A DIVINA MISERICÓRDIA
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho
Neste
domingo da Divina Misericórdia escutamos no Evangelho que Jesus Ressuscitado se
manifestou aos Apóstolos e lhes dá a paz (Jo 20,19-31). Repete duas vezes “a
paz esteja convosco”. Isto significa que esta saudação traz consigo uma
mensagem especial e um projeto de vida. Trata-se da paz que vem do Deus
misericordioso. Não é simplesmente a ausência de violência ou uma relativa
tranquilidade de espírito. É a paz profunda do coração reconciliado com Deus
que sempre perdoa e quer envolver a todos na sua clemência de Pai cheio de
comiseração. Eis porque solenemente Jesus conferiu uma missão especial ao
colégio apostólico: “Como o Pai me enviou, eu também vos envio [... ] Recebei o
Espírito Santo àqueles a quem perdoardes
os pecados ficar-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes,
ficar-lhes-ão retidos”, O dom do Espírito Santo está ligado à presença do
Divino Ressuscitado. Isto para que os Apóstolos e seus sucessores fossem
perenemente os ministros do perdão. Cristo instituiu um sacramento que é a
fonte mesma da indulgência do Senhor de tudo. Esta misericórdia é fruto do
sacrifício que Jesus ofereceu na cruz pelos pecados do mundo. Note-se que oito
dias depois, quando novamente Jesus se manifestou aos Apóstolos e Tomé estava
presente, expressivo o que Ele disse ao seu seguidor incrédulo, mandando que
ele tocasse nas suas chagas agora gloriosas. De fato, Cristo Ressuscitado é o
mesmo Jesus de Nazaré elevado da terra sobre a cruz, o qual de seu lado
traspassado pela lança fez jorrar a vida para a humanidade. Aos fariseus Jesus
havia declarado: “Ide aprender o que significa: “Quero misericórdia e não
sacrifício, porque não vim chamar os justos, mas os pecadores” (Mt 9,13). Portanto,
na luta diária contra o pecado cumpre reconhecê-lo como o Deus misericordioso e
imergir nesta misericórdia infinita numa certeza cega como dizia Santa
Teresinha de Lisieux. Quando no ano de 2000 o Papa São João Paulo II decidiu
que no segundo domingo da Páscoa fosse nele comemorado a Divina Misericórdia,
sua intenção foi que todos fizessem a experiência do perdão de Deus no qual se
deve depositar a mais absoluta confiança. Fica então aberto o caminho da
conversão e da renovação do coração movido por um sincero arrependimento. Com
São Tomé pode então o cristão repetir diante do Ressuscitado: “Meu Senhor e meu
Deus”! Trata-se de proclamar sinceramente a fé, estabelecendo um liame íntimo
com o Vencedor da morte que vem a todos os que amorosamente O invocam. Esta
relação pessoal com Cristo resulta então de um arraigado amor garantia de uma
vida nova fruto da vivência pascal intensa. Tal deve ser a convicção dos que
acreditam num Deus rico de misericórdia como falou São Paulo aos Efésios (Ef
2.4). Daí resulta a esperança que oferece a todos a possibilidade de enfrentar as dificuldades da vida apesar das fraquezas
humanas. Reina, desta forma, a
reconciliação consigo mesmo, com Deus e com o próximo, afastado todo desalento,
toda falta de perdão, expulsa definitivamente qualquer queixa quanto às atitudes
alheias. É que a partir da verdadeira compreensão da misericórdia de Deus é
possível irradiar por toda parte a serenidade e a paz. Deste modo, as
maravilhas do amor divino envolvem todas as ações de quem tem fé. Desta maneira
Deus nunca se torna um estrangeiro na existência do cristão. Quando com Tomé o
discípulo de Jesus Ressuscitado lhe diz “Meu Senhor e meu Deus” toda espécie de
ilusão terrena se dilui. Muitos são tentados a procurar um Deus longínquo, no
impossível de suas imaginações, quando, na verdade, Ele está bem perto daqueles
que bradam “meu Senhor e meu Deus”. Ele quer realizar prodígios nas mais
pequeninas ações de cada um, pois a seus olhos não há separação entre o
cotidiano e o eterno, mesmo porque quem vive na sua presença só opera o bem e
vai construindo sua salvação na eternidade. O sim dado a Deus não pode passar pelas dúvidas de São Tomé, mesmo
porque Jesus lhe afirmou solenemente: “Bem-aventurados os que não viram e
creram”. Nem todos têm percepção das graças que continuamente recebem. Não se
trata de ver e tocar as chagas de Cristo como antes queria São Tomé, porque é
no coração que se devem guardar as maravilhas divinas, jamais duvidando de sua
misericórdia. * Professor no Seminário de
Mariana durante 40 anos.
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