segunda-feira, 17 de junho de 2019

TOMAR A CRUZ DE CADA DIA


TOMAR A CRUZ DE CADA DIA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Após a profissão de fé de São Pedro, proclamando que Jesus era “o Cristo de Deus”, Ele mostrou as condições para ser seu autêntico seguidor (Lc 9,18-24). Claras suas palavras: “Quem quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz todos os dias e siga-me”. Trata-se de perseverar diante das provações inevitáveis a este exílio terreno, suportando com paciência as dificuldades que vão surgindo. É a valorização cristã de qualquer sofrimento. No Evangelho, com efeito, tomar a cruz de cada dia tem no ensinamento de Jesus um caráter dinâmico, indissociável à missão do Filho de Deus. Como o próprio Cristo asseverou, Ele tinha que “sofrer muito”. Profundos os ensinamentos que fluem desta confidência que Ele fez aos apóstolos. Ele deveria ser visto por seus discípulos não apenas como o taumaturgo poderoso, mas também como o Messias sofredor. Ele seria incompreendido pelas multidões, e muitos que o aclamariam na entrada triunfal em Jerusalém clamariam por sua morte. Sua tarefa salvadora não seria decodificada e haveria os que O abandonariam. Ele combateria a favor dos pobres e dos humildes, enfrentaria os escribas e fariseus, perdoaria a muitos pecadores arrependidos. Além disto, carregaria uma cruz até o Calvário e, dentre os apóstolos, lá estaria apenas São João. Após sua morte e ressurreição é que os demais discípulos chegariam a uma compreensão total da razão de ser de seus sofrimentos. Sacrificariam suas vidas para testemunhar a divindade do “Cristo de Deus”. Jesus ordenara a quem o quisesse acompanhar que tomasse a sua cruz de cada dia e O seguissem exatamente porque todos os cristãos deveriam tomar parte na sua missão. Isto significaria não apenas mortificar as paixões, reprimir  más tendências da natureza corrompida, mas, mais ainda, saber acatar as amarguras, as aflições que vão surgindo nas diversas etapas da vida de cada um. São Paulo escreveu aos colossenses: “Agora me alegro    por tudo que sofro por vós, e dou cumprimento na minha carne ao que falta às tribulações de Cristo! (Cl 1,24). É que a redenção operada pelo Filho de Deus foi na verdade superabundante e suficiente para salva a todos, mas os sofrimentos de Cristo, ainda que de valor infinito, têm necessidade, para que os seus merecimentos sejam aplicados, de serem completados por seus seguidores. Como afirmou Santo Agostinho,” Aquele que te criou sem ti, não te salvará sem ti”. É preciso caminhar com Jesus, mas cada um carregando a sua cruz de cada dia, porque a dele Ele levou até o Gólgota. Não apenas os desgostos de cada hora, dores físicas ou morais, mas também os combates pelo Evangelho, as lutas pelo bem, pela justiça, pela verdade. Tudo isto é um prolongamento da vida de Cristo, o Messias sofredor. O cristão, porém, que compreende a ordem de Jesus de carregar a cruz de cada dia, se torna mensageiro da esperança, porque Cristo, que tanto sofreu, ressuscitou imortal e impassível abrindo as portas do reino dos céus aos que viverem nesta terra seus ensinamentos. É a esta presença profética no mundo que seus discípulos são chamados. Quando Ele indagou: “E vós quem dizeis que eu sou” Ele não queria uma definição de sua pessoa. Desejava que O conhecessem, O amassem, para poderem dar testemunho verdadeiro do que Ele é para os que Ele veio redimir com tanta dor. Muitos querem o céu nesta terra, um mundo isento de amargura. Entretanto, Jesus veio para partilhar as dores humanas, oferecendo a todos a capacidade de suportá-las de acordo com a visão salvífica de Deus. É a esta passagem pela cruz neste exílio que  “o Cristo de Deus” chama seus seguidores para que passem pela provação e pela morte confiados na fidelidade divina que os