segunda-feira, 30 de setembro de 2019

FÉ CONFIANTE E SERVIÇO HUMILDE


01 FÉ CONFIANTE E SERVIÇO HUMILDE
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Fé confiante e serviço humilde são duas preciosas lições ministradas por Cristo aos seus discípulos como mostrou São Lucas (Lc 17,5-10). São duas virtudes que devem sempre distinguir seus seguidores. Trata-se em primeiro lugar de uma fé pela qual o cristão vive numa relação pessoal com Deus. Não uma fé mágica ou interesseira, mas que supõe uma adesão total à vontade divina. Sob este aspecto, notável a solicitação que haviam feito os apóstolos: “Aumenta a nossa fé”. Com efeito, quem se esforça por dilatar sua crença no seu Senhor entra na sua intimidade. Vê aberto um maravilhoso horizonte, um mundo no qual tudo é possível. Isto muito além do que se possa imaginar, pois o fiel se sente então mergulhado na mais absoluta confiança no Ser Todo-Poderoso. Fé, portanto, esclarecida, iluminadora com notáveis reflexos na conduta cotidiana de quem a possui. Penetra-se, desde modo, no mistério sublime do amor de Deus, não obstante as limitações humanas e suas fraquezas naturais a seres contingentes, limitados. A fé confiante não pode se separar do amor que vivifica a existência de quem a tem. De fato, o amor é a medida de fé. Tudo é então possível ao autêntico cristão, dado que nada é impossível a quem verdadeiramente ama o seu Criador. No plano espiritual o progresso é extraordinário e o fiel passa a contemplar coisas incomparáveis em seu derredor, como aconteceu e continua acontecendo com as pessoas nas quais esplende virtude tão eminente. Porque crê na Palavra revelada por Deus contida na Bíblia procura colocá-la em aplicação em todos os seus atos, comportando-se de acordo com as diretrizes divinas. Donde a obediência total aos mandamentos. Além disto, não duvida nunca das promessas de Deus para esta trajetória terrena e para a eternidade. Deste modo, o cristão se deixa envolver numa experiência espiritual maravilhosa. Passa a perceber por toda parte a presença ativa de Deus, presença que o transforma e leva a sempre se conformar com os desígnios divinos. É uma vida toda estruturada naquilo em que se acredita, tudo ganhando a dimensão profundamente existencial da fé. Isto resultando do dom e do abandono nas mãos da providência divina, permitindo que Deus ocupe todo o coração, toda a vida daquele que nele confiadamente crê. Se assim é, cumpre, de fato, repetir continuamente a solicitação dos apóstolos: “Senhor, aumenta-nos a fé”.  Esta virtude levará fatalmente a um serviço humilde conforme o que preceituou Jesus: “Vós também, uma vez feito o que se vos ordenou, dizei: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer”. Ele deu o exemplo, pois foi o servidor perfeito, realizando em plenitude a obra redentora da humanidade. Ele pôde então afirmar que viera a este mundo não para ser servido, mas para servir (Mt 20,28). Assim deve agir cada um nas tarefas de seus deveres cotidianos, nas suas obrigações como membros da Igreja. Em tudo, porém, somos dependentes de Deus e é neste sentido que o Mestre divino usou o termo “servos inúteis”, pois sem o auxílio divino nada de bom se pode realizar, ou seja, fazendo bem, o bem que deve ser feito. Nunca se fixa demais o que Jesus asseverou: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). Eis porque se deve pedir sempre sua proteção para efetivar com êxito todas as obrigações do dia a dia, sobretudo as mais complexas e difíceis. Aí está o motivo pelo qual os grandes santos faziam sempre de uma maneira extraordinária as tarefas ordinárias de cada hora. É que a prece, centrando a atenção no poder divino, leva à sublime realidade enunciada por São Paulo: “É Deus que opera em vós o querer e o agir segundo seus benévolos desígnios. Fazei tudo sem murmurações [...] deveis resplandecer como luzeiros no mundo" (Fil 2,13.15). É, realmente, o Senhor que faz do cristão servo humilde no exercício de