O
MILAGRE DOS PÃES
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Ao
multiplicar os pães num lugar deserto e afastado Jesus não apenas demonstrou
seu extraordinário poder, como também ofereceu a seus seguidores um gesto que
levava a reflexões atinentes a outras passagens bíblicas (Mt 14,13-21). Com efeito, trazia, por exemplo, à tona as
cenas do maná que alimentava o povo no deserto, mostrando que a providência
divina nunca deixa à mingua os que lhe pertencem. Lembrava também o milagre do
profeta Elizeu que multiplicou pães para cem pessoas (2 Reis 4,43-44). Jesus
inclusive se mostrava superior a estes servos de Deus, pois Moisés foi apenas
uma testemunha da cena do maná e bem limitado foi o número de pessoas
assistidas por Eliseu. Naquele momento Jesus visava também suscitar a fé nos
moradores da Galiléia. Estes não
captavam a mensagem de seus milagres. Viam nele um poderoso messias, líder político,
mas não o Filho de Deus, o salvador de toda a humanidade, o enviado do Pai.
Conforme registrou São João no seu Evangelho a reação diante do milagre dos
pães foi querer fazê-lo Rei. Entretanto outra era a intenção de Jesus com este
prodígio, ou seja, suscitar a fé dos doze Apóstolos, inspirando-lhes
sentimentos de comiseração para com os famintos, por todos que passassem por
qualquer necessidade. Eis por que Ele lhes disse: “Dai-lhes vós mesmos de
comer”. Jesus desejava inclusive fazer ver ao povo a fome da palavra de Deus,
palavra que sustenta para a vida eterna. Já era uma preparação para que estes
Apóstolos depois viessem alimentar seus seguidores com o pão eucarístico, pão
vivo de seu Corpo que ressuscitaria imortal e impassível, mas presente para
todas as gerações cristãs no Sacramento da Eucaristia, no qual se daria uma
multiplicação muito mais admirável. Na véspera de sua Paixão, reunido com os
Apóstolos no Cenáculo,outra Jesus
tomaria o pão, o partiria, o abençoaria e o daria aos Apóstolos, que assim repartiriam
o pão em sua memória. Ali no deserto os discípulos, do que sobrou, totalizaram
doze cestos cheios. Bela imagem do que se daria pelos séculos afora, pois nos
sacrários das Igrejas sempre haveria o pão eucarístico que jamais faltaria a
quem tivesse fé. Tal a felicidade dos que acreditassem no Reino messiânico que
Ele viera instaurar nesta terra. Então se compreende melhor como a Eucaristia,
o pão multiplicado, condensa para os cristãos toda a história da salvação. A Eucaristia iluminaria
a existência do verdadeiro seguidor de Cristo. Ele que demonstrou seu poder
imenso alimentando no deserto mais de cinco mil pessoas, poderia também, ao
tomar o pão no Cenáculo, dizer “Isto é o meu Corpo: isto é o meu Sangue”, dando
em seguida uma ordem aos Apóstolos: “Fazei isto em minha memória”. Tratava-se
de um memorial, de uma presença e de uma promessa de vida eterna. Antes,
naquele lugar deserto, diante de uma
multidão que poderia passar fome, a estratégia dos Apóstolos era despedir os
que ali se achavam. Para Jesus havia, porém, uma outra solução e Ele afirma: “Eles não têm
necessidade de ir embora”. É que Ele com sua onipotência haveria de
providenciar o alimento para todos. Isto impelido Ele por sua compaixão, agindo
conforme ditava seu coração amabilíssimo. Para os Apóstolos o problema era
sério, mas Jesus não via problemas, limites. Ele contemplava uma multidão que
atentamente ouvira sua palavra repleta de consolação, de esperança, de verdade.
Promoveu então Jesus o festim da compaixão e ninguém ali haveria de passar
fome. Esta seria a destruição da vida, mas ali estava o Senhor da vida e se dá
então aquele ato miraculoso que ficaria para sempre na memória de seus
discípulos através dos tempos, como, aliás, se dá conosco no dia de hoje.
Felizes os corações que desejam estar assim com Jesus, que O procuram, em que O
vêem sob os acidentes do pão e do vinho e, depois, passa a a irradira esta
felicidade por toda parte. É que no encontro com Cristo no Sacrifício
Eucarístico da santa Missa não apenas Ele alimenta a todos com sua Palavra, mas
a muitos, que para isto se prepararam, alimenta também com o seu Corpo, Sangue
Alma e Divindade na hora da Comunhão. Num e noutro caso, revelando-se um Deus
de ternura e de misericórdia, lento à impaciência, cheio de amor e de verdade.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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