aguarda na plenitude da beatitude eterna. Resultado feliz da maneira correta na qual se situou o verdadeiro cristão. Deste modo, todo discípulo de Jesus vive sua verdadeira identidade, reconhecendo-se cidadão  do céu onde chegará seguindo os passos do Senhor sofredor. Deste modo fica vencido todo o falso dolorismo, pois Jesus não disse; ”Sofrei e então sereis meus discípulos”. É que o sofrimento não é um fim em si mesmo, pois caminhar nos passos de Jesus, tomando a cruz de cada dia, significa um encorajamento para valorizar todas as contradições. Trata-se da renúncia consciente de tudo aquilo que é decorrência da essência de um ser contingente, limitado, sujeito às intempéries internas e externas. Jesus não afasta seus fiéis das realidades humanas. Ele quer que seus seguidores vivam, a seu exemplo, carregando a cruz das dores próprias e alheias. É seguir Jesus e não perder de vista os passos do Mestre divino. É preciso, para isto  ultrapassar as perspectivas pessoais para inscrever sua existência na fé de uma promessa de vida eterna. Aquele que então procura carregar sua cruz acompanhando Jesus, este fatalmente se salvará. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

DEUS UNO E TRINO


DEUS UNO E TRINO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Jesus, vindo a este mundo, mostrou em várias passagens de seu ensinamento que Deus é Uno e Trino. No Evangelho vemos que Ele aludiu ao Espírito da Verdade que viria sobre seus seguidores. Referiu-se claramente ao Pai: ”Tudo quanto o Pai tem é meu”. (Jo 16, 12-15). Ele o Filho, Segunda Pessoa da Trindade Santa. Revelou-nos o mistério da vida íntima de Deus, mistério de reciprocidade, de luz divina que tem seu reflexo em Deus mesmo, mistério de amor.  Deus Trindade que é anterior ao mundo e aos homens. Ele se revelou sempre como o Criador de tudo.  Mistério realmente sublime, pois desde toda eternidade o Pai se conhece. Este pensamento é eterno, substancial, é a imagem de toda vida divina, igual a sua origem. Eis aí a segunda pessoa, o Filho, o Verbo eterno. O Pai e o Filho eternamente se amam. Este amor é essencial, intemporal, é o Espírito Santo, Terceira Pessoa, que procede do Pai e do Filho. Assim uma só natureza, uma só essência, uma só substância e três centros de atribuições, ou seja, três pessoas realmente distensas. Deus é Uno, Uno antes do tempo, desde toda a eternidade, Uno quando se revela como Trindade e será Uno hoje e sempre. Ao meditar o agir distinto de cada uma das Pessoas divinas o ser humano finito depara com a imensidade do Deus Todo-Poderoso. Pela fé é que se atinge este Deus Uno e Trino que se oculta aos sábios deste mundo e aos orgulhosos, pois Ele se revela aos humildes. Estes se curvam diante das dimensões divinas do Deus infinito. São João na sua primeira carta assim se expressou: “Vêde que admirável sinal de amor nos deu o Pai em nos chamarmos, como de fato o somos, filhos de Deus” (1 Jo 3,1). É nesta experiência filial que é preciso nos estabelecer. É aí que entra o trabalho do Espírito Santo, pois assevera São Paulo: "Aqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus” (Rm 8,14). Estes se abrem ao mistério da Trindade.  Cantam no íntimo de seu coração: “Glória ao Pai santo, glória ao Filho único, com o Espirito consolador, desde agora e por todos os séculos”. Podem então exclamar com o salmista: “Como é precioso teu amor, ó meu Deus” (Sl 35,8). O principal é, de fato, ter o coração aberto ao mistério do nosso Deus, que é Todo-Poderoso, o qual deseja sempre dar a todos que O amam e temem a vida em abundancia. Este Deus, Uno e Trino, ultrapassa todos as nossas palavras e os mais belos louvores que possamos fazer subir até seu trono de glória. Ele é inefável no sentido próprio do termo e não se pode dizer humanamente nada mais do que isto. Ele