quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

MORTE ENCEFÁLICA E EUTANÁSIA


 MORTE ENCEFÁLICA E EUTANÁSIA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A Igreja, por meio da Declaração da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, datada de 5 de maio de 1980, definiu claramente a eutanásia como sendo uma ação ou omissão que, por sua natureza ou nas intenções, provoca a morte a fim de limitar toda a dor.
A tese católica é esta: não há ninguém que possa autorizar  que se mate um ser humano inocente, seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente agonizante ou incurável.
A vida humana é sagrada. Todo gesto homicida é execrável.
 Não se pode difundir a cultura da morte, a partir de uma visão materialista do ser humano.
Portanto, a eutanásia é um crime.
 Quanto à morte encefálica a grande questão é precisar o momento da morte de um ser humano. Muitas vezes pode haver a confusão entre o estado de coma e a morte encefálica.
No primeiro caso é certo que não se pode precipitar a morte.
A questão da morte encefálica se liga à doação de órgãos, quando pode haver interesses escusos que não pode atropelar as normas éticas.
 A CNBB alertou para o respeito aos princípios morais que devem orientar esta prática da doação de órgãos. A comercialização dos mesmos pode forçar a declaração da morte, não discernindo, inclusive, o estado letárgico, estuporoso e o comatoso que não significam que o ser humano esteja morto.
O Catecismo da Igreja Católica classifica como "legítima e meritória" a doação gratuita de órgãos após a morte (grifo nosso).
 Lembra que esta mesma posição é assegurada também pela encíclica Evangelium vitae.
O Arcebispo de Mariana Dom Geraldo Lyrio Rocha quando exercia o cargo de Presidente da CNBB assinou uma nota, juntamente com o Secretário desta entidade Dom Dimas Lara Barbosa, na qual afirmou: "Vemos na doação voluntária de órgãos um gesto de amor fraterno em favor da vida e da saúde do próximo. É uma prova de solidariedade, grandeza de espírito e nobreza humana".
 Asseverou ainda: "A doação de órgãos não contraria à fé cristã na ressurreição final, pois 'Deus dá vida aos mortos e chama à existência o que antes não existia' (Rm 4,17)".
 Nas questões acima ventiladas, cumpre, portanto, saber se o ser humano está ou não realmente morto.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