seus deveres de acordo com sua graça, seus dons e carismas a serviço do próximo e do Evangelho. Pela fé nele todos somos irmãos uns a serviço dos outros. Todo o tempo do verdadeiro seguidor de Cristo pertence a Ele e, por isto, através das menores ações se irradia seu reino de amor, mesmo nos momentos de descanso, uma vez que este repouso é para revitalizar as forças, visando o trabalho dentro do projeto que Deus traçou para cada um. Tudo então que resulta deste trabalho é bom, gratificante, útil, santificador. As fadigas do corpo abrandam as angústias do espírito, levando a um perfeito equilíbrio psicossomático. Quando a natural fadiga das atividades é também assim oferecida para glória de Deus enorme o mérito para a vida eterna. Esta intenção de honrar a Deus em todas as obras precisa sempre fazer parte do discipulado cristão. Tal a nobre vocação do discípulo de Cristo que se utiliza dos dons divinos a bem próprio, da comunidade na qual vive a começar da própria família. Tudo assim coopera para a maior glória de Deus, porque todas as ações ficam envoltas numa fé confiante. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O RICO MAU E O POBRE LÁZARO


02 O RICO MAU E O POBRE LÀZARO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na célebre parábola do rico mau e do pobre Lázaro narrada por Jesus, Lázaro lembra o amor e a predileção divina pelos indigentes, sobretudo os carentes de amor. O rico não havia compreendido a razão de ser de sua vida e de sua missão (Lc 16,19-21). O endinheirado, cego pelos bens terrenos, colocou toda sua esperança nos bens materiais deste mundo. Ignorava que Deus esperava muito mais dele. Do pobre Lázaro Deus teve piedade por ocasião de sua morte e o recebeu “no seio de Abraão”. No contexto desta parábola o cristão é incitado a imitar Lázaro e não o abastado glutão. É assim que se podem receber os dons magníficos do Senhor Onipotente. Trata-se de reconhecer que tudo de bom que alguém possui vem do Espírito Santo, visando o serviço divino e do próximo, levando-o à união com Deus. O rico só pensava em si mesmo e nos gozos terrenos.  Até depois de sua morte pedia que Lázaro lhe enviasse gotas de água para lhe refrescar a língua ressecada. Seu egocentrismo não o abandonava nunca. As atitudes do homem mau desta parábola recordam a todos que temos somente uma vida neste mundo e uma chance para conquistar a existência eterna feliz. Aqui na terra o seguidor de Cristo deve ser um canal, um intermediário das graças redentoras. Grande responsabilidade ser instrumento de Jesus para a salvação dos parentes e amigos sem perder nenhuma oportunidade, mesmo porque a morte estabelece um limite absoluto. É o instante no qual tudo ganha o seu verdadeiro valor. Isto deve ser um referencial na vida de cada um, pois ao morrer se totalizam todas as fidelidades ou infidelidades de uma existência. O rico da parábola estava cego ao longo de sua trajetória terrena. Não pensava em Deus e muito menos se apiedou Lázaro, coberto de chagas e que desejava matar a fome com as migalhas que lhe caiam de sua mesa. Ao morrerem, porém, tudo muda. Ambos estariam diante do Criador e Juiz infinitamente lúcido e coerente. Ele conhecia a qualidade de vida e o coração de cada um. Agora um grande abismo separava o bom e o mau. Antes, o rico ímpio teria podido ter socorrido o miserável pobre Lázaro.  Lá no outro mundo já não poderia nada realizar, mesmo reconhecendo seus erros, dado que o tempo da conversão passara.  