está além de todas nossas palavras, imagens e definições. Sugestiva a teofania que se deu com Elias. A manifestação de Deus não ocorreu nem na forte rajada do vento, nem no terremoto, nem no fogo, mas no murmúrio de um silêncio tênue, no leve sussurro. (1 Reis 9, 11-13). Era um espaço aberto no qual o Profeta pôde falar com Deus e Deus com ele. A maneira misteriosa com que se fez sentir a presença da divindade mostrou admiravelmente a espiritualidade do ser divino. As forças da natureza anunciaram apenas a vinda de Deus, mas sua presença foi algo de imperceptível. O Deus, Uno e Trino, se manifesta sem violência ou estrepitosas convulsões. Deus amadurece seus desígnios no silêncio, “Ele não se encontra na agitação” (3 Reis 19,11). O Ser Supremo só se revela no silêncio longe do bulício do mundo, num instante de uma prece fervorosa. Então Ele pode libertar de tudo que impede a comunicação com Ele, livrando o cristão de seus demônios interiores para viver plenamente a união com a Trindade Santa. Esta mostra um Deus no qual existe comunicação, ou seja, o Pai que se conhece desde toda a eternidade e este conhecimento eterno é o Filho, donde a Terceira Pessoa, o Espírito Santo amor eterno que procede do Pai e do Filho. Deus é Uno, mas não é solidão e quer partilhar com suas criaturas racionais sua riqueza imensa, sua felicidade infinita. Crer na Santíssima Trindade é descobrir que o mistério de Deus e antes de tudo e, sobretudo, um mistério de amor. A vida cristã consiste em acolher o amor divino para que ele anime todas as ações. Penetramos neste mistério de amor quando fomos batizados “em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo" (Mt 28,19). Assim sendo, as pessoas da Santíssima Trindade nunca devem ser esquecidas, mas recebidas como hóspede que se revela em transparência. É preciso, porém um coração pleno de atenção, voltado para a luz divina. Eis aí a grande lição da solenidade da Santíssima Trindade. Cumpre, contudo, uma fé intrépida nesse mistério salutar. Lembremo-nos sempre que nossa prece é cristã se ela é trinitária É necessário acolher o dom do Deus, Uno e Trino, que quer habitar em nós e, a seu exemplo, aprendamos a amar, a servir, a partilhar. Então santificados pelo amor divino cada um de nós será o templo vivo da Santíssima Trindade. Seremos assim suas testemunhas humildes, abertos à Sua presença, irradiando-a por toda parte. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

RECEBER O ESPÍRITO SANTO


RECEBER O ESPÍRITO SANTO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A solenidade de Pentecostes lembra aos discípulos de Cristo o início de sua vida cristã. O que era uma promessa de Jesus se torna com o dom do Espírito Santo seu completo acabamento. Jesus havia dito aos apóstolos: “Eu pedirei ao Pai e ele vos dará um outro Consolador para estar convosco para sempre, o Espírito da Verdade” (Jo 14, 16-17). Donde ser necessário receber o Paráclito que vem completar no fiel sua personalidade espiritual. O Espírito atesta que somos filhos de Deus (Rm 8,16), respirando e vivendo de sua bondade infinita de sua ternura sem limites. Esta filiação divina é a marca típica do seguidor de Cristo. Daí esta grandeza maravilhosa, porque, como mostrou São João na sua primeira carta, “Deus é luz e nele não há quaisquer trevas” (1 Jo 1,5), Acrescenta este apóstolo que os fiéis, andando nesta luz, a qual é o seu Senhor, estão em comunhão mútua e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, purifica-os de todo o pecado. Ele envia raios de sua luz, iluminando o coração dos seus seguidores, fazendo-os criaturas novas. Isto porque, como mostrou São Paulo, cada um se torna uma carta de Cristo escrita com o Espírito de Deus vivo (2 Cor 3,3). Por isto o cristão passa a aspirar as coisas do alto e não as da terra