ORAÇÃO
E AÇÃO
Côn. José
Geraldo Vidigal de Carvalho
O
episódio ocorrido em Betânia onde moravam Maria e Marta leva a uma reflexão
sobre a oração e a atuação nos afazeres diários (Luc 10,33-42). Cumpre
conciliar os momentos dedicados à prece e aos trabalhos cotidianos. Maria
estava escutando Jesus, se imergindo na Palavra de Deus, e Marta agindo,
preparando a refeição para o ilustre hóspede. Entre os discípulos de Jesus uns
são mais sensíveis aos bens espirituais e outros aos bens materiais. É preciso
saber harmonizar uma e outra atitude. Jesus ao dizer a Marta que “Maria tinha
escolhido a melhor parte, esta não lhe será tirada”, mostrava que a oração era
superior à ação. Jesus, aliás, nas suas pregações sempre prescreveu uma
caridade ativa. Célebre sua advertência: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor
entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos
céus” (Mt 7,21). Aos apóstolos, aos ouvintes, cada qual segundo o seu estado e
profissão, Ele ensinou que é preciso cumprir os deveres que Deus lhes impõe
enquanto durar a vida, pois com a morte cessa o tempo favorável para conquista da
felicidade eterna. Ele repreendeu Marta, não pelo fato de que ela estava
trabalhando, mas porque estava agitada. Há uma diferença enorme entre agir e se
agitar. Como também não fazer nada não é rezar e menos ainda ser um
contemplativo. Muitos ficam de tal modo envoltos nas tarefas a serem feitas que
não encontram momentos de oração e acontece, igualmente, que há aqueles que não
sabendo bem controlar o tempo descuram o cumprimento do dever de cada dia. O
segredo do bem viver é transformar as menores ações em atos de amor a Deus e ao
próximo. Assim sendo, nos instantes reservados à prece se pode tranquilamente
usufruir a presença divina. Jesus mostrou a Marta que ela estava inquieta e
confusa com muitas coisas, imersa num materialismo insensato, tornando-se
escrava de sua ocupação. Escapava-lhe o sentido de seu serviço e, agitada, ela
perdia a alegria de poder servir a Jesus, tendo a paz interior. A maioria das distrações
na oração vêm da preocupação com as coisas materiais. A prece e os afazeres não
se opõem, mas bem compreendidos levam à fuga de toda mediocridade na oração e
na ação. O verdadeiro cristão não pode definir o tempo da oração como uma
simples inatividade, como não deve fazer da ação uma agitamento desnecessário.
Para conseguir este equilíbrio a prioridade como salientou Jesus com relação a
Maria é a escuta da Palavra, das inspirações divinas advindas da oração. Desta
é que fluem a sabedoria e a força necessárias para bem realizar as tarefas
diárias. Muitas vezes pode ocorrer que a inquietação pela organização do
trabalho leva a se perder o seu valor intrínseco. Com efeito, não se pode
esquecer de que qualquer atividade em si é um serviço prestado ao próprio
Mestre divino que disse: “O que fizerdes ao menor de vossos irmãos, foi a mim
que o fizestes”. Portanto, continuamente se pode haurir os benefícios de tudo
que se faz vendo no próximo a figura de Cristo. Neste caso não se age como
Marta submersa na amplidão dos deveres. É preciso como Maria parar para
verificar o que Deus realmente quer e lhe solicitar a energia necessária para
bem agir. Nunca se valoriza demais o tempo que se reserva à oração individual
ou comunitária que deve ser uma pausa no meio da agitação cotidiana. Portanto,
não se pode opor simplesmente uma Maria orante a uma Marta ativa; uma Maria
piedosa a uma Marta agitada; uma Maria concentrada na oração a uma Marta
dispersiva nos afazeres. Esta diferença entre as duas irmãs é também marcada
pela postura delas perante Jesus. Marta
está preocupada em agradar o hóspede divino com uma multidão ações, enquanto
Maria se liga a Jesus pela escuta. Marta recebeu Jesus, mas não O escutava.
Maria O escutando, mostra a atitude da discípula atenciosa e cortês. Marta
queria que sua irmã a ajudasse e se esquecia de que ela estava prestando uma
grande homenagem a Jesus ouvindo-O e assimilando sua palavra. Marta. esperava
que, diante da censura que ela fazia à irmã, que Jesus ordenasse que esta fosse
ajudá-la. Sua resposta não foi o que Marta desejava, pois e Ele não se deixou manipular. Não
respondeu ao pedido de Marta, mas expôs uma prioridade entre as ações de ambas,
louvando a atitude de Maria. Mostrou a Marta que a perfeição dos atos humanos
não consiste na multiplicação dos mesmos. De fato,
verdadeira ação, impregnada de amor ao próximo deve ser feita sempre numa união
íntima com Deus, pois assim esta ação não se opõe à oração como pensava Marta.
É que a prece é em si mesma uma ação na qual se apreende o verdadeiro serviço
aos outros. Apenas quem reza como Maria pode fazer suas ações inteiramente
agradáveis a Deus e úteis ao próximo, porque envoltas no mais profundo espírito
fraternal. Sejamos laboriosos como Marta, mas tudo fazendo como Maria à luz da
presença do Mestre divino. * Professor no
Seminário de Mariana durante 40 anos.
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