Nem mesmo seus irmãos haveriam de se converter, porque ante a palavra de Deus através de Moisés e dos profetas não se entregariam à prática da penitência e da caridade. Ainda que viesse até eles algum dos falecidos eles não dariam crédito e não mudariam de conduta, não sairiam de sua mediocridade. Toda a atenção é pouca, uma vez que somente o Evangelho pode dar sentido à vida do cristão, envolvendo-o numa fúlgida esperança. Apenas assim a vida não fica bloqueada numa fatalidade gerada por uma riqueza mal empregada, ignorando o destino dos mais necessitados. Na eternidade, contudo, anjos levando Lázaro para o reino de Deus e o rico lançado no fogo eterno do inferno. Um esbanjou seus bens numa falsa felicidade, o outro se viu coberto de desgraça. A situação após a morte modificou-se, pois este último recebeu consolação e o outro justa paga por seus desatinos, um castigo eterno. A trajetória nesta terra supõe a aventura da fé sincera, vivida imensamente em todas as suas consequências, sobretudo no que diz respeito ao próximo. É a luta contra o egoísmo, a ambição, o desinteresse pelos outros. Ao narrar esta parábola Jesus concita a seus seguidores a tomar uma posição corajosa na prática das virtudes por Ele ensinadas. Então o cristão não se vê preso ao instante que passa, sai de seu egoísmo e procura tratar cristãmente seu semelhante. Esta parábola, portanto, é um sério lembrete do Mestre divino que adverte sobre a possibilidade de se perder a ventura eterna por causa do desprezo para com os outros. Nesta parábola o rico vai para a condenação sem fim porque sua vida foi passada no excesso da glutoneria e dos bens ilusórios sem prestar atenção aos que passavam necessidade. Jesus ensina a importância de agir em função da marcha rumo à Casa do Pai e não para a punição sem fim. A transcendência do mandamento de Cristo de amar o próximo tem toda sua importância à luz dos fins últimos de cada um, qual seja, a morte, o julgamento, o céu ou o inferno. Uma vida superficial pode levar a encontrar escusas levando a uma indiferença fatal para com os que estão em seu derredor. Muitos procuram razões para justificar sua passividade diante das desgraças alheias, descurando a prática das boas obras, vivendo a caridade fraterna. Pessoas idosas, doentes, abandonadas tantas vezes à espera de atenções e cuidados. Cumpre a opção entre amar a Deus e o próximo ou amar a si mesmo, ignorando os sofrimentos alheios. O caminho que conduz ao céu é pavimentado com atos de caridade. O que faltava ao rico da parábola era exatamente a dileção ao sofredor. O cristão, contudo, sabe que, quando ele se interessa pelo outro, está escolhendo o próprio Deus. Então fica aberta a porta da felicidade Quem tem o coração cheio de amor a Deus e as mãos ocupadas no serviço do próximo, decifrou a grandeza da vida. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

Servir a Deus e não às riquezas


01 SERVIR A DEUS E NÃO ÀS RIQUEZAS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Com a parábola do feitor infiel Jesus quis inculcar a seus seguidores a necessidade da fuga da servidão egoísta ao dinheiro, aos bens materiais e a tudo que os impeça de viver em plenitude sua vocação sublime de amar e servir a Deus e aos irmãos (Lc 16,1-13). Legou um ensinamento útil sobre como gerir corretamente os bens deste mundo e a própria vida num relacionamento filial com Ele, o Senhor de tudo. Não é preciso muita perspicácia para entender que o Mestre divino não louvou o expediente imoral do administrador que, para granjear a benevolência dos devedores de seu patrão, lhes diminuía a dívida, portanto prejudicando seu chefe.  Jesus desejou é chamar a atenção para a habilidade daquele administrador numa ação imoral inteiramente condenável. É necessário que os filhos da luz tenham o mesmo empenho e sagacidade no que tange os bens eternos, evidentemente sempre, porém, empregando meios lícitos. Com o próprio dinheiro que é algo material, muitos são os méritos que podem ser obtidos para a vida eterna, através, por exemplo, da ajuda oportuna a quem passa por necessidade. Esta deve ser a inteligência do cristão, honesto em tudo, garantindo uma recompensa no Reino de Deus. Jesus ensina então que o dinheiro e qualquer riqueza são um meio e não um fim em si mesmo. O bom emprego dos bens materiais está em fazer deles um instrumento de partilha e benemerência para os outros. Muitas ações boas podem ser praticadas com o vil metal que