com suas ilusões pecaminosas. O discípulo de Cristo vive de uma novidade indescritível, pois sabe que Deus está presente nele. Eis porque o cristão é herdeiro deste Deus através de Cristo, herdeiro de sua glória graças à presença do Espírito Consolador. Nunca se valoriza demais esta sublime realidade a qual mostra quão precioso é cada um para o Senhor. No dia de Pentecostes Deus confirma pelo seu Espírito que o cristão está coroado de glória e esplendor (Sl 8). É o mistério da majestade divina e da dignidade humana. O Espírito Santo, porém, faz o que Ele quer em nós, desde que não ocorra resistências à sua ação. Cumpre se lembrar sempre do alerta de São Paulo: “Não extingais Espírito” (1 Ts 5,19). Portanto, valorizar os carismas, os dons, os frutos que Ele oferece, significa ser maleável à sua ação, evitando tudo que contraria sua atuação. A salvação de cada um está ligada à correspondência aos desígnios celestes advindos do Espírito divino. Ao autêntico seguidor de Cristo se dá o que Deus asseverou através do profeta Ezequiel: “Dar-vos-ei um coração novo e porei em vós um espírito novo; arrancarei o coração de pedra das vossas carnes e dar-vos-ei um coração de carne. Porei dentro de vós o meu espírito e farei que cainheis nos meus estatutos e observeis os meus ditames e os ponhais em prática” (Ez 36, 26-27). Então o Espírito Santo, recebido pela fé e pelo batismo, leva cada um a se imergir na salvação realizada por Cristo.  De fato, é a lei do Espírito que dá a vida em Cristo Jesus (Rm 8,2).   Sem a graça do Espírito Santo, mesmo o Evangelho, mesmo o Mandamento novo do amor mútuo não passariam de uma lei antiga, de uma palavra estéril. De fato, o Mandamento novo e tudo que Jesus ensinou nas Bem-aventuranças são uma novidade porque o amor foi difundido nos corações dos cristãos pelo Espírito Santo. Com sua vinda, uma nova luz brilhou, como explicou São João na sua primeira carta (1 Jo 2,7-8). É que como afirmou São Paulo a “letra mata, só o Espírito vivifica”.   Santo Tomás mostrou que a palavra escrita fica exterior ao homem.   Sua vivência completa só é possível com a ajuda do Espírito da Verdade.   Trata-se da inteligência da fé que leva a atitudes práticas de consequências concretas na vida cristã. É o acolhimento do Espírito Santo que renova o coração do seguidor de Cristo, então confessado firmemente num mundo hostil às realidades sobrenaturais. O cristão, desta forma, adere firmemente ao mistério revelado na pessoa do Salvador. O Espírito Santo confere a graça de conformar a vida aos preceitos evangélicos, vividos, existencialmente e espiritualmente, em todas as ações. Na luta contra os desejos da carne que se opõem ao espírito, levando à lamentável valorização das obras humanas e à exaltação das paixões desregradas, é preciso a renovação que o Espírito Santo opera interiormente nas almas de boa vontade. Esta renovação espiritual deve ser contínua e supõe perseverança. Cada dia é necessário crescer espiritualmente sob as luzes do Espírito de Deus que conduz a um princípio carismático e interior da vida nova. O Espírito de Jesus deve ser o fundamento da lei nova que orienta toda a vida do cristão. Este se interroga sempre diante de seu Senhor: “Que tenho feito para crescer no vosso amor?”. Cumpre descer ao mais profundo de si mesmo para descobrir os desígnios divinos, as iniciativas que Deus quer fazer por nós, em nós e conosco. O Espírito Santo nos leva pela palavra de Cristo aos páramos da santidade.  O cristão fica atento à novidade do Espírito na prece, no cumprimento de seus deveres cotidianos e na evangelização. Então, o seguidor de Cristo, iluminado pelo Espírito Santo, passa a perceber a ação da graça nas menores ações, degustando a realidade do amor vitorioso. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.