VALORIZAR
O TEMPO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Nunca se
reflete demais sobre o cuidado que se deve ter em bem empregar o tempo. É
sempre uma temeridade menosprezar os instantes de cada dia. O momento presente precisa ser explorado ao
máximo, pois ele rapidamente passa. Trata-se de uma dádiva de Deus que não pode
ser perdida. Uma diretriz preciosa é não adiar as obrigações, mesmo porque
aquilo que está feito não está por fazer e outros deveres vão surgir. Sabedoria
é ter consciência de que a cada dia basta sua tarefa. É o que ensina o Livro do
Eclesiastes “Todas as coisas têm seu tempo e para cada ocupação chega a sua
hora debaixo do céu” (Ecl 3,1). Assim sendo, a programação diária precisa ser
organizada com antecedência para que sejam usufruídos todos os benefícios
decorrentes das boas ações. O autêntico cristão está persuadido de que a vida
nesta terra pode acabar a qualquer momento. Cristo preveniu seus discípulos: “Vigiai,
pois não sabeis o dia nem a hora” (Mt 25,3). Daí a seriedade com que as
obrigações a serem feitas de acordo com a vontade divina devem ser encaradas.
Trata-se de nada perder para a eternidade. Donde ser preciso sempre uma total
adesão a Deus. É necessário pedir continuamente a Ele o discernimento para bem
praticar o que é conforme a seu beneplácito e para perceber os próprios
defeitos a fim de corrigi-los. É que o conhecimento de Deus é tão necessário
como o conhecimento próprio. Eis por que Santo Agostinho solicitava: “Senhor
que eu Vos conheça e que eu me conheça”.
Apenas assim, se valoriza a existência humana nesta trajetória terrena.
Disto decorre a fidelidade a Deus a começar pelas pequenas tarefas diárias.
Cristo deixou claro: “Quem é fiel nas pequenas coisas, o será também nas
grandes” (Lc 1916). Coragem e constância no cumprimento dos deveres cotidianos
é que fortalecem o cristão para superar as tribulações pelas quais Deus costuma
provar aqueles que desejam valorizar sua vida. Entretanto, o desejo de explorar
com sabedoria o tempo, que flui inevitavelmente, não deve levar o fiel a
desanimar ante as faltas cometidas. Só Deus é perfeito. Grandes santos diziam a
si mesmos: “Ainda que eu caia vinte vezes, cem vezes, eu me levantarei e
prosseguirei a minha caminhada”. É óbvio que eles não cometiam faltas graves,
mas se referiam ás fraquezas inevitáveis ao ser humano. Assim tomavam todas as
precauções para progredirem na prática das virtudes. O que valem são os
esforços contínuos, uma vez que grande é a debilidade humana. São Paulo
declarou: “Para os que amam a Deus tudo coopera para o bem” (Rm 8,28). Deus
permite as fraquezas humanas para curar seu seguidor da presunção e do orgulho.
É de se notar que grandes santos atingiram notável perfeição após erros
gravíssimos que depois deploraram profundamente, como aconteceu com Davi, com
São Pedro e tantos outros. Davi, arrependido, asseverou no salmo 50: “Um
coração contrito e humilhado, Deus não despreza”. O Príncipe dos Apóstolos,
após lamentavelmente negar a Cristo, chorou amargamente (Lc 22, 62). A conversão
de quem se arrepende sinceramente constitui o fundamento de salvação e possui,
deste modo, valor inestimável. O convite de amor da parte de Deus para que se
empregue com sabedoria o tempo, com o poder de sua graça, capacita à
correspondência a uma vida de fidelidade a Ele. É impossível determinar os dons
ofertados por Deus a cada hora e perscrutar os corações, pois as condições
existenciais variam. É certo, porém, que cumpre estar atentos às inspirações
celestes para não se abusar da misericórdia divina. Donde o alerta do referido
Santo Agostinho: “Temo a Jesus que passa e que pode não voltar”. Adite-se que a
valorização do tempo passa por uma espiritualidade encarnada na vivência
profunda da profissão que cada um exerce. É preciso não escapar do ambiente do
próprio compromisso laboral, mas mister se faz vivê-lo profundamente. Deste modo
se desenvolvem plenamente as possibilidades de auto aperfeiçoamento e de
serviço a Deus e ao próximo. Isto inclui uma exigência de empenho, de esforço,
de competência. É assim que se tem uma
visão clara da dimensão social das implicações realizadas no âmbito da vocação
de cada um com toda sabedoria e inteligência sob o olhar de Deus, Senhor do
tempo. Deste modo o cristão tende a transformar o mundo e a dar testemunho da
esperança na construção e pela construção da comunidade em que vive. Trata-se
de existir plenamente nesse mundo, empenhando-se a fundo em face das
possibilidades humanas. Em síntese, o ser humano precisa bem se situar na
tríplice dimensão do tempo, ou seja, no passado, no presente e no futuro. Do cronos
que se foi lições devem ser tiradas com sabedoria, o que constitui o cerne da
experiência vivida. Esta possibilita explorar melhor o instante presente, o
agora, tornando-o proveitoso para si e a comunidade na qual se vive. O porvir é
uma incógnita e está sempre a exigir estratégias para que se amenize o impacto
do imprevisível. Para quem tem fé a confiança em Deus o enche continuamente de
expectativas de dias felizes. Está sempre lembrado do alerta que é profundamente
bíblico: “Ajuda-te que o céu te ajudará”. *
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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