segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

AS TENTAÇÕES DE JESUS

AS TENTAÇÕES DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

No limiar da quaresma, tempo de conversão, Jesus se apresenta como modelo, ensinando a vencer as tentações diabólicas (Mt 4,1-11). Em duas célebres passagens o Evangelho mostra um combate de Jesus, a saber, um antes de inaugurar sua vida pública e outro antes de entrar na sua Paixão. As tentações do deserto e a aceitação da cruz no Horto das Oliveiras são dois marcos significativos que patenteiam Cristo vitorioso. Este concita seus seguidores a trilharem o caminho da salvação. As tentações do deserto foram precedidas por uma proclamação clara de sua identidade divina após seu batismo no Jordão. O Espírito Santo descera sobre Ele em forma de pomba e ouviu-se a voz do Pai a anunciar que Ele era o seu Filho bem-amado. Foi, portanto assim confortado que Jesus se dirigiu para o deserto, lugar propício de comunicação com o Pai e o Espírito Santo e onde se daria seu singular triunfo sobre satanás. Este, por sinal, duas vezes repetiria: “Si tu és o Filho de Deus”, desejando uma prova da teofania descrita pelos Evangelistas.  Tratava-se de uma demonstração de poder divino, transformando as pedras em pão e se projetando do pináculo do templo, pois do céu viriam os anjos para ampará-lo. Jesus era, de fato, o Filho de Deus e nisto o demônio tinha razão, mas as consequências eram incorretas e eram o cerne das tentações. O espírito do mal queria que Cristo usasse de maneira errônea sua divindade. Deste modo, através de prodígios espetaculares o Redentor demonstraria sua independência pessoal indo contra os planos eternos traçados desde toda a eternidade. Seria uma violação inútil da ordem natural das coisas e, na verdade, para satisfazer satanás. Uma dominação sem nexo das leis naturais. O orgulho humano prevaleceria. Jesus, contudo, foi claro: “Nem só de pão vive o homem, mas de toda coisa ordenada por Deus”. e na insinuação seguinte: “Não tentarás o Senhor teu Deus”.  Estava, assim, superada uma subversão das leis estabelecidas pelo projeto divino, recusando milagres sem motivo plausível. Na terceira tentação ambição, poder e riqueza, numa visão fantasiosa dos reinos do mundo, foram os artifícios do maligno, aliás, confirmando que o demônio é “mentiroso e o pai da mentira” (Jo 8,44). O objetivo final era evidente, ou seja, levar Jesus a um ato de idolatria. A pronta atitude do Mestre divino foi taxativa numa mensagem a ser seguida por todos os seus discípulos: “Vai-te, satanás, pois está escrito: ”Adorarás ao Senhor teu Deus e a Ele só prestarás culto”. Era uma ordem ao adversário e uma lição para todos os homens. De fato, somente ao Ser supremo se deve render toda honra e toda glória, mas, infelizmente, muitos cairiam nas garras do inimigo de Deus e se curvariam perante as imposições mundanas adorando os prazeres terrenos e se entregando a tantas formas de idolatria. Através dos tempos o ser humano querendo ser um rival do Criador de tudo. Jesus, entretanto, ensinou como se pode sair vitorioso contra as tentações e o ponto de partida é querer sempre fazer a vontade do Pai, expressa nos dez mandamentos. Cada um dos batizados teria seu calcanhar de Aquiles a ser explorado pelo diabo. O desrespeito à vida, ou o desprezo das práticas religiosas, as paixões desenfreadas, o menoscabo dos deveres familiares, ou os ataques à reputação do próximo e a falta justiça, enfim a transgressão de tantos preceitos do Decálogo seria a vitória de satanás. Na verdade, porém, haveria também milhões de batizados que, na alheta de Jesus, multiplicariam triunfos contra o espírito das trevas. Quaresma é um tempo de revisão de vida, quando cada um deve verificar quem está sendo vitorioso na sua existência: Deus ou o diabo. Trata-se uma conversão completa e de uma resolução decidida da fuga de todo mal para que não se caia nas malhas do inimigo de Deus. Para isto é preciso saber sempre interpretar corretamente a Bíblia e colocá-la em prática. O diabo invocava as Escrituras ardilosamente e foi repelido através das mesmas por Jesus. Este então afrontou a fome, o orgulho, o desejo de poder e saiu triunfante. Com Jesus e como Jesus o cristão deve vencer as tentações do demônio, procurando se identificar ao máximo com o Mestre divino.* Professor no Seminário de Mariana durante quarenta anos.  