não deve ser endeusado, mas sabiamente empregado, administrado com perspicácia sem se tornar um escravo dele. Deus abençoa todo aquele que ganha sua vida pelo trabalho que em si é sempre penoso. Entre os apóstolos havia um que tomava conta da bolsa comum, mas roubava o que era nela depositado (Jo 12, 4-7). Bem sabemos o triste fim de Judas Iscariotes, o ecônomo que se tornou traidor. Entre aqueles que seguiam Jesus muitos O ajudavam com seus haveres como registrou São Lucas (Lc 8,3) e Jesus aceitava este auxílio. Ele, contudo, condenou “o dinheiro da iniquidade”. Trata-se de uma riqueza ganha injustamente ou muitas vezes empregada para oprimir os outros e à qual o ser humano não deve se escravizar. É que há aqueles que depositam nos seus bens seguranças ilusórias, opostas à confiança em Deus. O conselho do Mestre divino foi este: ”Ajuntai tesouros no céu” (Mt 6,19). Isto significa o bom uso dos bens advindos da bondade de Deus. É que o autêntico cristão tudo realiza em função do Reino celeste. Portanto, ou Deus ou a ambição, o amor próprio, o egoísmo e a falta de amor ao próximo. O principal é que, por entre as tarefas neste mundo, os corações estejam firmes onde estão as verdadeiras alegrias junto de Deus. Jesus declarou: “Lá onde está vosso tesouro, lá também estará vosso coração” (Lc 12,34). Assim sendo, é preciso uma fidelidade integral a Deus, nada sobrepondo a Ele. Deste modo, a parábola do intendente astucioso leva a sérias reflexões, sobretudo, na boa administração dos bens recebidos de Deus, visando o próprio progresso material e espiritual e também na ajuda oportuna ao próximo. Administrar bem o dinheiro para o sustento da própria existência, da subsistência dos que moram sob o mesmo teto, contribuindo também para o culto divino e as obras sociais da Igreja. Daí o emprego inteligente de tudo que se recebe de Deus. Eis porque o Livro dos Provérbios convida a procurar “a sabedoria como faria quem procura um tesouro” (Prov 2,4). Tudo feito com muito amor no coração e na mente, todos os dias da vida para assim agradar sempre a Deus, trabalhando na sua presença e vivendo sua palavra contida na Bíblia onde se acham ensinamentos para a vida eterna. O desapego dos bens terrenos não exclui a prudência em se ter alguma reserva monetária, visando necessidades futuras, evitando a mendicidade. Tudo fruto de um labor ininterrupto. Trata-se de desenvolver-se e apurar as energias do corpo e do espirito, mediante a ação contínua longe da inercia.  É que sem trabalho honesto a vida não passa de sonho vão e inútil. O espírito de quem é indolente perde a lucidez e ele se lança a obter recursos por vias condenáveis como o feitor da parábola narrada por Jesus. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

A ALEGRIA DO PERDÃO DIVINO


01 A ALEGRIA DO PERDÃO DIVINO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
São Lucas apresenta três parábolas ditas da misericórdia divina (Lc 15,1-32). Elas, com efeito, exprimem o amor misericordioso de Deus que sai à procura do pecador, o qual Ele pacientemente aguarda até uma total mudança de vida. O pensamento de Jesus era inteiramente diferente do modo como os fariseus consideravam os pecadores. Fulgem neste texto a alegria e um banquete festivo. O pastor e a dona de casa se rejubilam por encontrar o que haviam perdido e que ansiosamente buscavam. O júbilo foi tão grande que o partilharam com amigos e vizinhos. O mesmo gaudio há entre os anjos no céu quando surge um pecador arrependido. O pai do filho pródigo organizou um festim, dado que ele, radiante de contentamento, desejou comemorar o retorno daquele que se tinha perdido e, depois, amargamente se arrependera de seus extravios. Jesus ensina que não devem ser abandonados os pecadores que se arrependem, mas cumpre acolhê-los e com eles se alegrar por encontrarem de novo a casa paterna. Eis por que o filho mais velho encarnava a mentalidade dos fariseus e repreendeu o pai por ter dado uma festa