domingo, 24 de janeiro de 2016

OS NAZARENOS CONTRA JESUS

OS NAZARENOS CONTRA JESUS

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

 Jesus quando falava a seus conterrâneos na Sinagoga de Nazaré “todos o elogiavam e admiravam-se das palavras cheias de graça que saíam de sua boca” (Luc 4,21). Depois, porém, eis que aqueles mesmos que se encantavam com o Mestre divino, o qual lhes ensinava, tiveram uma reação inteiramente diferente, pois “se encheram de ira, e, erguendo-se lançaram-no fora da cidade e levaram-no até à beira do monte sobre o qual estava construída a sua cidade, a fim de o precipitarem” (v.28). Ao entusiasmo seguiu-se um insano furor. É que enquanto Jesus se revelava como o Messias do qual falara Isaías seus concidadãos se orgulhavam por ser Ele nazareno. De Nazaré, portanto é que saíra o Redentor prometido por Deus, estabelecendo uma nova ordem social de paz, de justiça e liberdade.  Jesus, contudo, não era um demagogo e a sinceridade sempre pautaria sua pregação. São Lucas registrou como aqueles seus ouvintes diziam entre si: “Não é este o Filho de José?” (v.22). Isto revelava certa incredulidade na messianidade de Cristo e, por certo, quereriam que Ele fizesse ali algum milagre como operara em outros lugares, como em Cafarnaum. No íntimo colocavam deste modo  em dúvida sua missão, além de revelarem uma inveja das outras cidades  nas quais Jesus fizera prodígios. Sua resposta foi taxativa: “Nenhum profeta é bem recebido em sua terra” (v.24). Ao citar como procederam com os pagãos  Elias perante a viúva que era de Sarepta de Sidônia e Eliseu diante de Naamâ que era sírio, o humor dos nazarenos mudou inteiramente e foram tomados de ira contra Jesus. Portanto, nada do que falava o profeta Isaías, cujo texto Cristo havia lido, não ocorreria em Nazaré. Os Nazarenos, como bem observou o Pe.Rodolfo da Abadia de Hautterive na Suíça, simbolizavam os judeus que perseguiriam a Igreja primitiva a qual devia sofrer como Jesus a recusa de seus compatriotas. Além disto, através dos tempos muitos que se dizem cristãos quereriam que Jesus estivesse unicamente a serviço de seus interesses e se comportariam com arrogância, exigindo dele favores que em nada ajudam à própria salvação e ao bem comum. A doutrina de Cristo deve, isto sim, ser uma palavra que mobilize inteiramente seu seguidor rumo à perfeição. Note-se que perante a atitude dos nazarenos, como relatou são Lucas, “Jesus passou no meio deles e seguiu o seu caminho” (v.30). Cristo sempre escapará aos projetos humanos que não visam a glória de Deus e o bem das almas. A salvação da humanidade que Ele viera operar não teria fronteiras e era mais vasta que os pequenos horizontes individuais, interesses restritos daqueles que não se interessassem em levar aos outros sua mensagem de paz e consolo. Por certo Jesus deve ter ficado triste diante do desprezo de seus conterrâneos. Aliás, fica sempre triste perante os que não O veem como o redentor de todos. Os Nazarenos O queriam só para eles e não tinham ideia de que Ele viera também para os pagãos como fizeram Elias e Elizeu. Os Nazarenos não penetraram fundo no mistério da salvação que Ele trouxera ao mundo. O cristão não pode ficar nunca encantoado no seu pequeno mundo, no seu círculo limitado de amigos. O fato ocorrido em Nazaré é um convite a que se sai da rotina, da indiferença, do comodismo para levar com entusiasmo o Evangelho onde cada um vive, trabalha e atua. Interesse pelos pobres, pelos necessitados. Irradiação da caridade que deve produzir bondade, doçura, amabilidade, serviços, alegria, paz, compaixão e paciência. O egoísmo dos Nazarenos os levou a querer precipitar Jesus monte abaixo, jogando-o no precipício, fora da cidade. Mais tarde Jesus seria crucificado em Jerusalém também fora da cidade e lá no alto da cruz estaria escrito “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. Ele não seria apenas o soberano de Nazaré, mas o Redentor dos judeus e de todos os povos. O erro dos nazarenos foi se maravilharem com as palavras que na sua Sinagoga Jesus proferia, mas não indo além fazendo um ato de fé completo na sua messianidade. Através dos tempos Cristo seria expulso de tantas cidades, de tantos corações, mas continuaria sempre a ser o Messias salvador de milhares de almas. Os milagres de sua bondade se multiplicariam por toda parte. Não basta, portanto, apenas admirar Jesus, mas é preciso crer firmemente na sua missão salvífica. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