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

AFASTAR AS INQUIETAÇÕES

AFASTAR AS PREOCUPAÇÕES
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Jesus convida a todos a afastar e vencer as preocupações: “Não vos preocupeis pela vossa vida” (Mt 6,24-34). Apesar de todas as turbulências que envolvem a criatura humana neste vale de lágrimas, o Mestre divino, que é sumamente realista, aconselha a superar as naturais inquietações cotidianas. Oferece, porém, uma solução admirável: “Vosso Pai celeste sabe que precisais de todas estas coisas. Buscai primeiramente o reino de Deus e a sua justiça e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo”.  Portanto, ao recomendar que não se deve se inquietar, Jesus não faz apologia da passividade, a cruzar simplesmente os braços. O que Cristo quer ensinar é que a aflição não é uma arma adequada para fazer face às dificuldades da vida. Ela, com efeito, não permite que se contornem os problemas e lhes dê uma solução coerente. A ansiedade pode levar ao fatalismo e a inação. Ensina então o divino Redentor: “Olhai as aves do céu que não semeiam nem ceifam nem enceleiram, e, contudo, vosso Pai celeste as sustenta”. Entretanto, estas aves não estão nunca inativas, pois procuram os grãos ou os insetos da manhã ao por do sol. Fazem um trabalho necessário para o seu cotidiano, mas não estão preocupadas com o dia seguinte. Fazem o que devem fazer e quando é preciso. Aqui se aplica plenamente o provérbio: “Ajuda-te que o céu te ajudará”. Deus não passa nunca recibo à preguiça, à indolência, à falta de esforço pessoal. Não se pode colocar barreira ao dinamismo, grande aliado do Divino Espírito Santo, pois a ação tranquila, mas eficiente,  provoca o desejo de agir e se opõe à fatídica resignação. Cumpre, entretanto, analisar o que pode provocar a angústia. Muitos ficam impacientes quando a situação não lhes satisfaz e lhes é desagradável. Sem invocar as luzes divinas ficam sem saber como melhorar aquela circunstância incômoda. A reação imprópria pode levar inclusive ao egoísmo. Este conduz a uma conduta irracional e até gera o desespero. Invocada a iluminação celeste, aquele que faz o que pode e como pode está conformado com a vontade de Deus e procura o Reino do Céu e sua justiça, sabedor que o futuro a Deus pertence. Assim sendo no meio das tribulações passa a reinar a calma, mesmo porque a felicidade completa que se dará na outra vida, deve ser já partilhada nesta terra sem se deixar envolver nas amarguras. As inquietações são tapumes na confiança e na esperança do auxílio do Pai que está nos céus que recompensa toda diligência humana. Tudo isto supõe uma fé arraigada. A inquietação se caracteriza por uma falta de autoestima e uma má visão do porvir. É uma negação implícita do amor de Deus, mas também não é uma justificativa de preguiça, de inatividade passiva esperando que Deus faça o que devemos realizar com coragem e determinação. Lembra claramente Jesus: “A cada dia basta a sua tarefa” e esta deve ser feita com a graça divina. A proteção celeste torna o cristão dinâmico, mas em tudo confiante face às ocorrências de cada momento. Um cristão que age tranquilamente leva fatalmente os outros a esta louvável atitude. Retira o próximo quer da passividade, quer de um terrível desespero ante as intempéries da existência. Eis porque o verdadeiro seguidor de Cristo não deixa de denunciar a repressão dos poderosos, a tirania dos que dilapidam o patrimônio público e condena o morticínio que ocorre em tantos lugares com horripilas barbaridades. É preciso que todos colaborem ativamente para estabelecer o império do Evangelho neste mundo a começar na comunidade em que cada um vive. Jesus está a clamar: ”Procurai o Rei de Deus e sua justiça”. Esta justiça conduz à valorização da vida a qual deve ter prioridade sobre outros valores que agridem o ser humano. Tudo que favorece a existência e seu desenvolvimento revela a retidão de Deus. Deste modo é que tudo mais acontecerá em abundância para a humanidade. Para concluir estas reflexões nada melhor do que as palavras de quem compreendeu profundamente os ensinamentos de Jesus aqui reocrdados que foi o Apóstolo Paulo. Este assim concitou os filipenses: ”Não vos inquieteis com coisa alguma, mas que em tudo, pela oração e pela súplica acompanhadas de ação de graças, se tornem presentes a Deus vossos pedidos” (Fil 4, 6-). Jesus quer seus discípulos tranquilos, desapegados dos bens terrenos, mas sempre dinâmicos e confiantes no Pai que está nos céus.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