no retorno de seu irmão. Na verdade ele não havia abandonado o pai, mas o considerava apenas como seu senhor. Não sabia usufruir da felicidade daquele lar, tanto que o pai teve que lhe explicar que tudo que possuía era também dele. Ele, porém, não tinha uma atitude filial para com seu pai. Cumpria ao filho mais velho rever sua atitude, mesmo porque com relação ao seu irmão que se arrependera o pai se mostrara não como juiz, mas como genitor amoroso. O filho mais velho estava fazendo um julgamento moral e não demonstrando sentimento fraterno com relação a seu irmão e amor filial para com seu progenitor. Porque todos somos filhos do mesmo Pai que está no céu é preciso não só se regozijar com a conversão daqueles que erram e trabalhar para isto, como também é necessário saber gozar a felicidade de estar sempre unidos a este Pai amoroso. A lição de Jesus é clara como está registrado por São Joao: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai. Não fostes vós que me escolhestes, mas eu vos escolhi e vos constitui para que vades e produzais fruto, e o vosso fruto permaneça. Eu assim vos constitui, a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vos conceda. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros” (Jo 15, 15-17), Era isto que o filho mais velho da parábola precisava entender. Segundo o amor misericordioso do Pai todos somos iguais e precisamos sempre do perdão e da misericórdia divina. Nunca, como o filho mais velho, alguém deve se julgar melhor dos que os outros. Jesus quer que entremos num dinamismo de abertura e de confiança na bondade infinita de Deus, donde uma alegria profunda que deve sempre unir a todos numa fraternidade que se torna apoio para os perseverantes e ocasião de conversão para os extraviados. Coração aberto aos outros e, como o Pai da parábola, saber esperar o momento da conversão dos que erram. Trata-se de uma fonte de generosidade que não cessa de inclinar cada um para o Deus de amor sempre pronto a perdoar. São Pedro Crisólogo falando do filho pródigo mostrou que Ele perdera voluntariamente sua condição de filho, abandonando o lar paterno, mas seu pai não perdera nunca sua missão de pai, O tempo todo ele esperava o momento de lhe dar um indulto cordial. Tanto isto é verdade que o pai não entrou no mérito dos motivos que levaram aquele filho rebelde a retornar. Deu simplesmente ordens para que este filho fosse homenageado. Era um retorno que tocava o coração de seu pai. Eis porque ele o abraçou e beijou com ternura por ser um filho que regressava. Em vez de juiz ele se mostra pai. Jesus quer que tenhamos de Deus a certeza de um amor gratuito pelo qual Ele, o Pai amável, nos ama. Ele não deseja uma abundância de palavras, de profundas escusas, mas um simples gesto de regresso para a casa paterna.  Converter-se à luz desta parábola é entrar na alegria do Pai e aceitar ser amado por Ele, apesar de todas as fraquezas  humanas. Ele quer que saibamos sempre escolher a vida da graça e não a morte do pecado. O que Deus deseja dar a seus filhos, mais do que uma herança como pensava o filho mais velho da parábola, é oferecer a alegria de receber e partilhar com sinceridade seu amor infinito. É neste amor gratuito e incondicional que o cristão pode experimentar a verdadeira alegria que o levará a jamais se apartar do Deus que tanto nos ama. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Carregar a cruz e seguir Jesus


