsável pelas suas faltas que sinceramente aborrece e delas pede a anistia divina. Quem assim age contempla sempre maravilhas em torno de si. A humildade é a verdade sobre si mesmo e sobre Deus e daí a grandeza do publicano que se reconhecia como um pecador que implorava a comiseração divina. Esta deve ser a postura da criatura perante o Criador. Esta verdade deve se refletir nas relações de cada um com Ele. Se a humildade é a verdade então ela faz com que o ser humano reconheça a transcendência absoluta de Deus, manifestada na benevolência incomensurável de Cristo, o Redentor Esta é a realidade suprema e decisiva, a qual impede que haja vanglória das ações, julgando, como acontecia com o fariseu, que o mérito é fruto devido ao esforço pessoal. Sem a graça divina ninguém é justo, ninguém é santo e, assim sendo, não há porque se exaltar. Além disto, a humildade exige caridade a qual faltava também ao fariseu que se julgava melhor do que o publicano. Portanto, nada de se comparar com os outros, porque o julgamento é sempre de Deus que conhece as boas e más intenções de cada um e qual é o grau de amor que flui do íntimo do coração de quem Lhe quer ser fiel. A humildade é o fundamento da prece e esta é a elevação da alma a Deus. Do alto de seu orgulho o fariseu só enxergava em si virtudes, das quais faltava exatamente o alicerce essencial. Dos lábios do publicano fluía uma oração humilde e contrita. Aquele que se humilha é quem será exaltado por Aquele que tudo conhece e penetra fundo no coração do orante. Eis porque o humilde não exige nunca os favores de Deus, mas procura antes de tudo estar com a consciência limpa perante o Ser Supremo, doador de tudo. Como dizia Santo Agostinho, nós somos os mendigos de Deus e de si, por si mesmo, ninguém é virtuoso. Diz o Livro dos Provérbios: Onde há humildade aí há sabedoria” (Prov. 11). É que Espírito Santo sempre busca o coração humilde.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.



segunda-feira, 14 de outubro de 2019

A CONDIÇÃO ESSENCIAL DA PRECE


A CONDIÇÃO ESSENCIAL DA PRECE
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Para mostrar a seus seguidores que é preciso orar sempre sem desfalecer, Jesus didaticamente propôs uma parábola salientando especialmente a importância da perseverança na oração de súplica (Lc 18,1-8). A insistência da viúva desejosa de obter justiça da parte do juiz iníquo obteve resposta satisfatória graças a sua persistência. Muito mais a prece de intercessão de quem tem fé encontrará sempre no coração de Deus uma acolhida justa e favorável. A persistência alcança o que se solicita ao Todo-poderoso Senhor. É a condição basilar para obter os favores celestiais, porque Deus muitas vezes experimenta a constância daquele que reza, pedindo ajuda em suas necessidades. O reconhecimento de que o ser humano é dependente de seu Criador, que se revelou, porém, como Pai amoroso, leva à consciência da necessidade da graça divina para si e para o próximo. Donde a importância da simplicidade de coração, que revela uma profunda humildade existencial.  Esta leva a uma abertura fundamental para receber os benefícios divinos, numa solicitação constante. Tal foi a ordem de Jesus: Pedi e recebereis para que a vossa alegria seja completa” (João 16,24b). A súplica insistente dirigida a Deus nunca fica sem resposta se ela, de fato, se fundamenta numa necessidade real que contribuirá para a própria salvação eterna e para a glória de Deus. Tantas vezes se esquece de que o tempo de Deus não é o tempo do ser humano e, portanto, ele atenderá quando na sua onisciência infinita julgar ser o momento oportuno. O certo é que os clamores dirigidos ao céu não são lançados no vazio, mas são recebidos amorosamente por um Deus sumamente misericordioso, justo, bem diferente do juiz injusto da parábola. O fundamento da oração do cristão é a promessa de Cristo e a presença iluminadora do Espírito Santo que orienta o que pedir e como pedir sem desanimar nunca. É preciso, porém, aguardar o fruto espiritual das súplicas dirigidas a Deus. Eis por que o fiel acata a maneira pela qual será atendido no tempo oportuno. Isto é uma demonstração de total confiança no seu Senhor. Ao rezar, implicitamente, o orante está a dizer a Deus que quer o que Ele determina na sua sabedoria infinita e se dispõe a servi-lo com um coração sincero e reto. O caminho da oração é um caminho interior que cada um deve percorrer mesmo porque Deus conhece o íntimo do suplicante e o alcance daquilo que ele Lhe solicita. Para isto é necessário a abertura humilde e radical de todo o ser daquele que ora e que se entrega confiante nas mãos do Ser Infinito. O modo de agir de Deus difere radicalmente da maneira de proceder do juiz perverso e corrupto que atendeu para se livrar da importunação da viúva. Seu ponto de referência não era a justiça que deveria ministrar. Entretanto, infelizmente, é o mesmo que acontece nos tribunais humanos nos quais interesses escusos muitas vezes prevalecem. Jesus nos leva então a compreender que, se um juiz malvado fez justiça devido à insistência da pobre viúva, muito mais fácil é conseguir do Pai celeste todas as coisas boas de que temos necessidade, Basta lhe pedir com um mínimo de humildade e perseverança. Nada de hesitações, de desconfiança no poder e na bondade do Pai celeste. O essencial é ter amor e humildade no momento da oração. A consciência da dependência de Deus deve fundamentar a prece do autêntico cristão. Deus quer que insistamos nos pedidos a Ele feitos porque também isto aumenta a nossa fé e nossa esperança. O orante deve ter certeza de que nada lhe é simplesmente devido e assim não se deve nunca cair no orgulho, exigindo de Deus o que Lhe é solicitado. Então todos os ingredientes de uma prece agradável a Deus têm seu fundamento numa crença inabalável pela qual se crê que um dia Jesus voltará e deverá para fazer resplandecer a justiça sobre aqueles que acreditaram e, assim, perseveraram numa prece ardente. É preciso, de fato, atenção à indagação de Jesus “O filho do homem à sua vinda, achará acaso fé sobe a terra”?  Esta espera de sua vinda para o juízo final fortalece a fé e os pedidos constantes da proteção divina. Fé que alcança continuamente os favores celestes, frutos da oração persistente. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.






segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Sua fé o salvou,sua gratidão o dignificou


SUA FÉ O SALVOU E SUA GRATIDÃO O DIGNIFICOU
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
No tempo de Cristo, na Palestina, a situação do leproso era pior do que em nossos dias. Estava condenado a viver à margem da sociedade. A Bíblia registra a legislação do Levítico: “O enfermo atacado de lepra trajará vestes rasgadas, andará de cabeça descoberta [...] e ele gritará: “Impuro"!" Impuro!”[...] Durante todo o tempo que durar a moléstia será considerado impuro como o é de fato e viverá isolado na sua cabana fora do acampamento" (Lev 13,45). Eis, porém, que na entrada de uma povoação saíram ao encontro de Jesus dez homens leprosos a clamarem: “Jesus Mestre, tem piedade de nós” (Lc 17,11-19). Rejeitados pelos homens, apelam para o divino Taumaturgo. Jesus sempre exigiu de seus miraculados uma fé profunda. Ordenou simplesmente que eles fossem se apresentar aos sacerdotes. Eles fizeram um ato de fé, obedeceram e pelo caminho ficaram curados. Entretanto, apenas um retornou para agradecer ao seu Benfeitor. Este, sim, ficara inteiramente curado no corpo e no espírito, pois se colocou em condições de escutar Jesus a lhe afiançar: “Levanta-te e parte, a tua fé te salvou”. Ele havia obtido a plenitude da salvação, a vida segundo a fé que permite verdadeiramente e livremente usufruir o bem estar do corpo e da alma, dando a Deus uma resposta de amor, manifestando um reconhecimento que enobrece e abre as portas para novos benefícios divinos. Estava imunizado de toda e qualquer lepra espiritual. Assim é o coração bondoso de Deus que nunca rejeita nem se desgosta perante as misérias humanas, mas sabe recompensar os gestos de gratidão, sinal de que se recebeu com fé o favor do céu. Aí está a razão pela qual nunca se deve imaginar que há uma distância intransponível entre o fiel que acredita e Jesus. Este está ainda mais próximo daqueles que sofrem, que sentem o peso da solidão e se acham longe de todo socorro humano. No caso dos dez leprosos Jesus passou por cima de todas as repugnâncias advindas da horripila enfermidade e com doçura infinita, aos remetê-los aos sacerdotes, já os havia curado. Era preciso apenas constar oficialmente que estavam livres da lepra, pois a cura fora súbita e completa para os dez ao mesmo tempo. O chocante neste episódio foi, de fato, que apenas o samaritano, o mais pobre e desprezível aos olhos dos judeus, foi grato, acrescentando ao ato de fé uma admirável manifestação de agradecimento, prostrando-se aos pés de Jesus. Estava cheio de alegria e esta transbordou num gesto sublime. Cumpre reter a lição deste agraciado, porque Deus está presente na vida de cada um de seus seguidores. Quantas graças são recebidas, por entre a agitação do cotidiano, no fim de um dia, no término de uma semana. É preciso a exemplo do samaritano, o qual veio dizer a Jesus o quanto estava agradecido pela cura maravilhosa, que saibamos continuamente agradecer a Deus. A gratidão é a chave de ouro que abre os tesouros divinos. Quem faz sempre a releitura de tudo que lhe vai acontecendo durante o dia há de perceber a presença dadivosa do Ser Supremo “no qual nos movemos, existimos e somos” (Atos 17,28). Ele é, realmente, rico em misericórdia. Muitas vezes o cristão se limita a um exame de consciência moralizador e se esquece de captar a multidão de benefícios que lhe advém de seu Senhor. A fé exige uma visão mais ampla de tudo que vai acontecendo a quem vive e implora continuamente a proteção celeste. Deus vai a cada passo deixando marcas na vida de quem nele crê, que O ama e nele confia. A leitura dos acontecimentos que se dão em derredor do seguidor de Cristo aumenta a fé e a gratidão, mas é necessário apreender todos os sinais indicadores da bondade do Pai amoroso. Então se multiplicam os hinos de ação de graças, de arrependimento pelas ingratidões e de preces ardentes pela contínua ajuda divina. O ideal, portanto, é ser como o leproso agradecido e não como os nove, também agraciados, mas dos quais se queixou Jesus, dado que não se mostraram reconhecidos. Donde a importância do conselho de São Paulo na sua carta a Timóteo, recomendando que é preciso sempre se lembrar de Jesus Cristo ressuscitado entre os mortos, pois Ele é, de fato, nossa salvação, nossa glória. Portanto a Ele se devem hinos gratulatórios, pois Ele é o Mediador de todos os favores que continuamente recebemos.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.