JESUS REVELA-SE COMO MESSIAS

JESUS REVELA-SE COMO O MESSIAS
                                     Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na Sinagoga de Nazaré Jesus fez a leitura do Isaías que anuncia a vinda do Messias, o qual curaria os doentes e anunciaria a Boa Nova aos pobres. Solenemente Cristo afirma “Cumpriu-se hoje esta palavra que acabais de ouvir” (Lc 4,14-22). Portanto, o Messias estava entre eles e realizaria tudo que o Profeta declarara. Nesta ocasião do anúncio de sua messianidade todos estavam maravilhados por causa das palavras luminosas que fluíam dos lábios de Jesus. Ele era, realmente, o Messias enviado pelo Pai, que revelaria os segredos de Deus. Eis aí o cerne do mistério da Encarnação. Deus habitou entre os homens. Ele evangelizaria e a Boa Nova chegaria aos pagãos e ecoaria por toda a terra. Não apenas o povo judeu seria beneficiário das promessas divinas, mas também os estrangeiros de todas as nações. O Messias traria uma salvação universal, ou seja, para toda a humanidade. Uma multidão de remidos através dos tempos. No coração da atividade salvífica de Cristo, o Messias, estaria presente o Espírito Santo que Ele enviaria a todos os seus seguidores a fim de dilatar o Reino de Deus em todos os povos. Uma obra messiânica de liberdade, de luz, de bondade, de misericórdia. Os conterrâneos de Jesus que o ouviram na Sinagoga de Nazaré pararam na admiração, não fizeram um ato de fé em Cristo-Messias e iriam até expulsá-lo daquela cidade. Cumpre então fixar o que Jesus falou naquela Sinagoga. “Hoje se cumpriu esta passagem da Escritura”. Isto Ele está a dizer a cada um que escutou esta assertiva. Hoje é o dia da salvação, se sua palavra encontrar sua realização, seu significado lá dentro de cada coração, reconhecendo nele o Messias, o Profeta portador do Espírito vivificador. Hoje Jesus nos oferece palavras de esperança e de júbilo. Ele é o Messias que vem a nós pobres, muitas vezes cativos das aliciações demoníacas, cegos que não sabem interpretar os acontecimentos da vida, oprimidos por tantos males. Hoje Ele quer que lhe entreguemos as cadeias que prendem corações às ilusões terrenas ou que paralisam o amor cotidiano para com os mais necessitados, tudo que retém o elã de uma absoluta confiança diante do futuro pessoal e da comunidade na qual se vive. Hoje Ele quer abrir os olhos de todos para um verdadeiro louvor a Deus e serviço ao próximo. Ele quer ajudar a todos a tirar o jugo das próprias paixões terrenas ou do peso dos erros passados, dizendo que sua misericórdia é infinita e que Ele pode curar todas as feridas. Oferece a liberdade, porque seu amor é sem fronteiras e ininterrupto. Ele oferece a todos aquela alegria que nem o mundo, nem satanás, nem ninguém pode impedir de se possuir.  Para isto é preciso “ter sempre os olhos fixos nele”, como acontecia com os que O ouviam na Sinagoga de Nazaré. Nada longe dele, de seu mistério de dileção, de sua obra soteriológica.  Quando Jesus começou sua missão pública Ele encontrou todos os obstáculos vindos daqueles que não compreenderam sua messianidade Sua vida iria terminar com a catástrofe da crucifixão. Esta não seria, contudo, o final de sua tarefa de Messias, porque sua missão messiânica se estenderia através dos séculos, mesmo porque Ele ressuscitaria imortal e impassível.  Jesus-Messias inscreveu na História o selo definitivo da misericórdia redentora de Deus. O episódio do Calvário não representou o fracasso deste desígnio divino, mas, pelo contrário, confirmou num espetáculo de amor incomensurável a tarefa messiânica do Filho de Deus. Para seus seguidores não haveria nunca qualquer ambiguidade na obra salvífica empreendida por Jesus.  O que Ele afirmou na Sinagoga de Nazaré, revelando-se como o Messias, diante da lógica da fé, se apresentaria luminosamente em todo decurso de sua existência.  Sua missão messiânica seria, porém, sempre uma missão espiritual da qual estava ungido, da qual todo seu seguidor deve estar conscientemente investido. Trata-se, como bem se expressou Maurice Zunde, de criar um Reino universal sem distinção de raça, de nação, de povo, de classe social. Na sua missão de Messias a trajetória de Cristo neste mundo seria alternada de momentos de triunfo e de perseguições, pois Ele jamais trairia a mensagem que veio trazer a esta terra. De Nazaré mesmo onde encantava os ouvintes, seria logo depois expulso. Ao Domingo de Ramos se seguiriam os julgamentos e a crucifixão da Sexta Feira subsequente.  Na sua pregação não haveria em momento algum qualquer tipo de obscuridade. Ele veio ofertar à humanidade uma visão admirável de Deus. Este não se situa numa ordem de grandeza meramente exterior, mas numa ordem interior, ordem de amor, cuja prova definitiva seria o sacrifício redentor de seu próprio Filho. Em Nazaré, Jesus se revela como Messias cuja missão foi pregar a Boa Nova e amparar os necessitados. É pelo dom de si mesmo a Ele que cada um acataria sua mensagem e com humildade receberia todo o influxo benéfico de sua tarefa messiânica. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.       


quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

As núpcias em Caná

AS NÚPCIAS EM CANÁ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Há no episódio das Bodas de Caná da Galileia peculiaridades que merecem atenção, como bem observou Gerard Reynaud. Trata-se do início dos milagres de Jesus e da manifestação de sua glória. Isto, porém, se dá não num lugar famoso, importante ou profundamente simbólico para o povo de Israel como seria o templo de Jerusalém. Jesus poderia ter optado pelo monte Garitzim, lugar sagrado para os samaritanos ou mesmo por Belém, a cidade onde nascera. Preferiu uma pequena urbe da Galileia, próxima de Nazaré. É de se notar que na Galileia havia uma mistura de estrangeiros com habitantes locais e era considerada pelos judeus e suas autoridades como uma terra pecaminosa, porque mesclada. Isto para a tradição hebraica era sinal de impureza. Os critérios do Mestre divino são surpreendentes para uma visão meramente humana e cumpre sempre penetrar fundo no significado de tudo que Ele fez e ensinou. São João apresenta na sua narrativa os personagens que participaram daquelas núpcias. Ali estava a Mãe de Jesus, mas seu nome não foi registrado pelo evangelista nesta narrativa. É interessante observar, porém, que Maria é a protagonista que abre e fecha o Evangelho de hoje. Como São João não menciona São José ele já deveria ter morrido. Note-se que Jesus se dirigirá a sua Mãe usando o termo mulher, termo que Ele usará no Calvário ao assim se dirigir a ela do alto da Cruz, referindo-se a João: “Mulher, eis aí o teu filho” (Jo 19,26-27). Por certo o intento de São João foi mostrar o lugar eminente que esta mulher teve na obra da salvação. Mãe de Jesus ela seria também a Mãe da humanidade remida por seu divino Filho. Sua mãe se tornaria a nova Eva sempre preocupada com as dificuldades de seus filhos, atitude que ela mostra claramente ao ver o vexame que passariam os noivos por faltar o vinho naquela solenidade em Caná. Ali, porém, a figura principal era Jesus, cujo nome São João repete quatro vezes nesta narrativa. Ele operaria o famoso milagre da mudança da água em vinho e anteciparia sua manifestação poderosa graças à influência de sua Mãe.  Ali estavam seus discípulos referidos três vezes pelo Evangelista. Estes seguidores de Jesus ali se mostravam discretos, não falam, não intervêm e João nem nos diz quantos eram. Entretanto, ao fazer o seu primeiro milagre, Jesus os visava, dado que ante esta manifestação de poder, diz São João “os discípulos creram nele”, sem se referir aos parentes de Jesus que lá estavam, ou aos serventes ou às outras pessoas que participavam daquela festa. Os serventes vão obedecer a uma ordem dada não pelo organizador da solenidade, nem mesmo pelo noivo, mas vinda diretamente de Jesus, o que patenteia ser Ele a figura central do que aí ocorria. Ele o esposo celeste da Igreja que Ele estabeleceria nesta terra. Os serventes estavam acostumados a obedecer às ordens recebidas e, por isto, não estranharam o fato da Mãe de Jesus lhes ter dito para fazerem tudo que este lhes ordenasse. Enchidas as seis talhas com água, Jesus mandou que o Mestre Sala provasse a água transformada em vinho. Bem podemos aquilatar a aflição deste personagem quando já faltava esta bebida, o que seria uma falha sem precedente e gravíssima perante os convidados que se sentiriam menoscabados. Maior foi sua surpresa ao degustar aquela bebida, fruto da intervenção de Cristo. Aí vem um fato notável observado por São João Crisóstomo, pois o Mestre Sala se dirige ao noivo com estas palavras: “Todos servem primeiro o vinho melhor e, quando têm bebido bem, servem então o inferior Tu, porém, pelo contrário guardaste o vinho bom até este momento”. É que aquele vinho prefigurava aquele que seria servido no Cenáculo, quando não a água seria transformada em vinho, mas este, sim, seria transubstanciado no sangue de Cristo, prefigurando o sangue redentor que correria durante a Paixão do Senhor. Finalmente, aqueles esposos, honrados com a presença de Cristo, protagonizaram núpcias símbolo do rito nupcial do banquete escatológico. O tema dos esponsais é fundamental na Bíblia e Jesus seria o fundador da aliança na qual o esposo verdadeiro era o Deus de Israel. Este sempre apresentado como o esposo de seu povo. Cristo viera estabelecer a Nova Aliança com os remidos por seu sangue, servindo não mais um vinho de uma alegria terrena, mas do júbilo que jorra para a eternidade com um caráter profundamente escatológico, ou seja, daquilo que acontecerá n fim dos temos. Vinho que estaria sobre os altares para ser transubstanciado no momento do banquete eucarístico, na hora da Consagração, na Missa, renovação incruenta do sacrifício do Calvário. Em Caná, Jesus anunciou sua missão de realizar a passagem do Antigo ao Novo Testamento. Os discípulos creram na sua divindade e Maria nos convida a fazer tudo que sue filho nos ensinou e que está compendiado no Evangelho. Assim é que se poderá ter parte no banquete do Reino prefigurado neste episódio das núpcias de Caná e tornado realidade na Eucaristia da qual participamos em todas as Missas. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.