PERSEVERANÇA E SALVAÇÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Admirável o alerta de Cristo: “Pela vossa perseverança ganhareis as vossas almas” (Lc 2,19). Sentença breve e incisiva, frase contundente dado que o Mestre divino alia a constância do cristão à sua salvação eterna. Do exercício desta virtude depende a entrada no Reino eterno de Deus. É que a conquista do céu supõe coragem e determinação por entre as incongruências da vida. Exige uma luta sem tréguas contra os inimigos da alma e, sem bravura esta batalha que caracteriza da vida cristão não pode ser ganha. A vereda que conduz à Casa do Pai apresenta dificuldades e sem a fortaleza interior as boas intenções se tornam estéreis, infrutíferas. Cristo alertou seus seguidores sobre as contradições que teriam no mundo. Num contexto materializado, avesso à prática das virtudes, no qual os maiores absurdos morais são apresentados na mídia como se fossem atitudes naturais a seres racionais ou o discípulo de Cristo se fortalece continuamente ou acaba vendo comprometida por toda a eternidade sua alma. A perseverança no seu mais alto grau esplendeu no alto de uma Cruz. Foi fruto de um grande amor. Eis porque a constância nas rotas de bom oferece a oportunidade de uma atitude repleta de dileção para com quem tanto se sacrificou pela redenção de cada um. O ingrediente máximo da perseverança é o amor a Cristo que oferece o cada um a paciência e aceitação jubilosa da vontade de Deus e leva a repudiar tudo que afronta seus preceitos sagrados. Então a energia transbordante da tenacidade age e faz compreender a ciência difícil da cruz. Desta forma, afastada mera resignação o cristão caminha após Jesus que preceituou a seus epígonos a renúncia a si mesmo. Seu seguidor nunca é um estóico que endeusa o sofrimento, mas alguém que dá uma aplicação transcendental à luta diária nunca desanimando. Para muitos a fidelidade total a tudo que Jesus ensinou se torna impossível, exatamente porque para perseverar é preciso a fortaleza da graça que é obtida pela prece sincera repleta do desejo de não voltar atrás, trilhando caminhos trevosos da infidelidade a Deus. Num universo relativista os preceitos do Criador são questionados, as verdades obnubiladas. Isto explica a deserção de tantos batizados que deixam a Igreja para aderir a uma multiplicidade de seitas ou a doutrinas espúrias inteiramente contrárias ao Evangelho. Falta a convicção na fé. Ao invés de um engajamento firme, inabalável, se passa a preferir idéas subjetivas ou se deixa guiar pelas mensagens errôneas transmitidas pelos meios de comunicação social que passam a fazer a cabeça do cristão desavisado. Muitos até pensam que a perseverança é um entrave à liberdade, engessando o indivíduo numa conduta da qual quer se libertar. Donde ser mais do que nunca atual a advertência de Cristo: “Pela vossa perseverança ganhareis as vossas almas”. Esta virtude é possível, porque é um dom de Deus. O Ser Supremo conhece seus filhos e sabe quais são suas fragilidades, seus limites. Jesus havia orado ao Pai pelos seus seguidores: “Eu lhes dei a tua palavra, mas o mundo os rejeitou, porque não são do mundo, como eu não sou do mundo. Não te peço que os tires do mundo. mas que os guardes do Maligno; Eles não são do mundo,como eu não sou do mundo. Consagra-os na verdade a tua palavra é verdade. Como tu me enviaste ao mundo, assim também eu os enviei ao mundo.Eu me consagro por eles,a fim de que eles também sejam consagrados na verdade” ( Jô, 17, 14-19). Há, portanto, uma dicotomia entre o mundo alheio ao Evangelho e o posicionamento do batizado, como, aliás, bem retrata o Evangelho de hoje. O pedido de Jesus de que o Pai consagre seus epígonos na verdade, significa na fidelidade total, na perseverança sem limites. É por isto que o cristão recebe o Espírito Santo no Sacramento da Crisma para que possa perseverar não obstante tantas dificuldades, não se deixando nunca esmorecer. É o Espírito Santo que comunica a todos os batizados a força, o fogo e o gosto da perseverança, desde que se corresponda a suas inspirações. Quem se precata contra o Maligno não se afasta da fonte da água viva e guarda a Palavra de Deus por árdua que seja a batalha contra a inconstância. A fidelidade com relação a Deus não é uma crispação heróica da vontade nem uma decisão tomada a golpes violentos, mas resulta do sereno autodomínio sob o influxo da graça. Deste modo a perseverança conduz a uma obra criadora que se vive no presente voltando toda a vida de cristão para um futuro reluzente. Trata-se de uma atitude continuamente atualizada na vida de cada um. Ela oferece respostas novas aos diversos desafios que surgem nas etapas da vida do batizado. Aí está a santidade do cotidiano. Desta forma o cristão pode repetir com São Paulo: “Nada nos poderá separar do amor de Deus que está em Jesus Cristo nosso Senhor” (Rm 8,39). Dá-se então o que Jesus recomendou: “Pela vossa perseverança ganhareis as vossas almas”. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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