A IMPORTÂNCIA DE LEI E DOS PROFETAS

01 A IMPORTÂNCIA DA LEI
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O cumprimento dos preceitos de que fala Jesus se aplica à Lei e aos Profetas. (Mt 5,17-37). A Lei estava expressa no Pentateuco e nos Profetas estavam englobados todos os restantes Livros Sagrados. Cristo afirma que Ele não viera abolir nada, mas cumprir. Entre abolição e conservação o Mestre divino inculta o cumprimento integral de tudo. Ele aperfeiçoaria a lei moral, exigindo sua observância em toda sua plenitude. É o que Ele quis dizer ao afirmar: “Eu, vos digo”, ou seja, Ele atesta a veracidade de suas palavras e a autoridade com que exigia de seus seguidores um rigor ainda maior em acatar as prescrições divinas com os detalhes que Ele proclamava. Tratava-se do ritmo do Evangelho a ser observado por seus discípulos. Era a novidade que viera trazer para formar na santidade os que desejassem, de fato, segui-lo. Um novo caminho cristão a ser percorrido, sendo captado o sentido profundo de suas mensagens. Uma nova via de progresso espiritual que deveria caracterizar seus epígonos. Para tanto cumpre um ato de fé em Jesus. Tudo que se acha compendiado no Sermão da Montanha exigiria tenacidade, radicalidade, transformação, adesão, uma escolha rumo à pratica perfeita das virtudes. Isto exigiria coragem, destemor. Uma atitude drástica, profunda, ou seja, não apenas não matar os outros, mas também afastar toda ira, todo insulto ao próximo, reconciliando com ele antes de fazer a oblação a Deus. Abolição do adultério a começar dos olhares maliciosos até os desejos impuros no íntimo do coração. Acrescenta a intrepidez em se mortificar quanto às vistas, com relação a tudo que é imoral, desonesto. Penitência corporal para não ceder aos embustes do diabo. Adite-se que Jesus é radical no que tange à fidelidade matrimonial, condenando abertamente todo tipo de infidelidade. Ajunta a tudo isto que seu discípulo não deveria nunca jurar em qualquer hipótese, mas “seja o seu falar sim, sim, não, não”. Tudo implicaria numa transformação da vida de quem o seguisse, pois “tudo que não passa disto procede do maligno”. Não é fácil aderir a este programa de vida, mas a história dos inumeráveis santos elevados ou não às honras do altar demonstra que um sem números de adeptos do Evangelho fizeram com sabedoria a escolha por Jesus, afastando-se das veredas tenebrosas do erro, do pecado, dos desvios morais, das alucinações do mal. Entre o amor, Eros, e a morte, Thanatos, uma vitória da vida divina e a morte a todas as insinuações satânicas de um mundo perverso que despreza a Lei e os Profetas, mundo que  decreta a abolição daquilo que Cristo veio aprimorar para a grandeza de seu seguidor. Neste deveria esplender sempre a verdade em toda sua fulgurância. Jesus oferece todos os meios para o aperfeiçoamento completo do ser humano. Um horizonte belo diante da renovação interior. Não se trata de perfeccionismo estéril, condenável, sobre-humano, mas de um consentimento voluntário na caminhada para a felicidade nesta terra e na eternidade. Aprovação sincera de toda boa ação dentro das limitações humanas, pois grande é a luta para triunfar das prevaricações, jamais, porém, cedendo à desesperança Como observa o Frei Guillaume Dehorter, é preciso estar atento “aos determinismos físicos, sociológicos e psicológicos que condicionam tantas vezes a conduta de cada um”. Esta consciência deve servir  para a lucidez de cada um e não paralisá-lo. É preciso, contudo estar alerta contra tudo que acentua estes determinismos, sobretudo o que chega a cada um pelos meios de comunicação social. Estes quase sempre fazem a apologia dos procedimentos imorais, exaltando falsos ídolos, um modo de viver bem diferente daquele traçado pelo Filho de Deus.  Olhos fixos, isto sim, naqueles que testemunham sua fé e resistem às vozes das sibilas do mal. Seguir Jesus cumprindo tudo que Ele preceituou é encontrar paz, imperturbabilidade e se sentir realizado. O objetivo de Cristo é realmente o engrandecimento da pessoa humana no que diz respeito a sua dignidade de filhos e filhas de Deus. Os preceitos hoje recordados estão a serviço da promoção pessoal de cada um, se tornam um escudo para sua integridade e sua total liberdade. O cumprimento do que Cristo propõe ultrapassa o simples respeito da Lei e dos Profetas e de tudo que Ele detalhou. Sob a luz da fé cada ação do cristão vai além do que Jesus preceituou, porque se trata da visão mesma do Filho de Deus, pedagogo inigualável a apontar a beleza da perfeição cristã, a grandeza de ser seu seguidor. * Professor no seminário de Mariana durante 40 anos.