CARREGAR A CRUZ E SEGUIR JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Esta foi a orientação de Cristo: “Quem não carrega a sua cruz e me segue, não pode ser meu discípulo” (Lc 14,25-33). Mestre extraordinário, Ele, sabiamente, estabeleceu as condições existenciais nas quais alguém, de fato, patenteia ser seu seguidor. Trata-se, em primeiro lugar, de não recusar as amarguras naturais a um exílio terreno. É a cruz específica de cada um, pois a dele Ele carregou até o Calvário. Eis porque quem O quisesse procurar sem a cruz encontraria fatalmente a cruz sem Ele e não conheceria assim o sentido profundo da existência da dor, do esforço penoso. Sem Ele não se tem a verdadeira sabedoria e a segurança neste caminhar terreno. Nada mais importante do que estar unido a seu Senhor. Em segundo lugar, é preciso uma entrega incondicional a Ele, não preferindo ninguém acima dele. Entrega integral ao Mestre divino, dado que Ele não é rival das demais criaturas.  O amor verdadeiro une sempre a Deus e ao próximo, mesmo porque, como se expressou São João “Deus é amor" (1 Jo 4,8). É nele que se fundamenta todo autêntico amor. Deste modo, o cristão que marcha seguindo Jesus, sabe calcular e não tem como referência nenhuma segurança terrena. Esta se acha unicamente no divino Salvador. Além disto, tomar a própria cruz não significa  procurar sofrimentos. Jesus não buscou a sua cruz, mas tomou, enquanto homem, aquela que havia determinado o Pai. Ele não veio também aumentar as aflições humanas, mas lhes dar um significado profundo, que é aceitar sempre a vontade de Deus. Acatar a cruz de cada dia é então um ato humano ativo, positivo, construtivo, santificador. Carregar assim a cruz após Jesus é algo profundamente transformador. Sobretudo no contexto histórico atual, quando o sofrimento atemoriza mais ainda, numa época pouco inclinada à ascese, tal reflexão se torna mais importante. Jesus não pregou o fatalismo ante o sofrimento, mas o dinamismo que transforma os espinhos da vida em méritos para a eternidade. A proposta da cruz feita por Ele não foi uma ameaça, mas uma fúlgida esperança. Na cruz está a salvação e a vida, a proteção contra os inimigos da alma e do corpo. Da cruz manam as suavidades celestiais, nela está a fortaleza do espírito, a alegria do coração, o compêndio da virtude, a perfeição da santidade. Jesus mostrou que quem não carrega sua cruz e não renuncia a todos os seus bens não pode ser seu seguidor. O que Ele pregou neste caso foi o desapego total das coisas materiais, usando-as em vistas ao cumprimento de uma missão sublime nesta terra, olhos fixos na felicidade perene na sua companhia lá no céu. É deste modo que se obtém a liberdade dos filhos de Deus sem se submeter à escravidão do dinheiro, do próprio talento e do tempo de vida que Deus concede a cada um. Ele ensinou a viver com as dimensões do que cada um é ou possui, podendo estar sempre ligado a Ele.  Ele recomendou carregar a cruz, portanto se trata não de uma condenação, mas de uma marcha para frente sem desânimo, sem procrastinação. Tudo aceito e feito com muito amor e gratidão a Ele. Jesus não suscita ilusões ou cria desilusões. Ele pede tudo porque Ele quer tudo dar, mesmo porque Ele ofereceu sua própria vida pela salvação de todos. Como escreveu São Paulo aos Efésios: ”Ele nos amou e se entregou por nós” (Ef 5,2), Eis porque tomar a cruz não significa, de fato, ir à procura de amarguras.  Ele mesmo tomou sua cruz em obediência ao projeto do Pai e o fez com muito amor e abnegação. A seu exemplo o cristão deve ver a cruz não como um instrumento de suplício, mas um sinal de redenção e glória. Como muito bem se expressou São Leão Magno “a Cruz é a fonte de todas as bênçãos e de todas as graças. É pela Cruz que os fiéis logram passar da fraqueza para o vigor, da ignomínia para a honra, da morte para a vida”. São João Damasceno mostrou que assim vista “ a  Cruz de Cristo é escudo, armadura e troféu contra o diabo”. Eis porque o autor do livro Imitação de Cristo declarou: “Não há salvação da alma, nem esperança da vida eterna, senão na cruz. Toma, pois, a tua cruz, segue a Jesus e chegarás à vida eterna .Este Senhor foi adiante, levando às costas a sua cruz, e nela morreu por ti, para que tu leves também a tua e nela desejes morrer.(Im. de Cristo, liv. II, c. 12). Sábias diretrizes que devemos colocar em prática para alcançarmos a salvação eterna através da cruz redentora de nosso Salvador. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.